Troca de responsabilidade

Arguição de intempestividade gera debate nos tribunais

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1 de novembro de 2013, 12h03

Não trataremos neste expediente da intempestividade recursal anterior ao exame de admissibilidade de apelo excepcional, mas, sim, após o efetivo conhecimento[1] desse na instância superior; mais ainda, após seu julgamento, tomando por suporte e para tanto o seguinte posicionamento jurisprudencial

"Ementa: Processual Civil. Embargos de Declaração. Controle de Ofício, da Tempestividade da Cadeia Recursal Anteriormente Superada. Impossibilidade. Preclusão.
1. Não há dúvida de que, ao julgar qualquer recurso, cumpre ao órgão julgador apreciar, inclusive de ofício, seus requisitos de admissibilidade, como é o da tempestividade. Isso, todavia, não faculta a a esse órgão nem lhe impõe o dever de controlar, de ofício, a tempestividade da cadeia recursal anterior, objeto de outros julgamentos, coberta por preclusão. 2. No caso, a decisão que julgou o recurso alegadamente intempestivo foi a de fls. 297/303. Contra ela é que caberia, portanto, a alegação de omissão, e não contra o acórdão ora embargado, que julgou outro recurso, cuja tempestividade não foi posta em dúvida. 3. Embargos de declaração rejeitados."[2]

A situação fático-processual que se apresenta, acima ementada, é a seguinte: conhecido e julgado monocraticamente recurso extraordinário, agitou-se recurso de agravo regimental via fac-símile, com sua via original apresentada a destempo. Julgado o regimental, um segundo recurso de agravo interno foi interposto, sem que menção alguma fosse feita quanto àquela intempestividade do primeiro regimental.

Formalizado o acórdão referente a análise do segundo apelo regimental, foram opostos embargos de declaração com efeitos infringentes reclamando o exame de omissão pela não apreciação de ofício da intempestividade daquele primeiro regimental, por ser matéria de ordem pública. A Segunda Turma da Corte Suprema, em sessão de 17/09/2013, concluiu que:

"Ora, ao julgar esse novo recurso, já não mais assistia ao órgão julgador a faculdade nem o dever de controlar, de ofício, a tempestividade da cadeia recursal anterior, já superada por anteriores julgamentos. É que a aferição dos pressupostos de admissibilidade, se não realizada a tempo e modo, impõe à parte o ônus processual de suscitá-la tempestivamente, sob pena de perda desta oportunidade ante a preclusão da matéria. Presente esta circunstância, os embargos de declaração são inservíveis, agora, para suscitar o questionamento, que se mostra tardio nesta fase processual."[3]

Cremos que o tema reclama maior reflexão e debate antes que se dê o mesmo por encerrado ou sepulto, até porque a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no sentido de que:

"(…)
4. As normas processuais são de ordem pública exatamente para a garantia das partes e a segurança de seus direitos, e tanto mais se afirmam quanto mais sejam provenientes de preceitos constitucionais, de ordem imperativa e gênese determinante. (…)"[4]

Corroborando o quanto vai acima e agregando mais argumentos à exposição, afirmamos com segurança que pode o STF a qualquer tempo emitir pronunciamento sobre matéria de ordem pública, citando

"Por fim, como a decadência é matéria de ordem pública, pode ser reconhecida de ofício em qualquer fase processual e não acarreta preclusão para o juízo (cf. RE nº 70.547/BA, 1ª Turma, Rel. Min. AMARAL SANTOS, DJ 24-04-1972, e RE-ED nº 66.103/MG, Pleno, Rel. Min. ADAUTO CARDOSO, RTJ 56-03/642). De modo que é irrelevante tenha o então Relator, Min. SYDNEY SANCHES, na decisão de saneamento de fls. 169, afastado a preliminar de decadência, até porque vigora, no sistema do Código de Processo Civil, o princípio do saneamento constante do processo, segundo o qual o chamado despacho saneador (art. 331, na redação da Lei nº 5.925, de 1º.10.1973) não é o único momento para exame da validez formal do processo, isto é, para cognição e julgamento de matérias de ordem pública, tais como decadência, prescrição, condições da ação, pressupostos processuais, perempção, litispendência e coisa julgada5.

Ante o exposto, extingo o processo, com resolução do mérito, pronunciando a decadência da ação (arts. 269, IV, cc. 295, IV, ambos do CPC). Custas ex causa." (destaques no original)[5]

Como se vê, apontada a interposição a destempo de recurso na hipótese examinada, após o conhecimento e julgamento de apelo extraordinário, em primeiro recurso de agravo regimental e na esfera daquela Corte, entendemos que a transferência da responsabilidade para a arguição de intempestividade ao terceiro jurisdicionado não deva prevalecer.

Assim afirmamos não somente com respaldo na jurisprudência do próprio STF, acima em parte transcrita, mas, também, sob os auspícios de recente julgado promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por sua Primeira Turma e à unanimidade, frisamos, sem provocação de parte jurisdicionada, consignou

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE EXTRÍNSECO. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS.

