Conceito de soberania

Dipp defende aplicação de convenções contra corrupção

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5 de novembro de 2013, 6h05

As convenções internacionais que têm o Brasil como signatário entram no ordenamento jurídico nacional com força de Lei Ordinária. Assim, não seria necessária nova lei sobre corrupção, “porque todos os dogmas, fundamentos, princípios, diretrizes, mandamentos” estão incluídos em três textos — Convenção Interamericana contra a Corrupção, Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais da OCDE. A afirmação é de Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça, para quem o Brasil não aplica pactos internacionais por conta de um entraves burocráticos, relacionados ao Supremo Tribunal Federal.

Antônio Cruz/Agência Brasil
Gilson Dipp participou nesta segunda-feira (4/11), em São Paulo, de um evento sobre corrupção e compliance. De acordo com ele, os ministros do Supremo adotam um conceito ultrapassado e velho de soberania nacional, que, segundo Dipp, também é respeitada quando se exerce tratados de convenções internacionais.

Para tornar o combate à corrupção eficiente, continuou o ministro, a Lei 12.846 garantiu grandioso poder ao Estado e alta responsabilidade às empresas. Segundo ele, é preciso lembrar que o processo penal comporta uma gama infinita de recursos, já que são fundamentais os princípios do contraditório e ampla defesa e devido processo legal.

Para Gilson Dipp, é necessária uma mudança, já que respeito aos três princípios não significa processo eterno. O ministro do STJ classificou a Lei 12.846 como “lei de ocasião”, e garantiu que sua aprovação é consequência das manifestações populares de junho deste ano. Para Dipp, não fosse a ida da população às ruas nos últimos meses, a lei, que tramitava desde 2010, não teria sido aprovada.

O ministro concluiu sua fala afirmando que nenhum país conseguirá eliminar completamente a corrupção. No entanto, na visão dele, é possível e necessário conscientizar empresas, cidadãos e o poder público de que bases mais sólidas e concretas, incluindo a redução da prática, levam a um país mais justo, solidário e social. Ele negou que as instituições brasileiras estejam preparadas para combater o suborno e a corrupção. Gilson Dipp colocou o assunto como parte da formação do conceito de cidadania e ligou sua resposta a diversas razões, incluindo fatores históricos, culturais, de funcionamento do Judiciário e de instituições e órgãos públicos, como Polícia Federal, Receita Federal e Banco Central.

O criminalista Pierpaolo Bottini, professor-doutor da USP e sócio do Bottini e amasauskas Advogados, concorda que as instituições brasileiras não estão preparadas para combater a corrupção, mas diz que isso ocorre também em estatais de todo o mundo. Para o advogado, o modelo mais adotado em casos de lavagem de dinheiro envolve o repasse de responsabilidade por parte do Estado. Incapaz de identificar todas as operações suspeitas, o governo aponta os setores mais sensíveis à prática e atribui a esses setores o dever de comunicar às autoridades as operações que levantem dúvidas.

Em relação à corrupção, a legislação normalmente é parecida com a brasileira, incluindo a responsabilidade administrativa objetiva, advertindo a empresa para que fiscalize seu funcionário ou parceiro, afirmou ele. Isso ocorre porque, se o funcionário ou o parceiro praticam algum ato de corrupção que beneficia a companhia, ela responderá judicialmente, cita Bottini. Ele classificou como interessante que a responsabilidade seja delegada à empresa, que fica responsável pela prevenção de tais atos.

O advogado citou a importância de dois institutos fundamentais no combate à corrupção: a delação premiada e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. O Coaf, segundo ele, é fundamental por permitir a identificação e o rastreamento de dinheiro oriundo do crime organizado, algo mais efetivo do que a prisão dos líderes do crime organizado, pois estes podem ser substituídos. Em relação à delação premiada, Pierpaolo Bottini disse que é válida a concessão de benefícios a quem se dispõe a colaborar com a investigação do crime. No entanto, seria necessário que os benefícios no âmbito administrativo devem ser ampliados à esfera penal na Lei 12.846, para manter o estímulo à delação premiada.

