Língua de Camões

Juiz responde a inquérito por rejeitar acordo ortográfico

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11 de novembro de 2013, 15h50

Não é de hoje o descontentamento de alguns juízes portugueses com as novas regras do acordo ortográfico assinado pelos países de língua portuguesa. Desde janeiro de 2012, quando todos os órgãos do governo de Portugal passaram a ser obrigados a adotar as regras, alguns juízes vêm reclamando a autonomia do Judiciário para decidir escrever o português como quiser. A rebeldia chegou ao seu ápice em abril deste ano, quando um juiz se recusou a receber parecer escrito segundo as regras do acordo. O juiz Rui Teixeira agora terá de prestar contas ao Conselho Superior da Magistratura.

O órgão anunciou nesta segunda-feira (11/11) a abertura de inquérito disciplinar contra Teixeira. Ele é acusado de recusar mais de uma vez pareceres técnicos do Ministério da Justiça que cumpriam a Resolução 8/2011 do Conselho de Ministros. A norma foi publicada no Diário Oficial de Portugal de 25 de janeiro de 2011 e forçou a adoção do acórdão ortográfico pelo governo e por todos os seus órgãos (clique aqui para ler).

Em um comunicado enviado à imprensa, o Conselho Superior da Magistratura não deu detalhes sobre as acusações contra o juiz. Apenas afirmou que, na última sessão plenária, na terça-feira (5/11), os conselheiros decidiram pela abertura do inquérito para apurar a conduta de Teixeira. O Conselho ainda explicou que não está sendo discutida a interpretação da aplicação da nova grafia e lembrou que, em abril de 2012, já decidiu que não cabe aos juízes indicar quais as normas ortográficas que devem ser usadas nos processos.

Rui Teixeira ganhou notoriedade por presidir a instrução de um dos maiores escândalos de pedofilia em Portugal. Foi ele que conduziu o longo processo que apurou as denúncias de abuso infantil na Casa Pia, instituição portuguesa que há mais de dois séculos de vida abriga crianças e jovens carentes. Em setembro de 2010, saíram as primeiras condenações.

No começo deste ano, Rui Teixeira voltou a ocupar as páginas dos jornais portuguesas por se recusar a aceitar petições e pareceres escritos sob as regras do acordo ortográfico. Diante da imprensa, ele nunca escondeu sua aversão à mudança na grafia das palavras. E o juiz não está sozinho. Ele faz parte de um grupo considerável de portugueses que rejeitam as mudanças trazidas pelo acordo, que foi assinado em Lisboa em 1990 e ratificado no país em 1991.

As críticas se agravaram em janeiro de 2011, com o Decreto que obrigou órgãos do governo e as escolas públicas a adotarem a nova ortografia. Em dezembro de 2011, um cidadão chamado David José Caldas Baptista da Silva levou à Assembleia Parlamento um pedido para que fosse feito um referendo com toda a população. Silva alegou que só os portugueses poderiam decidir adotar ou não as novas regras. “É preciso devolver a palavra aos portugueses num aspecto tão grave como este, da alteração significativa da grafia da língua de Camões”, disse. A petição, até agora, não deu em nada.

Em abril deste ano, um grupo de parlamentares conseguiu recolher mais de 6 mil assinaturas pedindo que Portugal rejeitasse o acordo ortográfico (clique aqui para ler). Dessa vez, o pedido parece ter um futuro mais promissor. Os deputados concordaram que a proposta deve ser analisada pelo Plenário da Assembleia Parlamentar. Ainda não há data prevista para a discussão.

No Brasil, as principais mudanças trazidas pelo acordo foram o fim dos acentos nos hiatos em palavras paroxítonas, a eliminação total do trema e a criação de novas regras para o uso do hífen. Em Portugal, o acordo acabou com as consoantes mudas, como em "ato" e "atualização", que eram escritos com um C mudo ("actos" e "actualização") no país.

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