Emenda do Calote

Fim da EC 62 é só o começo de debate sobre precatórios

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26 de março de 2013, 19h13

Agora que a questionada Emenda Constitucional 62/2009, conhecida como Emenda do Calote dos Precatórios ruiu, é de se perguntar por quais razões seus efeitos não foram discutidos e suspensos tão logo ela foi promulgada.

Se as regras relativas aos precatórios contidas na Constituição de 1988 eram já reputadas como francamente inconstitucionais, por que instituir “outro regime perverso”, como bem rotulou a ministra Rosa Weber, em vez de buscar soluções mais adequadas e condizentes com os princípios e direitos constitucionais?

Com as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal acerca das duas ADIs que questionavam a PEC 62/2009, direitos individuais foram reafirmados e o seu prato na balança foi reequilibrado com o do poder público. O pagamento imediato previsto na regra original foi resgatado em detrimento do prazo de até 15 anos para liquidação das dívidas públicas constituídas em precatórios – parcelamento sinônimo de moratória violadora dos direitos dos cidadãos, ainda mais quando se estabelecia o índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária, claramente insuficiente para recompor perdas inflacionárias.

Regras de compensação de créditos, a exemplo da negociação de parcela dos débitos do poder público em leilões ou mediante acordos diretos com os credores, foram abolidas. Vedou-se, assim, prática antijurídica equivalente a autorização à inadimplência ou ao perdão parcial da dívida do devedor, a par do incentivo à barganha em vista da falta de perspectiva de realização de um direito líquido e certo, reconhecido por sentença judicial.

Na apreciação do ministro Luiz Fux, o critério do leilão comporta “completa inversão da ordem natural das coisas”, além de violar os princípios da igualdade entre os cidadãos, da impessoalidade e da moralidade administrativa.

A preferência válida para quem teria 60 anos "na data de expedição do precatório" passou a se estender a quem tiver mais do que essa idade quando for receber o valor de direito, numa homenagem à isonomia, à dignidade da pessoa humana e ao princípio da proteção aos idosos. Os mais prejudicados com as distorções no pagamento dos precatórios são os velhos, que formam parcela significativa da nossa população — já somam 24 milhões — e se encontram em situação de vulnerabilidade, devendo merecer proteção especial do Estado.

A própria expectativa de vida reduzida inerente aos idosos já restringe as chances da realização eficaz das decisões judiciais, quando ocorrem, antes de virem a falecer. A decisão da Suprema Corte brasileira, mais do que justa e preservadora de cláusulas pétreas e princípios constitucionais, dignificou o inverno da vida fazendo preponderar a proteção ao idoso sobre o interesse estatal.

O momento presente impõe a conveniência de não deixar as novas regras à larga, na dependência de casuísmos ou protestos de um poder público que ainda administra mal ou cria disparidades nos gastos, priorizando áreas de menor relevância — a exemplo da publicidade e das ajudas externas, em detrimento de outras que afetam diretamente seus cidadãos. A discussão de um regime regulatório que comporte estratégias e fórmulas inovadoras para a quitação de dívidas do Poder Público que já somam quase R$ 100 bilhões em precatórios, a exemplo da federalização dos débitos e negociação de títulos da dívida pública no mercado financeiro, tem que ser urgentemente traduzida em resultados concretos lastreados pela eficiência administrativa e pelo respeito às normas do Estado de Direito.

Faz-se indispensável, para o aperfeiçoamento dos pressupostos de um Estado que se pretenda Democrático de Direito, que o Congresso Nacional, a União e o Judiciário se obriguem a debater e achar soluções que não mais atentem contra os direitos humanos, a igualdade entre os cidadãos, a garantia do livre e eficaz acesso à Justiça, a independência entre os três poderes, a proteção da coisa julgada, a duração razoável do processo e a autoridade das decisões judiciais.

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