Sanção política

'Protesto de dívidas tributárias sacrifica parte mais fraca'

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17 de novembro de 2013, 8h03

Spacca
Maurício Pereira Faro - 28/03/2013 [Spacca]Mesmo que mais de um terço dos processos tramitando no país sejam Execuções movidas contra devedores do poder público, a sobrecarga de trabalho do Judiciário causada pelas Execuções Fiscais não pode gerar uma flexibilização de direitos ou de regras legais expressas. O desespero dos juízes diante das mais de 30 milhões de ações, caras e lentas principalmente devido à dificuldade de se encontrar bens penhoráveis, tem empurrado até mesmo os mais garantistas a medidas como o protesto em cartório de cobranças tributárias. Mas isso transfere a culpa do sistema para os contribuintes — muitos cobrados indevidamente. A advertência vem de quem capitaneia o time à frente da luta contra o protesto de certidões de dívida ativa em cartórios e a consequente negativação de devedores tributários em cadastros de restrição ao crédito. Presidente de uma das mais atuantes comissões de Direito Tributário das seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Maurício Faro é o terceiro a comandar o grupo formado há três mandatos na gestão da OAB do Rio de Janeiro. Devido à manutenção dos planos e frentes de batalhas, mesmo quando não alcança bons resultados, o grupo tem conseguido levar suas bandeiras aos holofotes.

Foram debates da Comissão Especial de Assuntos Tributários que originaram, por exemplo, o projeto de lei do Código de Defesa do Contribuinte — prestes a ser o primeiro editado por uma capital brasileira — e a oposição judicial ao protesto de débitos tributários como meio de compelir o contribuinte a pagar para não ficar com o nome sujo no comércio ou nos bancos. A questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal, mas ainda não foi julgada.

Da comissão também saiu o primeiro procurador tributário nacional nomeado pelo Conselho Federal da OAB, em abril, o advogado Luiz Gustavo Bichara. Ele foi vice-presidente da comissão fluminense e é um dos destaques dessa brigada. Daniela Ribeiro Gusmão, presidente anterior da comissão, foi quem inaugurou, em 2007, a briga pela reestruturação dos julgamentos de Execuções Fiscais estaduais e municipais no estado. Há apenas duas varas para cuidar de todos os executivos estaduais e municipais, que chegaram a bater 1 milhão de processos.

Em 2008, a entidade pediu, juntamente com as procuradorias, a suspensão das atividades de uma das varas, com que o tribunal de Justiça concordou. O acervo tem diminuído desde então. Também foi Daniela quem questionou formalmente a participação de procuradores da Fazenda nos gabinetes de desembargadores como assessores. O caso foi parar no Conselho Nacional de Justiça, que afastou uma procuradora.

Desde janeiro, Maurício Faro foi levado pelos pares ao comando do grupo, tendo como vice Gilberto Fraga, amigo inseparável. Acumula ainda o cargo de membro da comissão tributária da OAB federal. Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico em São Paulo, contou sobre os planos para oferecer serviços aos advogados, como o curso de Introdução ao Direito Tributário, que já está em sua segunda edição. 

Aos 38 anos, Faro é formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Sua tese tratou dos desequilíbrios concorrenciais causados por liminares desobrigando empresas a recolher tributos. 

Hoje líder de uma das áreas de contencioso tributário do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, já passou por outros dois gigantes: Siqueira Castro Advogados e Gaia, Silva, Gaede & Associados. É conselheiro titular pelo segundo mandato consecutivo na 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, do Ministério da Fazenda. É também professor de pós-graduação em Direito Tributário da FGV-Rio e da Universidade Cândido Mendes. “Não sou um professor. Sou um advogado que dá aulas e é por isso que meu objetivo é mostrar a teoria com viés prático, que é o que os alunos buscam na pós-graduação. Isso me permite compartilhar minhas experiências e também aprender com eles”, diz.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual o método de trabalho da  Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ?
Maurício Faro — Formalmente, assumi a presidência da Comissão em janeiro, mas, na prática, esse trabalho já vem sendo desenvolvido há bastante tempo e aí a gente trabalha necessariamente pautado em três pilares. O primeiro é o institucional. Pode ser uma atuação legislativa, em que preparamos uma minuta de projeto para debate, como ocorreu com o Código de Defesa do Contribuinte. Outro pilar é a atuação judicial, como quando o estado do Rio de Janeiro editou a lei do protesto e assumimos a ação de inconstitucionalidade. Sustentei no Órgão Especial e interpusemos recurso em Brasília. Temos muita fé de que reverteremos isso em razão das decisões reiteradas do STJ. Por último, temos a atuação institucional pré-litígio. O grande exemplo que temos hoje é a questão dos julgamentos secretos na primeira instância da Receita Federal, que são feitos por colegiados, mas que não podem ser assistidos por advogados ou partes. O interessado sequer é intimado de que o julgamento vai acontecer. Oficiamos a Receita, que ainda não respondeu. Nossa expectativa é que, diante do silêncio ou de uma resposta negativa, a gente pode judicializar. Houve um pré-contencioso. Agora, estamos preparados para o contencioso. 

