Novo CPC

Crise da Justiça não está na lei, mas na forma de gestão

Autor

  • Antônio Cláudio da Costa Machado

    é advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP professor de pós-graduação da Faculdade de Direito de Osasco coordenador de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito mestre e doutor em Direito pela USP.

16 de novembro de 2013, 12h10

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 16 de novembro de 2013.

A crise por que passa a Justiça brasileira há décadas não é resultado da falta de mais poderes nas mãos dos nossos juízes de primeira instância. É sim resultado das deficiências da infraestrutura administrativa e de problemas de gestão do Poder Judiciário.

O congestionamento gigante que se verifica em fóruns e tribunais – 92 milhões de processos tramitam no país neste momento – antes de ser combatido por um novo Código de Processo Civil, deveria ser enfrentado com mais recursos orçamentários – principalmente nas Justiças estaduais – e com gestão profissional, nos moldes de empresas bem-sucedidas.

Essas medidas resultariam, não há dúvida, em maior agilidade e eficiência na prestação de Justiça aos cidadãos brasileiros.

A reforma que se empreende pelo lado da legislação processual civil será paliativa, porque se dirige apenas à ponta do iceberg.

Seja como for, o que se percebe é que, apesar da boa vontade do Congresso Nacional e dos múltiplos avanços trazidos, o novo Código de Processo Civil, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, aposta principalmente na concentração de poderes nas mãos dos juízes de primeira instância para enfrentar a crise. É justamente neste ponto que repousa o maior perigo para as nossas liberdades.

Será que, a pretexto de agilizar a Justiça, devemos nós, cidadãos, consentir que os juízes detenham, além de poderes enormes para conceder medidas liminares antecipatórias e cautelares – inclusive para arrestar nossos bens –, poderes probatórios quase sem limites?

Todos sabemos que uma causa é vencida ou perdida nas provas e que de nada adianta lutar e lutar se formos privados de direitos na fase de instrução. Tem caráter democrático um processo em que a parte não pode recorrer imediatamente contra o indeferimento de uma prova que se reputa indispensável?

É democrática a retirada do nosso sagrado direito de ouvir três testemunhas? Segundo o novo Código de Processo Civil, o juiz pode ouvir uma só e acabou!

Parece democrático que os juízes se tornem inimpugnáveis em audiência quando tomarem decisões que firam direitos das partes? De nada terá valido para o litigante prejudicado, na fase probatória, ter participado de um processo cheio de novidades interessantes.

Temos lutado muito, nestes últimos tempos, para reimplantar esses três direitos processuais relevantíssimos no novo Código de Processo Civil e impedir que ele se torne irmão gêmeo do processo do trabalho na fase probatória.

Contudo, mesmo que tenhamos sucesso nesse intento, uma outra preocupação ainda nos assombra num futuro próximo: será que o Senado Federal não vai ampliar ainda mais os poderes dos juízes com a eliminação do efeito suspensivo da apelação e permitir a execução das sentenças sem necessidade de confirmação de um tribunal?

Se tememos um processo civil autoritário na Câmara dos Deputados, o que não dizer do autoritarismo ao quadrado que o Senado Federal pode legar ao país se decidir alterar o projeto? Autoritarismo, nessa seara, ocorre quando transformam os direitos processuais das partes em poderes dos juízes.

Será que é isso que desejamos para o Brasil nos próximos 50 anos?

Autores

  • é advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP, professor de pós-graduação da Faculdade de Direito de Osasco, coordenador de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito, mestre e doutor em Direito pela USP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!