Órgão Especial

TJ-SP aplica penas duras a réus com prerrogativa

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30 de março de 2013, 5h11

A rigidez do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo com réus que têm prerrogativa de foro teve episódios marcantes durante o mês de março. Em três processos diferentes, o colegiado de cúpula do tribunal condenou dois juízes e dois promotores de Justiça, todos em ações penais e por crimes cometidos em decorrência de suas funções.

O primeiro deles entrará para a história da Justiça paulista como um dos raros casos em que foi aplicada a pena máxima para condenação por prevaricação: um ano. Também ficará nos anais do Órgão Especial como “o caso do padeiro”. A condenação veio porque um juiz e um promotor entraram em conluio para prender, ilegalmente, um homem e favorecer um amigo.

É a história de um advogado em Espírito Santo do Pinhal que tinha um caso com uma mulher casada. O marido, o padeiro, descobriu e, claro, criou problemas para o casal adúltero. O marido foi até a faculdade em que o advogado dá aulas, a Unipinhal, para tirar satisfações e, segundo a acusação, fazer ameaças ao namorado de sua mulher.

Depois começou a espalhar boatos e, conforme consta dos autos, difamar o advogado. Não contava com o fato de o amante ter amigos em todas as áreas do Direito. Entre eles, dois colegas de magistério, um promotor e um juiz — que também é coordenador do curso de Direito da universidade.

Irritado com a atitude do marido de sua namorada, o advogado procurou seus amigos para saber o que fazer. O juiz, ainda segundo o processo, convocou uma reunião informal com o advogado e o marido, e recomendou: pare com a política de difamação ou será processado. Não parou, foi processado. E preso.

O que chamou a atenção da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo foi a prisão de um homem aparentemente inofensivo e por difamação — crime de menor potencial ofensivo. Foi aberto um processo de apuração. Descobriu-se que, em reunião particular, advogado, promotor e juiz combinaram que, se a Promotoria abrisse processo contra o padeiro traído, seria decretada a prisão preventiva. E foi o que aconteceu.

Sem precedentes
Como se tratava de conluio entre juiz e promotor, foi aberta Ação Penal originária no Órgão Especial do TJ. Juízes de primeiro grau e membros do Ministério Público estadual têm prerrogativa de foro. Foram denunciados por prevaricação, crime descrito no artigo 319 do Código Penal.

Na sessão do dia 20 de março, os desembargadores do Órgão Especial seguiram o voto relator e condenaram os dois. Aplicaram as circunstâncias previstas no artigo 59 do CP para majorar a pena ao máximo. Seguindo o voto do relator, desembargador Ênio Zuliani, os membros do Órgão Especial entenderam que, por mais que nem todas as características do dispositivo pudessem ser usadas como agravantes, as condições negativas pesaram mais no caso que as positivas.

O artigo 59 do Código Penal diz que o juiz pode aumentar ou aliviar a pena observando a conduta social dos réus, a personalidade, os motivos para o cometimento do crime, as circunstâncias e as consequências do crime e o comportamento da vítima. O desembargador Zuliani, cujo voto foi complementado pelo desembargador Walter de Almeida Guilherme, afirmou que a conduta social dos réus durante o processo não poderia ser usada como agravante, mas todas as demais eram tão negativas que se sobrepunham às positivas.

Os desembargadores Antonio Carlos Malheiros e Grava Brazil divergiram do relator. Votaram pela condenação, mas estabeleceram a pena em nove meses de prisão, já que uma das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal era positiva no caso dos réus. Malheiros discordou com a tese de dar mais peso à consequência do crime do que à conduta social dos acusados. Brazil também apontou para a falta de precedentes para a aplicação da pena máxima pelo crime de prevaricação.

Ambos os argumentos foram rebatidos. O relator, Ênio Zuliani, afirmou que, de fato, são raros os casos em que se aplica a pena máxima a condenados por prevaricação. Mas também afirmou que são mais raros ainda, na história da Justiça paulista, casos semelhantes ao do conluio entre o juiz e o promotor em Espírito Santo do Pinhal. Almeida Guilherme completou que, caso não fosse aplicada a pena máxima, decairia o prazo punitivo, e promotor e juiz não poderiam ser condenados — nem retirados de suas respectivas funções.

O ciúme e o grampo
Na sessão desta quarta-feira (27/3), o Órgão Especial do TJ-SP também condenou uma juíza por interceptação ilegal de telefone, falsidade ideológica e denunciação caluniosa. Ela também havia sido condenada por prevaricação, mas o crime prescreveu. A pena ficou em cinco anos e quatro meses e em perda do cargo. O relator é o desembargador Guerrieri Rezende.

É mais um caso misturando relações afetivas e membros do Judiciário. A juíza, quando era titular na comarca de Cananéia, no litoral sul de São Paulo, começou a namorar um advogado da cidade. O caso chegou à Justiça em outubro de 2008, quando a juíza, enciumada, oficiou a então Telesp Celular para que grampeasse o telefone celular de seu namorado.

