Assassinatos em série

Júri condena policial militar a 40 anos de prisão

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15 de novembro de 2013, 11h12

Após três dias de julgamento, o soldado André Aparecido dos Santos, do 6º BPM/I, foi condenado quinta-feira (14/11) a 40 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por um homicídio consumado e nove tentativas de homicídio. Qualificados pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, os crimes ocorreram em Santos e São Vicente, na madrugada de 10 de abril de 2011.

O processo ficou conhecido como Caso do Carro Preto, porque as vítimas foram atacadas a tiros, sem qualquer motivação aparente, pelo motorista de um veículo dessa cor. O réu possuía por ocasião dos crimes um Corsa preto.

A sessão teve início na manhã de terça-feira (12/11) e foi presidida pela juíza Eliana Cassales Tosi de Mello, que terminou a leitura da sentença às 22h30. “Não se pode perder de vista que o acusado era investido da função de policial militar, pessoa que deveria zelar pela segurança da sociedade, ao invés de utilizar o poder a ele conferido para efetuar disparos contra quem sequer conhecia”, fundamentou a magistrada, ao dosar a pena.

Em razão de preventiva, o réu respondeu ao processo no Presídio Militar Romão Gomes, na Zona Norte de São Paulo. Por esse motivo, a juíza vedou ao acusado a possibilidade de recorrer em liberdade.

Após o anúncio do veredicto, o advogado Alex Sandro Ochsendorf afirmou que apelará ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Segundo ele, “existe uma nulidade absoluta, pois algumas testemunhas sequer foram intimadas para o júri. Também há outra nulidade absoluta derivada de oito longos apartes da acusação, ferindo o princípio da plenitude de defesa no julgamento”.

O recurso será julgado pela 10ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, porque ela se tornou preventa, ou seja, ficou competente para apreciar a apelação ou quaisquer outros recursos em razão de já ter se manifestado no processo ao analisar pedido de desaforamento (transferência de comarca).

Ochsendorf requereu o desaforamento sob a alegação de que incidente envolvendo ele no saguão do Fórum de Santos, por ocasião do segundo adiamento júri, poderia interferir na imparcialidade dos jurados da comarca.

Revoltados com esse adiamento, populares hostilizaram moral e fisicamente o advogado do réu. Porém, a defesa não teve culpa pela transferência de data, porque quatro testemunhas faltaram à sessão e o exame de corpo de delito de uma vítima estava sem a assinatura do médico. Ao todo, o júri foi adiado por três vezes.

Em votação unânime, os desembargadores Fábio Gouvêa, Nuevo Campos e Francisco Bruno concordaram com o pedido de desaforamento. Por esse motivo, o processo da Vara do Júri de Santos foi julgado no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, Zona Oeste da Capital.

Debates acalorados
Os debates foram marcados por trocas de farpas entre o advogado Alex Ochsendorf e o promotor Hidejalma Muccio. Porém, os atritos entre as partes começaram nos depoimentos das 18 testemunhas ouvidas no júri e prosseguiram durante o interrogatório do réu, prenúncio de que o clima esquentaria em plenário.

Embora não tenha sido apontada no processo uma razão para os crimes em série, que também poderia qualificá-los pelo motivo fútil ou torpe, os delitos podem ser atribuídos “à mente de um policial perturbado”, conforme observou Muccio no início da sua acusação.

O representante do Ministério Público (MP) também explorou o fato de o acusado ter trocado as rodas do seu Corsa e de registrar boletim de ocorrência comunicando furto de duas pistolas de calibres .40 e 380 do seu apartamento, após os crimes ganharem repercussão na mídia e o soldado se sentir na iminência de ser descoberto.

Para o promotor, tais ações do réu tiveram como objetivo prejudicar as investigações e impossibilitar perícia entre as armas supostamente furtadas com os projéteis e cápsulas deflagradas recolhidos nos locais dos atentados.

Na condição de assistente da acusação, o advogado William Cláudio Oliveira dos Santos acrescentou que as vítimas foram escolhidas de forma aleatória, podendo qualquer um ser alvo do réu, desde que estivesse no caminho percorrido pelo acusado.

No entanto, o assistente observou que, embora não conhecesse as vítimas, o soldado Aparecido tinha boa ciência dos locais dos crimes, pois residiu ou trabalhou neles na condição de policial militar.

A vítima fatal foi o técnico em enfermagem Paulo Roberto Barnabé. Executado a tiros na Rua Pindorama, a meia quadra da Praia do Boqueirão, em Santos, ele caminhava com Arsênio de Oliveira Júnior, seu amigo de infância, que também foi baleado e ficou paraplégico. Em plenário, Arsênio reconheceu com convicção o réu como o autor dos disparos.

Trama familiar
Aparecido negou em plenário os crimes que lhe são atribuídos, ratificando versão apresentada desde a fase do inquérito policial. Além da negativa de autoria do cliente, o advogado Ochsendorf enfatizou que o caso foi “mal investigado” pelas polícias Civil e Militar, sendo o réu “eleito” como forma de dar uma satisfação à opinião pública.

Ochsendorf creditou a incriminação do soldado a uma trama perpetrada por família de pessoas supostamente ligadas ao tráfico de drogas moradora no Macuco. O complô teria começado com a afixação de panfletos apócrifos em postes do bairro, apontando o réu como o atirador do carro preto.

Ainda conforme o defensor, os articuladores dessa trama seriam desafetos não só de Aparecido como de outros policiais militares, devido ao fato dos agentes públicos se notabilizarem na repressão ao comércio de entorpecentes e outros crimes.

Com inúmeros apartes feitos pelo promotor durante o tempo destinado à sua exposição, Ochsendorf não conseguiu apresentar todos os argumentos que pretendia. Ao final de sua fala, o defensor foi surpreendido por Muccio, que manifestou o desejo de não partir para a réplica, frustrando, consequentemente, a realização de tréplica e colocando um ponto final aos debates.

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