Segunda Leitura

Um brainstorming para aliviar a turbulência do Judiciário

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de novembro de 2013, 7h00

Spacca
O Poder Judiciário passa nos últimos anos por fase de grande turbulência. Vou dispensar a análise das razões, pois muito já se falou sobre isto. O foco será exclusivamente em ideias, pensamentos livres, “brainstorming”. Medidas que poderiam ser analisadas pelos gestores do Poder Judiciário. Sempre com a premissa de que mais vale indicar caminhos na busca de aperfeiçoamento do que procurar culpados.

O que aqui se dirá não representa transformações radicais na ordem constitucional ou nas principais leis que regem o sistema jurídico (p. ex., o Código de Processo Civil). Não. Aqui se apontarão aspectos pouco estudados, alguns de grande simplicidade, que podem auxiliar na maior efetividade da Justiça. Vejamos:

1) Alterar o sistema de secretarias ou cartórios. Desde tempos da Coroa Portuguesa o Brasil adota o sistema um juiz, uma secretaria. Com o crescimento do Poder Judiciário, as varas se multiplicaram. E cada uma adota rotinas determinadas por seu juiz titular. O resultado é que os serviços são prestados de forma diversificada. Uma vara permite que o estagiário retire processos, a outra não. Uma é ágil, a outra burocrática. Além deste aspecto, outro há de relevância. Com o processo eletrônico, o papel dos servidores diminuiu (não há termos ou conclusões) e o atendimento ao balcão quase acabou, tudo é acompanhado à distância. Não seria melhor, do ponto de vista organizacional, uma grande secretaria, com setores especializados, servir a vários juízos? Tal qual nos tribunais? Os juízes ficariam com os servidores de seu gabinete, ou seja, aqueles que o auxiliam na elaboração de decisões e que participam das audiências. Não se está a propor que isto seja feito de uma só vez. Poderiam ser implantados projetos pilotos em duas ou três comarcas ou subseção. Se dessem certo, conhecidas e superadas as dificuldades, seria estendido às demais.

2) Simplificação da linguagem. O que vou dizer não é novidade alguma, pois muitas tentativas de simplificação já foram alardeadas. Mas ainda há que se avançar neste particular. Nesta semana recebi um parente, de formação superior, que, nervoso, trazia um mandado nas mãos. Tratava-se de uma execução fiscal que o alertava para que pagasse o débito, sob pena de constrição. Segundo o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Aurélio B. Holanda Ferreira, 11ª. ed., Civilização Brasileira, constrição é a “pressão circular que diminui o diâmetro de um objeto; aperto”. O citando ligou a palavra à sua prisão e, certo de que iria para a cadeia,  só se acalmou depois de 30 minutos de conversa e um copo de Maracugina. De tudo isto fica  a pergunta: tem sentido colocar em um mandado palavra em total desuso e que não será compreendida por 99% dos brasileiros?

3) Súmulas nos tribunais de segunda instância. Sobre a relevância do assunto a obra de Roberto Rosas (Direito Sumular, 14ª. ed., Malheiros) dispensa comentários. Todos sabem o quanto elas ajudam na solução dos conflitos postos em juízo. No entanto, alguns tribunais não evoluem nesta área. Certamente porque é trabalhosa a aprovação de uma súmula. Nos tribunais estaduais, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é o destaque positivo, pois possui nada menos que 299 súmulas. O TJ-RS, 43; o TJ-SP, 97 e o TJ-PE, 109. Nos tribunais do Trabalho, o TRT-3 (MG) possui 30 súmulas; o TRT-2 (SP); 15, o TRT-8 (PA e AP), 21; o TRT-4 (RS) tem 55 e o TRT-6 (PE), 17. Nos tribunais federais, a evolução tem sido tímida: TRF-1, 50 (a última é de 3.6.2013); TRF-2, 59 (a última de é de 10.5.2012); TRF-3, 35 (a última é de  8.11.2010); TRF-4, 79 (a última é de 26.5.2009); TRF-5, 19 (a última é de 04.02.2005). É preciso avançar neste caminho. 