ConJur — Há diálogo também com procuradores da Fazenda, responsáveis pelo ajuizamento das Execuções Fiscais?
Maurício Faro — Essa é outra linha da nossa atuação institucional. Vamos mandar um ofício à Procuradoria da Fazenda Nacional, pedindo a identificação de controvérsias já resolvidas nos tribunais superiores e o arquivamento de Execuções que tratem desses temas. Um exemplo claro é a inconstitucionalidade, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, da regra que reconhece sócios e administradores como devedores solidários de contribuições previdenciárias não pagas pelas empresas. Não se precisava demonstrar o dolo do sócio para incluí-lo na Execução, ele já vinha incluído. O Supremo julgou isso inconstitucional, só que muitas pessoas físicas ainda estão no polo passivo dessas Execuções. Hoje, a Lei 12.844 vincula a Procuradoria aos julgamentos de recursos repetitivos e de repercussão geral. Nossa ideia é trabalhar junto com a Procuradoria para identificar esses casos e eventualmente nos reunirmos com juízes de Execução no Rio de Janeiro para estabelecer um procedimento que acelere a retirada dessas pessoas do polo passivo.

ConJur — As mudanças na Lei 12.844 passaram a vigorar em agosto deste ano. Que outros casos de Execuções paradas na Justiça ela pode resolver?
Maurício Faro — Uma discussão é sobre os artigos 45 e 46 da Lei 8.212, que estabeleciam prazo de dez anos para se constituir a contribuição previdenciária. Só que a Receita Federal também passou a usar esse prazo, usando jurisprudência que, durante um período, aceitou que a CSLL, o PIS e a Cofins, que são contribuições sociais, também fossem constituída em dez anos. Só que a Súmula Vinculante 8, do Supremo, já disse que esse prazo é inconstitucional. Para contribuições previdenciárias, percebe-se que as Execuções foram extintas, mas muitas execuções de PIS/Cofins e CSLL ainda estão ajuizadas. Nossa ideia é focar nisso também.

ConJur — Isso vale também para as discussões administrativas?
Maurício Faro — Já estamos dialogando com o estado do Rio de Janeiro para estabelecer uma sistemática parecida, para que evitemos autuações e decisões desfavoráveis no conselho de contribuintes em questões sobre as quais a jurisprudência é pacífica favoravelmente ao contribuinte. Porque não faz sentido o autuado se defender administrativamente e perder a disputa sabendo que vai ganhar na Justiça. Estamos postergando um problema. É melhor nem autuar. Por isso, dialogamos com o estado e com o município do Rio para conseguir uma medida semelhante no âmbito administrativo. 

ConJur — A intenção dos filtros recursais do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça foi justamente a de evitar novos conflitos. O Fisco tem entendido ou não?
Maurício Faro — O momento é de otimizar processos administrativos e judiciais. A repercussão geral e o recurso repetitivo vieram para criar uma parametrização dos julgamentos, isso é uma tendência definitiva. Não tem sentido obrigar o contribuinte a percorrer todo um processo judicial se ele sabe que vai ganhar. Isso é contrário à duração razoável do processo. O regimento interno do Carf, por exemplo, já prevê que o julgador é obrigado a aplicar a decisão dada nesses recursos. Súmula vinculante todo mundo tem que aplicar, mas o problema não é esse. O problema é que há processos que ficam esquecidos. Falta alguém ir lá e provocar.

ConJur — O projeto de Código de Defesa do Contribuinte, que está na fase final de aprovação na Câmara dos Vereadores do Rio e já teve aprovação do Executivo, é um exemplo de trabalho de longo prazo?
Maurício Faro — Exatamente. Ele começou na gestão da Daniela, quando tive a oportunidade de participar, e continuamos tocando. Algumas missões são de longo prazo. No início, fizemos uma pesquisa profunda dos códigos de defesa existentes nos estados e municípios. Trabalhamos em um modelo maior, debatemos esse modelo com a Fazenda municipal. Então, o que existe hoje e que foi apresentado pelo vereador Marcelo Queiroz (PP) já é resultado de um trabalho de longo prazo da comissão e de diálogo com a Fazenda e com o Legislativo.

