Estante Legal

Livro analisa influência da mídia no resultado da AP 470

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11 de novembro de 2013, 7h00

Spacca
Desde o início, o julgamento da Ação Penal 470 foi tratado mais como um espetáculo do que como caso jurídico, afirma Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor emérito da Universidade de São Paulo, ao criticar, com a mesma intensidade, o "tratamento escandaloso" na cobertura realizada pelos meios de comunicação e a "interferência de fatores não-jurídicos" na condução do processo pelo Supremo Tribunal Federal. A cobertura feita pela imprensa, segundo ele, comprometeu a objetividade dos julgamentos, a começar pela "ostensiva exigência de condenação dos acusados, como sendo a única decisão justa, antes mesmo de conhecidos os argumentos dos defensores".

As críticas de Dallari estão no prefácio de AP 470 — Análise da intervenção da mídia no julgamento do mensalão a partir de entrevistas com a defesa, livro que reúne depoimentos de 26 advogados que atuam na ação penal em julgamento no STF. Todos — ou quase isso — admitem e criticam o fato de o Supremo ter se deixado influenciar pela mídia e divergem apenas quanto às lições que ficam para o futuro. "Exercer pressão contra um poder do Estado não pode ser uma conduta lícita", pondera o criminalista Arnaldo Malheiros Filho. No livro, ele compara a transmissão ao vivo dos julgamentos a um reality show da Justiça criminal. "Quem assiste vê alguém sofrendo um mal muito grande e por isso se sente mais inocente, porque os culpados estão sendo punidos", afirma.

Responsável pelas entrevistas, Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina diz que o livro não é sobre o mensalão, em si, mas uma abordagem sobre a pressão exercida pela mídia, "a partir da visão daqueles que talvez tivessem mais a falar, mas que foram os menos ouvidos, os advogados dos réus". Para compor a história contada por esses personagens de tribunal, Gustavo organizou o livro sob a forma de questionários com 13 perguntas, divididas em dois blocos. No primeiro, comum em todos os depoimentos, os advogados abordam temas como a cobertura da mídia e sua influência no julgamento, os possíveis riscos para o direito criminal decorrentes dessa situação e como a questão é tratada em outros países. No segundo grupo, os defensores falam de temas específicos, incluindo a linha de defesa adotada no processo em curso no STF.

O tom das críticas fica claro desde o início. Para o advogado Alberto Zacharias Toron tanto quanto os acusados, o Judiciário esteve no banco dos réus no julgamento do mensalão. "Se absolvesse, seria condenado, e ao condenar, absolveu-se e isso é muito ruim", afirma. Na mesma linha, Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado de Duda Mendonça e Zilmar Fernandes Silveira, ambos absolvidos, diz que talvez seja a hora de se discutir a hipótese de se acabar com a publicidade ao vivo para os julgamentos criminais. Ele lembra ter atuado no primeiro júri televisionado ao vivo no Brasil, com a imprensa inteira a seu favor. "Nunca foi tão fácil. Todos foram condenados a mais de 20 anos de prisão, mas aquilo não me deu prazer".

Gustavo Henrique Badaró ressalta que a regra é a publicidade, mas diz ter dúvidas sobre os benefícios das transmissões ao vivo, tanto para o processo quanto para a democracia. Marcelo Leonardo, responsável pela defesa de Marcos Valério, na AP 470, concorda. "Será que somos mais inteligentes que todo o resto do mundo para levar a publicidade a este nível de divulgação dos julgamentos e repercussão?", questiona.

Luiz Fernando Pacheco, defensor de José Genoíno, ex-presidente do PT, também foi duro ao analisar o tratamento da imprensa. "A mídia apura, julga e dá a sentença, tudo no mesmo dia, e isso leva a grandes injustiças", afirma. Para ele, "em nome do princípio da publicidade, que é um princípio salutar, criamos essa excrescência que são os julgamentos transmitidos ao vivo pela televisão, muito pior por ser um caso de cunho penal".

Castellar Modesto Guimarães Neto, advogado de Cristiano Paz, é outro a reconhecer "o risco de um julgamento já começar com o resultado previamente escolhido", mas se diz contra a suspensão ou a anulação de qualquer tipo de procedimento penal em razão da pressão midiática. "Seria assumir que o judiciário se apequena em relação à pressão da mídia", justifica.

Uma das poucas vozes discordantes do livro vem de Inocêncio Mártires Coelho, ex-procurador geral da República, que considera normal a relação entre o judiciário e a imprensa e a cobertura jornalística sobre a AP 470. "O que houve foi um processo de exasperação do conhecimento do processo e do seu acompanhamento", analisa, ao ressaltar que a influência da mídia sobre o juiz é a mesma sobre o cidadão leitor, "com maior ou menor eficácia, a depender do grau de informação e capacidade crítica". Como professor de Direito Constitucional e "velho militante da defesa dos direitos fundamentais", Inocêncio Coelho admite, no entanto, que "recebeu com palmas" a criação da TV Justiça, mas que hoje tem dúvidas sobre os benefícios da transmissão ao vivo das sessões do STF.

Além dos citados, o livro também apresenta depoimentos dos advogados Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Antônio Sérgio de Moraes Pitombo, Délio Lins e Silva, Délio Lins e Silva Júnior, Guilherme Alfredo Moraes Nostre, Hanan Tabosa de Moraes, Hermes Vilchez Guerrero, João dos Santos Gomes Filho, José Carlos Dias, Leonardo Isaac Yarochewsky, Luciano Feldens, Luís Maximiliano Leal, Luís Francisco Corrêa Barbosa, Marcelo Luiz Ávila de Bessa, Marivaldo de Castro Pereira, Maurício de Oliveira Campos Jr, Marthius Sávio Cavalcanti e Pierpaolo Cruz Bottini.

 Autor: Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina
 Editora: Liberars
 Edição: 1ª Edição — 2013
 Número de páginas: 275
 Preço: R$ 52

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