Bens de clientes

Responsabilidade da empresa sobre furto é controversa

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2 de novembro de 2013, 6h00

O entendimento doutrinário e jurisprudencial se firmou no sentido de que o estabelecimento comercial tem responsabilidade objetiva pela guarda dos bens dos seus clientes. Isso por causa do  caráter lucrativo que a relação consumerista pressupõe para o fornecedor, uma vez que existe remuneração direta advinda do consumidor. Contudo, ainda que tal entendimento esteja assentado em uma base sólida construída pela Súmula 130, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual afirma que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estabelecimento”, existe a controvérsia quanto à segurança do próprio cliente.

Em recente decisão da Terceira Turma do STJ (Recurso Especial 1232795), que trata de cliente de instituição bancária que foi assaltado no estacionamento conveniado com a agência e teve roubados objetos pessoais, além do dinheiro sacado, a relatora ministra Nancy Andrighi ponderou que “a responsabilidade do estabelecimento não pode ultrapassar o dever contratual de guarda do automóvel”.

Dessa forma, a discussão em torno da responsabilidade do estabelecimento comercial poderá ser retomada com força. Embora a referida decisão trate de empresa que atua exclusivamente como estacionamento privado, uma vez que, segundo a relatora, não existe vínculo entre a atividade da instituição bancária e o estacionamento privado, existem algumas ponderações que poderão ser aplicadas analogicamente aos estabelecimentos comerciais. Isso porque, diferentemente da instituição bancária, em que a atividade pressupõe o alto risco de assaltos, os estabelecimentos comerciais em geral não sofrem com esse estigma.

Assim, extrai-se o raciocínio da decisão ora analisada de que “não se pode considerar o assalto armado do cliente como fato previsível, capaz de afastar a caracterização do caso fortuito”.

Nesse confronto entre a interpretação contida na decisão apontada do STJ e o disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que impõe a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa nos casos determinados por lei ou quando a atividade realizada implicar em risco para os direitos de outrem, e do parágrafo 1° do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, que preceitua a responsabilização do fornecedor de serviços também independentemente de culpa pelos defeitos na prestação do dos serviços, comumente utilizados para embasar entendimentos que culminam no dever de indenizar pelos estabelecimentos comerciais, tais disposições legais ficam relativamente enfraquecidas.

De outro norte, a argumentação baseada no parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, que exclui o dever de indenizar os prejuízos originados de caso fortuito, ou seja, causados por fato que não era possível evitar ou impedir, ganha força com o raciocínio que considera o assalto à mão armada fato a caracterizar-se como caso fortuito e excludente de responsabilidade.

Por mais que a decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça demonstre aspectos relevantes do ponto de vista da legislação, fica claro que a interpretação dos casos concretos envolvendo relações consumeristas não deve ser exercida de forma exacerbadamente protecionista. Isso acontece, hoje, em diversos Tribunais brasileiros. As empresas são tratadas como vilãs que visam o lucro acima de qualquer regra e são punidas com indenizações que extrapolam o limite do razoável.

Em síntese, a expectativa é que a decisão referida do STJ inicie uma mudança que não mais imponha às empresas o ônus de arcar com a responsabilidade civil em seus estacionamentos decorrentes de segurança pública que deve ser garantida pelo Estado.  Caso contrário, admitir-se-á a transferência de responsabilidades do Estado para o particular, o que interferirá nos custos das empresas e nos preços dos produtos repassados ao consumidor.

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