4) Especialização de varas. Muito embora a especialização de varas exista no Brasil desde maio de 1797, quando Baltazar da Silva Lisboa foi nomeado “Juiz Conservador das Matas de Ilhéus” (J. A. Pádua, Um sopro de destruição, Zahar Ed., 2002, 2. ed., p. 101), os tribunais são extremamente tímidos em tomar tal iniciativa. No âmbito dos tribunais federais as últimas inovações situam-se no TRF-1, que em 2009 implantou varas ambientais na região Norte. Na Justiça do Trabalho não há especialização, muito embora estudos a recomendem (Marco Antonio de Sousa Souza, A especialização das Varas do Trabalho). Na Justiça dos estados a evolução também é lenta, tendo o Conselho Nacional de Justiça recomendado a criação de varas da Saúde Pública. O TJ-RS saiu na frente, implantando a Vara da Saúde e Meio Ambiente, em Porto Alegre.  A falta de especialização colabora para o atraso nos serviços e pode ser atribuída a dois fatores: inércia dos dirigentes de um Tribunal; receio de desagradar juízes de primeira instância que, não raramente, se opõem à especialização por interesse pessoal.  

5) Uso de robôs. Um susto, por certo, gera esta sugestão. Mas, segundo Gil Giardelli, já há robôs, com inteligência artificial, dando aulas, trabalhando na indústria de automóveis, na agricultura e operando em hospitais (Uma máquina no seu lugar, revista Você S.A., 183, ag. 2013, p. 141). Por que não antecipar o futuro? Adquirir um robô a título de experiência e atribuir-lhe funções que importem em memorização e atividades repetitivas? Consequentemente, aproveitar os servidores que exerciam tais funções na elaboração de projeto de votos. Qual será o tribunal precursor? 

6) Comitês de Ética nos Tribunais. A ideia não é minha, mas do desembargador Federal Fernando Quadros, do TRF-4, eu simplesmente a adoto e divulgo. A sociedade passa por significativa mudança de costumes. Nem sempre é fácil saber o que é e o que não é ético no exercício da magistratura. Por outro lado, a maioria dos aprovados nos concursos são jovens, muitos sem qualquer experiência profissional além dos estágios. Portanto, muitas são as dúvidas. Por exemplo, um juiz pode criticar os outros Poderes de Estado na sua sentença? Deve expor sua vida no Facebook? Um juiz, atuando como professor, pode criticar decisões judiciais? Para esclarecer dúvidas como esta os tribunais de segunda instância poderiam criar, a custo zero (serviço voluntário), Comitês de Ética formados por três  membros, de idades e profissões diversas (p. ex., um desembargador, um juiz — jovem, para transmitir o pensamento contemporâneo — e um professor universitário), aos quais os magistrados poderiam formular consulta quando em dúvida sobre determinada ação ou omissão. Algo simples, respostas diretas e objetivas, guardada a confidencialidade. 

7) Valorização da atividade e auto-estima. Os candidatos, ao optarem por um concurso, miram bons vencimentos, estabilidade e realização pessoal. No entanto, sabidamente, há órgãos que atraem mais candidatos do que outros. E aí entra a imagem da instituição. Focando nos tribunais, se for um TJ com uma má imagem, certamente o número de candidatos será menor do que aquele que é visto com respeito e admiração. Isto significa que aquele tribunal está perdendo talentos para outras profissões jurídicas (p. ex., MP, DPF ou AGU). Para que isto seja evitado é necessário a administração realizar e divulgar, com otimismo, suas boas práticas. Isto começa pelo concurso, onde o servidor que atende os candidatos deve ser educado e paciente. E prossegue com todos os atos, com destaque para a figura do presidente, que ocupa a posição mais importante. Ele deve exteriorizar os pontos positivos, os avanços, superar as dificuldades e não alardear pessimismo, contrariedade, decepções. O líder contagia a todos. Se for pessimista, com certeza todos se sentirão desmotivados, desde o candidato ao concurso até os seus colegas, incluindo os servidores. E daí o resultado será negativo.

Estas são apenas algumas observações. Outras tantas poderiam ser discutidas, com a experiência de operadores jurídicos de origens diversas. Afinal, “livre pensar é só pensar”, como dizia Millôr Fernandes. E pensar é o primeiro passo para mudar. E melhorar. 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!