ConJur — Em que o Código de Defesa do Contribuinte a ser aprovado no Rio tem de diferente dos outros códigos semelhantes já editados por estados como Minas Gerais?
Maurício Faro — Como é mais recente e é resultado de um estudo mais aprofundado e de um debate prévio com a administração tributária, o do Rio está mais próximo do que o contribuinte usa no dia a dia. Haverá regramentos em temas sobre os quais inexiste regra hoje. Há prazo para resposta do Fisco, por exemplo. Prazo para resposta de consulta, para julgamento de processo administrativo. Se o processo demora muito, a fluência de juros fica suspensa, o que é muito positivo para o contribuinte, que não pode ser punido pela demora. A grande questão é a ausência de regra, que dá margem ao subjetivismo. 

ConJur — E para o advogado, o que a comissão oferece?
Maurício Faro — Esse é nosso terceiro pilar, a prestação de serviço ao advogado. Incluo nela o curso de Introdução ao Direito Tributário, que criamos e que já está no segundo módulo na Escola Superior da Advocacia. É um curso novo, montado e ministrado por advogados militantes: todos os membros da comissão, advogados privados, procuradores do estado, do município… É um curso feito para advogado e pensado por advogados, para dar noções básicas a profissionais que queiram ingressar na área. A procura é tão grande que fizemos o segundo módulo no segundo semestre deste ano. Em razão da demanda, montamos também um curso de tributação em espécie. É mais do que princípios e noções básicas, é um curso mais extenso, onde são estudados cada tributo. Há um módulo de tributos municipais, como ISS, IPTU e ITBI; um módulo de tributos estaduais, como ICMS, IPVA, e ITCMD; e haverá o módulo de tributos federais, que envolve cinco aulas sobre Imposto de Renda, PIS/Cofins e Contribuição do Social sobre o Lucro Líquido. Também está sendo um grande sucesso. Esse serviço é prestado também por meio de diversas palestras. Fizemos um evento grande sobre o Simples na advocacia, que é tema de um projeto de lei no Congresso Nacional, que o nosso presidente, Felipe Santa Cruz, capitaneou. Fizemos um evento no Rio com a presença do Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente do Conselho Federal da OAB; do presidente da Comissão Tributária da OAB federal, Jean Cleuter; e do Luiz Gustavo Bichara, que é procurador tributário da OAB. O intuito foi demonstrar aos advogados o avanço existente não só na simplificação do recolhimento dos tributos, mas também na redução da carga e possibilidade de que o advogado autônomo, por exemplo, com pequeno escritório, migre para a formalidade. Porque, muitas vezes, esse advogado não tem a pessoa jurídica regularmente registrada. O Simples vai trazer essa possibilidade. 

ConJur — Por que o contador está hoje no Simples e o advogado não?
Maurício Faro — Inicialmente, nenhum dos dois estava. A Contabilidade fez um trabalho e conseguiu entrar. Nós estamos fazendo esse trabalho hoje para os advogados.

ConJur — Quais são os temas de maior polêmica discutidos hoje na comissão?
Maurício Faro — Fizemos um evento este ano com mais de 300 pessoas na Firjan [Federação das Indústrias do Rio de Janeiro] para discutir a desoneração da folha de pagamentos, que é uma medida recente. Juntamente com o Fórum Tributário da Escola da Magistratura do Rio e as procuradorias do estado, do município e da Fazenda Nacional, organizamos recentemente seminário sobre o Sistema Tributário nos 25 anos da Constituição. Contamos com palestras da grandeza da ministra Regina Helena Costa (STJ), dos advogados Marco Aurélio Greco; Sérgio André Rocha; Gustavo Brigagão; Gilberto Fraga — que é um advogado militante e vice-presidente da Comissão —; Luiz Gustavo Bichara; o subprocurador-geral do estado, Sérgio Pyrrho; o procurador chefe tributário do município, Marco Antônio Macedo; o professor Robson Maia, da PUC-SP, entre outros. Foi um evento plural que evidencia o diálogo que mantemos. Fizemos ainda uma palestra com o ministro Luiz Fux (STF) no início do ano, organizada pela comissão, juntamente com a Firjan, que recebeu mais de 300 pessoas discutindo segurança jurídica e desenvolvimento econômico. Pretendemos ainda organizar um evento sobre decisões recentes do Carf sobre stock options. Há uma discussão grande se pagar altos executivos com ações da empresa é remuneração ou não. Queremos estar na vanguarda como um lugar para se debater o Direito Tributário no país.