1. É intempestivo o Agravo regimental interposto fora do prazo previsto no artigo 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

2. A intempestividade é questão de ordem pública e não está submetida à preclusão, uma vez que a extemporaneidade do recurso faz ocorrer o trânsito em julgado e torna imutável o comando judicial. (AgRg na RCDESP no Ag 1.294.866/SC, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 06/03/2013)."

3. Agravo Regimental não conhecido, prejudicada a análise dos Embargos Declaratórios."[6]

Citando Ângelo Gonçalves Pariz temos que o exame de tempestividade recursal "não se trata de pressupostos do processo, mas de pressupostos do processo regular, suscetível de conduzir ao efetivo exercício da função jurisdicional."[7]

Portanto, como pressuposto processual genérico objetivo, matéria de ordem pública que o é a tempestividade recursal, não atrairia a mesma para si a preclusão consumativa nos moldes que entendida e aplicada na situação aqui enfrentada.

Não obstante o acima exposto, apoiamos também nossa argumentação na doutrina e por analogia, admitindo por relevante que não há posição pacífica sobre a mesma nos meios acadêmicos. E assim se pronunciam alguns autores

"Parece-nos que relativamente às questões de ordem pública, que por disposição legal devem ser conhecidas e decretadas até mesmo “ex officio” em qualquer tempo ou grau de jurisdição (art. 267, §3º.), que são, essencialmente, os vícios ligados à falta das condições da ação e dos pressupostos processuais positivos de existência e de validade do processo, bem como à presença dos pressupostos processuais negativos, deve ser dispensado prequestionamento, devendo o Superior Tribunal de Justiça, até mesmo de ofício, conhecer dessas questões, evitando-se, assim, o trânsito em julgado da decisão viciada, que poderá ensejar a propositura de ação rescisória (art. 485, V, do CPC)… como acima afirmamos, no final do capítulo anterior, as condições da ação e os pressupostos processuais devem, necessária e obrigatoriamente, ser objeto de exame “ex officio” por qualquer juiz ou Tribunal, antes de se adentrar no julgamento de mérito, independentemente de ter havido ou não requerimento das partes. Assim, pode-se dizer que essas matérias de ordem pública estariam, por força de lei, implicitamente prequestionadas em toda e qualquer decisão de mérito."[8]

"De fato, parece-nos que em questões de ordem pública, que, por sua natureza, não precluem e são suscitáveis em qualquer tempo e grau de jurisdição, além de serem cognoscíveis de ofício, e bem assim em tema de condições da ação e de pressupostos – positivos e negativos – de existência e validade da relação jurídica processual (CPC, art. 267, §3º), o quesito do prequestionamento pode ter-se por inexigível, até em homenagem à lógica do processo e à ordem jurídica justa… A questão da admissibilidade ou não do RE ou do REsp, presente matéria de ordem pública – ainda que não prequestionada – , coloca de um lado, como regra, o princípio dispositivo (CPC, arts. 2º, 128, 515 e parágrafos: iura novit curia), a que se agrega o argumento de que o âmbito de devolutividade desses recursos, na perspectiva vertical, é bem restrita; e de outro, como exceção, a cognoscibilidade de ofício de tais temas, a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, arts. 113; 219, §5º; 267, §3º)"[9]

Forte no argumento de que a matéria enseja maiores reflexões e, consequentemente, demanda mais debate, até que se dê por efetivamente esgotada, face à complexidade dos temas que a orbitam (tempestividade recursal; matéria de ordem pública; efeitos dos recursos; e, preclusão), concluímos transcrevendo a seguinte afirmação do então Ministro Nelson Hungria:

"Muitas vezes, com a minha fácil e irreprimível exaltação, fui provocador de acalorados debates, em que todos nos empenhávamos, imprimindo ondulações na superfície de nosso até então invariável ‘manso lago azul’. Não me arrependo de tê-lo feito. Tenho aversão às águas estagnadas, que só servem para emitir eflúvios malignos ou causar emanações mefíticas."[10]


[1] Súmulas 324 e 456 do STF e 324 do STJ

[2] Emb Decl no Segundo AgReg no Recurso Extraordinário 634.732/PR – DJe-192 DIVULG 30-09-2013 PUBLIC 01-10-2013

[3] Emb Decl no Segundo AgReg no Recurso Extraordinário 634.732/PR – DJe-192 DIVULG 30-09-2013 PUBLIC 01-10-2013

[4] Emd Decl em Recurso Extraordinário 168977-7 – DJ 29.03.96 – Ementário 1822-04

[5] Ação Rescisória 1.412-1/SC – DJe-118 DIVULG 25-06-2009 PUBLIC 26-06-2009 Ementário 2366-1

[6] EDcl no AgRg no Recurso Especial 1.138.244/RJ – DJe 07-08-2013

[7]Os pressupostos de admissibilidade recursal, Acessado em 24/10/2013 http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/admissibilidade.pdf

[8] PINTO, Nelson Luiz. Recurso Especial para o Superior Tribunal de Justiça – teoria geral e admissibilidade. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 145.

[9] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 311.

[10] ‘in’ Memória jurisprudencial: Ministro Nelson Hungria, FUCK, Luciano Felício. Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2012, p. 11

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