A ordem veio em papel timbrado com os símbolos da Justiça de São Paulo. O grampo durou uma semana. No dia 6 de novembro de 2002, o departamento jurídico da Telesp estranhou o ofício, que não fazia referência a processo algum — não havia processo aberto — e pedia para que as mensagens enviadas ao celular do advogado fossem enviadas ao seu celular.

Insatisfeita com a empresa, a juíza expediu novo ofício, no dia 12 de novembro, determinando novo grampo. E aí a operadora de telecomunicações levou os documentos à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo. Foi descoberta a relação da juíza com o advogado, e ficou configurado o crime de interceptação ilegal, conforme se depreendeu do voto do relator, que foi acompanhado por unanimidade.

A juíza, no entanto, alegou ter sido vítima de um plano maquiavélico do namorado. O pai dele era réu em uma Ação Civil Pública por construção em terreno de proteção ambiental e em uma Ação Penal por porte ilegal de arma. Ela dizia que o então namorado só se aproximara dela por causa dos processos em que o pai era acusado.

Verdade ou não, o fato é que ela condenou o sogro na Ação Penal e determinou sua prisão no dia 16 de outubro de 2003. No dia 20 de outubro de 2003, antes da publicação da sentença, o advogado entrou com uma Exceção de Suspeição contra a juíza, a essa altura ex-namorada. É nesse espaço de quatro dias que foi cometida a falsidade ideológica, segundo a decisão do Órgão Especial.

Ela recebeu a Exceção de Suspeição, arguida no dia 20, e determinou ao serventuário da vara que publicasse a sentença com data retroativa ao dia 16, antes da arguição de suspeição. Ela também mandou que o serventuário emitisse um despacho retroativo ao dia 16 declarando-a suspeita “por motivo de foro íntimo” para julgar a Ação Civil Pública. Ou seja, fez com que a Exceção de Suspeição perdesse o objeto.

Entre o grampo e a suspeição, a juíza denunciou o ex-namorado à Polícia. Disse que ele a agrediu, a estava ameaçando de sequestro e que seus filhos, por isso, estavam em perigo. Foram abertos três inquéritos policiais, todos trancados por falta de provas. A falta de provas, segundo Guerrieri Rezende, se deu porque tais fatos nunca aconteceram. Ela fez as denúncias com o único intuito de causar transtornos à vida do ex-namorado.

Ex-estagiário
Também na sessão da última quarta-feira foi julgado caso de um ex-promotor de Justiça de Catanduva que acabou condenado pelo Órgão Especial por concussão. A pena veio por ele ter favorecido um de seus acusados, cliente do escritório de um advogado que fora seu estagiário e que era sócio de sua mulher.

Segundo a denúncia, também feita pela Prouradoria-Geral de Justiça, o promotor deixou de cumprir com várias de suas obrigações, e tudo em nome da amizade que mantinha com o advogado. Violou, de acordo com o entendimento do Órgão Especial do TJ-SP, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, regras do Código de Processo Civil e a Lei de Proteção Ambiental.

O caso a que se refere a denúncia é uma Ação Civil por dano ambiental em que o réu foi defendido pelo escritório do ex-estagiário do promotor. A acusação data de 2006 e diz que o réu construiu um imóvel em área de preservação permanente. O réu confirmou a responsabilidade pelo dano ambiental e se dispôs a assinar um termo de cooperação para recuperação da área.

Só que o promotor, em vez de pedir a transação penal (de uma pena corporal para uma restritiva de direitos, já que houve acordo), pediu o arquivamento dos autos. O relator da matéria, desembargador Arthur Marques, entendeu que a petição para o arquivamento do caso é normal, no caso, porque foi alegado que a região danificada já havia sido reparada. No entanto, o promotor não exigiu comprovação da reparação do dano. Levou em conta apenas o que foi dito nas audiências pelo advogado, seu ex-estagiário.

A acusação foi de que o promotor violou os artigos 252, inciso IV, e 258 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 43, inciso VII, da Lei Orgânica do MP. Os dispositivos obrigam os membros do MP a se declararem impedidos quando tiverem algum tipo de envolvimento com os denunciados.

O relator do processo levou ao caso jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual o grau de parentesco ou relação de amizade não é suficiente para obrigar o juiz ou promotor a se declarar impedido. Mas também levou aos autos que usar do cargo público para favorecer a si mesmo ou a outrem é crime previsto no artigo 319 do Código Penal: concussão. A pena ficou em três meses e 15 dias, cumpridos em regime aberto, com perda do cargo. Ele já estava em disponibilidade desde 2009.

Processos:
0075132-20.2010.8.26.0000
 – caso do padeiro de Espírito Santo do Pinhal.
9027471-33.2003.8.26.0000 – caso da juíza de Cananéia.
0009006-56.2008.8.26.0000 – caso do promotor de Catanduva.

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