ConJur — Em que outras frentes a Comissão de Estudos Tributários da OAB-RJ tomou a dianteira?
Maurício Faro — Fomos talvez a primeira seccional a levantar o problema dos honorários de sucumbência nas Execuções Fiscais. Hoje, há uma comissão formada dentro da OAB no Rio e na Ordem federal também. O importante a destacar é que, ainda que em muitas situações tenhamos uma opinião contrária à jurisprudência, abrimos e incentivamos o debate. Vamos também reeditar um evento sobre tributação da advocacia, principalmente para advogados autônomos. A ideia não é só falar do Simples, mas de como é o modelo hoje, quais opções o advogado tem. A sociedade de advogados tem que adotar o modelo do Lucro Presumido. Então, a intenção é demonstrar para esse advogado como funciona, quais são as obrigações. Existe ainda um pleito junto ao município do Rio uma vaga para um representante da advocacia no Conselho Municipal de Tributos do Rio.

ConJur — O Conselho Municipal dos Contribuintes não tem advogados?
Maurício Faro — Ele pode até ter algum advogado, mas não tem um representante da advocacia. Nós, enquanto Ordem, queremos ter um representante da classe lá, o que é um pleito que o Conselho Federal está fazendo também. Porque, nesse caso, o advogado não só é técnico, conhece a matéria tributária, mas também é contribuintes do ISS. Não faz sentido, ante a quantidade de advogados que há no município do Rio de Janeiro, que a nossa classe não esteja representada no conselho dos contribuintes. Por isso, já oficiamos o prefeito. 

ConJur — A OAB é contra o protesto de dívidas tributárias mesmo nos casos de valores pequenos, que superlotam o Judiciário com Execuções Fiscais caras?
Maurício Faro — A questão é conceitual, não é dinheiro. O Estado tem o instrumento para cobrar. Tem a Lei de Execução, que está em vigor, é lei especial, que dá inclusive uma série de benefícios ao Fisco, como penhoras online. Sem uma certidão negativa, o cidadão não consegue financiamento, não consegue participar de licitação. Não se pode sacrificar a parte mais fraca na discussão. O artigo 170 da Constituição garante a todo contribuinte o livre exercício da atividade econômica. Ele já não tem CND e o Estado já tem todas as faculdades para pleitear o pagamento desse crédito. Os problemas do sistema e da Justiça não podem servir de pretexto para o endurecimento e a criação de mais uma dificuldade para o contribuinte que luta com tanta dificuldade à alta carga tributária do país para exercer regularmente sua atividade. Do mesmo jeito que existem muitas execuções fiscais não satisfeitas, há muitas execuções indevidas, que cobram créditos prescritos. Se a situação não é simples, a justificativa também não pode ser.

ConJur — Porque quem tem um valor pequeno cobrado pode não ter condições de contestar o protesto judicialmente…
Maurício Faro — O grande ponto do pequeno valor é esse também. O cidadão que deve um pequeno valor também não tem condição de contratar um advogado especialista.

ConJur — O que diz a jurisprudência no STJ a respeito?
Maurício Faro — É reiteradamente contrária. São várias decisões de Turma. O tema ainda não foi julgado pela 1ª Seção, nem foi submetido ao rito dos recursos repetitivos. É importante o amadurecimento da discussão para a questão ser julgada de maneira definitiva.

ConJur — E no Supremo?
Maurício Faro — Temos um caso esperando julgamento pelo Supremo, onde essa disputa vai acabar. Essa matéria é constitucional. É a questão da sanção política. Já existe uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] proposta pela Associação Nacional de Procuradores contra uma resolução do presidente do Senado, Renan Calheiros, que autorizava a terceirização das cobranças dos créditos tributários para bancos. É um argumento um pouco diferente, não é de sanção política, mas de terceirização da cobrança. Tem a ver porque quando você autoriza o protesto, está autorizando ao terceiro, que no caso é o tabelião, a exercer a cobrança desse crédito tributário. 