Antonio Cruz/ABr
Papel governamental
O ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, aponta que a responsabilidade de transformar em sucesso a Lei 12.846 cabe à Administração Pública e às empresas privadas. Ao governo federal, cabe estabelecer regras claras, justas e isonômicas, “para que o jogo seja jogado dentro das regras, em terreno plano e da maneira mais limpa possível”. Já as companhias devem convencer-se, tanto na relação com o governo como nos negócios privados, “que jogar limpo é, ou pelo menos pode ser, um bom negócio”.  

Hage afirmou que o Brasil avançou muito no combate às práticas de corrupção desde 2003, ano em que a CGU foi criada. A prova deste avanço, com aperfeiçoamento do marco legal e incremento da política de transparência nos gastos e atividades públicas, vem de outras nações emergentes, segundo o ministro. Tais países colocam o Brasil como referência no assunto, convidando seus representantes em diversas ocasiões para que apresentem seus projetos, afirmou ele.

O último ponto necessário no que ele classificou de esforço contra a corrupção era a atuação adequada sobre a relação entre os setores privado e público, com medidas legais para dissuadir as condutas e o estímulo à condução ética dos negócios. Jorge Hage disse que são frutos desta atuação as cartilhas e manuais com orientação às empresas sobre condução ética de negócios e a construção do Cadastro Empresa Pró-Ética.

Conduzido pela CGU em parceria com entidades da sociedade civil, o cadastro expõe empresas que, de forma voluntária, abrem seus dados sobre códigos de conduta e transparência em doações, especialmente em campanhas políticas, de acordo com ele. O cadastro é, para o ministro-chefe da CGU, contraponto ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas, que lista as companhias impedidas de participar de licitações e reúne informações sobre diversos estados.

A Lei 12.846, segundo ele, é mais importante exatamente por versar sobre a responsabilidade objetiva das empresas por atos ilícitos cometidos contra a Administração Pública. Jorge Hage apontou que a legislação supriu uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro e permitiu que o país cumprisse um acordo firmado há anos com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Sua implementação, continuou ele, deve ser feita levando em conta o incentivo às boas práticas e à implementação de compliance nas empresas.

A implementação da lei deve ser cuidadosa no que diz respeito aos riscos do uso perverso do compliance em outras esferas de governo e é preciso regulamentar os acordos de leniência, de acordo com Hage. Ele citou como maiores preocupações a interface com os acordos firmados com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a relação entre o acordo administrativo e o processo gerado pelas denúncias.

Entre as etapas do futuro, afirmou o ministro, está a “necessária do processo judicial brasileiro, civil e penal”, que é moroso e burocrático, algo ruim para quem quer derrotar a corrupção. Outra etapa para o futuro é a reforma política, especialmente no que diz respeito ao financiamento de partidos e de candidatos, que aparecem diversas vezes de forma intrínseca à prática, concluiu Jorge Hage.

Mario Luiz Sarrubbo, presidente do Colégio de Diretores de Escolas dos Ministérios Públicos do Brasil, diz que o país avançou no aspecto democrático mas, segundo ele, ainda há a sensação por parte de muitos personagens da Justiça de que o processo penal deve tratar o corrupto como um perseguido pela ditadura. Ele lembra que o processo penal brasileiro foi montado durante o período ditatorial e adaptado ao regime democrático.

O processo penal, de acordo com Sarrubbo, não está preparado para novas formas de criminalidade, e por vezes o Ministério Público não consegue utilizar novos mecanismos para combater esta criminalidade. Isso torna a reforma processual penal necessária, para que o cidadão tenha claro que seu recurso não necessariamente será levado ao Supremo Tribunal Federal, apontou Sarrubbo, que defendeu uma guinada rumo ao futuro na visão do Judiciário.

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