ConJur — Os fiscais da Receita Federal têm adotado procedimento diferente ao autuar empresas. Eles já vão preparados para lavrar termos de responsabilidade pessoal dos sócios e administradores por possíveis fraudes ao Fisco. Isso é bom ou ruim?
Maurício Faro — Houve sim uma mudança, porque o que víamos antigamente era que as pessoas físicas normalmente eram incluídas no polo passivo da Execução Fiscal do redirecionamento da cobrança. Se a empresa não foi localizada, por exemplo, presumia-se a dissolução irregular da sociedade. Essa presunção não pode ser absoluta, porque, muitas vezes, prejudica-se o pequeno contribuinte que mudou de endereço, mas não teve condições de atualizar sua documentação. Não estou dizendo que ele está certo, mas às vezes o cidadão está exercendo a atividade em outro lugar e não fez uma alteração contratual. Só que isso já permite a presunção da desconstituição ilegal e o sócio é incluído no polo passivo da dívida. A posição majoritária da doutrina é que essa questão demanda dilação probatória e, para ter essa dilação, o cidadão é obrigado a garantir o débito em juízo para poder embargar. Se não garantir, não suspende o procedimento, corre o risco da penhora online de sua conta, da sua casa, do seu carro. Antigamente, só depois de tentada a satisfação da execução ou o bloqueio de bens da empresa é que se justificava a busca dos bens do sócio. Hoje, a Fazenda está antecipando isso.

ConJur — Mas isso não facilita que esse sócio se defenda administrativamente?
Maurício Faro — Sim, mas o grande problema é que, muitas vezes, essa inclusão é feita pura e simplesmente com base no argumento de que, já que ele é sócio, o inadimplemento da empresa faz com que se recolha menos tributo e esse recolhimento menor de tributo beneficia o titular da empresa. No Carf, o que vemos é que, quando o fundamento é só esse, costuma-se excluir esse sócio do polo passivo. O mero inadimplemento não é crime. É preciso demonstrar o dolo. 

ConJur — Por que é importante que as decisões de primeira instância da Receita Federal sejam abertas aos advogados?
Maurício Faro — Porque são decisões colegiadas e não existe vedação no texto constitucional e nem na Lei 9.784, que trata do processo administrativo no âmbito judicial. A Constituição garante plenamente a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. Não faz sentido, em pleno século XXI, não dar ciência ao advogado e à parte de que o julgamento vai ocorrer, não franquear acesso á sessão de julgamento, não permitir a entrega de memoriais para os julgadores e nem abrir a possibilidade de o advogado fazer uso de uma garantia que o Estatuto da OAB lhe reconhece, que é o uso da palavra, a sustentação oral. A participação do advogado não só dá mais transparência ao processo como legitima a decisão, por meio do debate.

ConJur — Em julgamento no Carf, a sustentação oral do advogado lhe ajuda a decidir?
Maurício Faro — Com certeza. Ele esclarece questão de fato, por exemplo. Porque, às vezes, a questão não está bem posta. Ele faz o esclarecimento, tem uma narrativa muito mais viva do que o que está escrito no papel. A atuação do advogado distribuindo memoriais e se preparando previamente para a sessão de julgamento permite um exercício muito mais claro e transparente da ampla defesa.

ConJur — Os membros de conselhos administrativos tributários como o Carf e o TIT-SP têm sofrido pressões na Justiça, por meio de processos que questionam suas decisões. Por que é importante que os advogados façam parte desses órgãos paritários?
Maurício Faro — A importância de se ter um advogado no Carf é a mesma de se ter um fiscal. É importante ter essas duas formações julgando para tornar o processo mais eficaz. A experiência dos fiscais é muito importante, e ele, ali, não é mais fiscal. Ele é julgador. O advogado é a mesma coisa. Ele não é mais advogado, tanto é que ele não pode militar lá, isso está no regimento. O advogado é um julgador. Tanto o advogado quanto o fiscal têm como fundamento das suas razões não só seu conhecimento técnico, mas sua experiência prática e vivência.

ConJur — Os erros legislativos do passado geraram uma profusão de teses tributárias. Hoje, isso é mais raro. Por quê?
Maurício Faro — Temos muito menos teses hoje do que na década de 1980 e 1990. As discussões tributárias cada vez mais estão focadas em casos concretos, há uma tendência muito maior de discutir direito material e não direito formal, como no caso dos planejamentos tributários.

ConJur — Os procuradores da Fazenda têm feito pedidos subsidiários de modulação de efeitos da decisão da Justiça em caso de derrota. Isso é uma confissão de culpa?
Maurício Faro — Exatamente. O governo edita uma norma que sabe ser inconstitucional, sabe que daqui a cinco anos ela vai ser declarada inconstitucional, mas com efeitos modulatórios. Sabe também que não vai ter desembolso durante um período, vai fazer caixa durante esse tempo, e isso viola o princípio da proteção da confiança, da boa-fé do contribuinte.

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