Resolução do Cade

Admissão de culpa em TCC não configura reincidência

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26 de março de 2013, 22h07

Durante sessão plenária ocorrida em 7 de março de 2013, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a Resolução 5, de 6 de março de 2013 (Resolução Cade 5/2013), que define novas regras para o programa de negociação de Termos de Compromisso de Cessação de Prática (TCC).

Os TCCs são acordos que permitem a suspensão de processos administrativos instaurados em face de empresas e pessoas físicas para investigação de práticas anticompetitivas. Foram instituídos originariamente no âmbito da Lei 8.884, de 1994, que dispunha que “em qualquer fase do processo administrativo poderá ser celebrado, pelo Cade ou pela SDE ad referendum do Cade, compromisso de cessação de prática sob investigação, que não importará confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada” (g.n.). Em 2000, a Lei 10.149 introduziu dispositivo à Lei 8.884/1994 pelo qual restava excluída a possibilidade de se firmar TCCs nas investigações de infrações à ordem econômica envolvendo práticas concertadas e acordos entre concorrentes (cartéis)[1].

Entretanto, nova reviravolta ocorreu em 2007 quando, por meio da Lei 11.482, de 31 de maio de 2007, a assinatura de TCCs em processos envolvendo investigações de cartéis passou a ser permitida[2]. Assim ficou a redação da Lei: “em qualquer das espécies de processo administrativo, o Cade poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei”.

Na redação proposta pela Lei 11.482/2007, porém, ficou excluída a disposição originária da Lei 8.884/1994 que determinava que a celebração do TCC não importaria confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. Logo após, em setembro de 2007, o Regimento Interno do Cade estabeleceu que, em casos em que houvesse leniência[3], a confissão em TCCs seria obrigatória. Nas investigações não iniciadas com leniência, a disciplina quanto à confissão passou a ser feita caso a caso.

Por sua própria natureza, os TCCs tendem a ser benéficos tanto aos administrados quanto às autoridades, uma vez que buscam encerrar uma investigação aprioristicamente, evitando o dispêndio de recursos financeiros e humanos por parte da administração pública, bem como os ônus de uma defesa e eventual condenação por parte dos administrados, ao mesmo tempo em que asseguram a cessação das práticas investigadas, eventualmente causadoras de efeitos negativos ao mercado e aos consumidores.

Nesse contexto, a Resolução Cade 5/2013 introduziu formalmente alguns novos requisitos para a assinatura de TCCs, os quais tenderão a alterar a dinâmica das propostas de acordo. A primeira alteração refere-se à necessidade de sempre haver o reconhecimento de participação na conduta por parte do compromissário nos casos de investigações de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes. Dessa forma, a partir de agora, em se tratando de investigações de cartéis, por exemplo, será necessário que o compromissário confesse sua participação no ilícito para que possa firmar o TCC (independentemente de a investigação ter ou não sido motivada por um acordo de leniência).

A segunda alteração introduzida pela Resolução Cade 5/2013 refere-se à obrigatoriedade de colaboração com a instrução processual, pelo compromissário, nas referidas investigações de acordos entre concorrentes.

Conforme mencionado acima, essas mudanças, em realidade, formalizam requisitos que já vinham sendo usualmente exigidos, na prática, pelas autoridades, na negociação de TCCs, mas não se tratavam necessariamente de condições para sua assinatura.

Sobre esses pontos houve a apresentação de diversos comentários e críticas por parte da comunidade jurídica ao texto-minuta da Resolução, colocado em consulta pública, na medida em que exigir do compromissário o reconhecimento de participação na conduta para a assinatura de TCCs envolvendo cartéis, independente das circunstâncias, poderia desestimular o uso do instrumento, uma vez que há consequências penais e cíveis atreladas a tal reconhecimento[4].

Ademais, deve-se levar em consideração que a assinatura de um TCC pode ser estrategicamente benéfica às autoridades quando inserida no contexto de processos administrativos instaurados por haver indícios da conduta ilícita, mas que não possuem provas suficientes para resultar em condenação. Desse modo, a obrigatoriedade de confissão reduziria o incentivo para a celebração de acordos que poderiam atender ao interesse público.

Apontou-se também que a obrigação de colaborar com a instrução processual igualmente teria o potencial de desincentivar a busca do acordo, principalmente nos casos em que o envolvimento do representado na conduta é limitado. Além disso, a obrigação de colaborar com as investigações, além de impor ao compromissário um grande ônus, pode também gerar insegurança, uma vez que resta exclusivamente à autoridade o poder discricionário de avaliar a “amplitude e utilidade” da colaboração e a consequente possibilidade de o compromissário valer-se dos benefícios relacionados às reduções percentuais das contribuições pecuniárias[5].

Apesar das críticas, porém, tais determinações permaneceram na redação final da nova Resolução.

Mas a discussão não se encerra aí. Em decorrência dos dois fatores apontados acima, sobretudo no que diz respeito ao reconhecimento de culpa, vislumbra-se uma outra questão: a confissão da prática do ilícito quando da assinatura de um TCC poderia ser geradora de reincidência do representado quando da eventual condenação por uma outra prática? Em outras palavras, uma empresa condenada pela prática de cartel hoje, e que já tenha assinado um TCC no passado reconhecendo a sua participação em outro cartel, pode ser considerada reincidente? Na prática, isso significaria que as multas cominadas na reincidência deveriam ser aplicadas em dobro, com fundamento no artigo 37, parágrafo 1º da Lei 12.529/2011.

A resposta a esse questionamento, contudo, parece-nos negativa.

Tal entendimento encontra respaldo em decisões proferidas pelo Plenário do Cade no sentido de que a caracterização da reincidência demanda que a empresa investigada tenha praticado a conduta após ter sido condenada, com sentença transitada em julgado, em processo administrativo anterior, não bastando a simples existência de processo ainda não julgado em que se esteja apurando a prática de conduta contra a ordem econômica[6].

Essa conclusão advém da aplicação da normal penal. De fato, segundo já reconhecido pelo próprio Cade, inexistindo norma administrativa que defina o conceito de reincidência e tratando-se de direito administrativo sancionador, deve-se recorrer aos preceitos do Código Penal que disciplinam a questão[7].

Nesse sentido, considerando as manifestações do Cade e preceitos legais relacionados ao tema, a reincidência no âmbito de processos administrativos que investigam condutas anticompetitivas deve apenas ser verificada quando o representado pratica novo ilícito, depois de transitada em julgado decisão que o tenha condenado por infração anterior contra a ordem econômica. Em outras palavras, somos do entendimento que a simples admissão de culpa em um TCC não pode ser suficiente ou ter o condão de configurar reincidência, haja vista que tais acordos não representam decisões condenatórias por parte do Cade.


[1] Nesse sentido, empresas investigadas por suposta formação de cartéis não contavam com a possibilidade de firmarem TCCs.

[2] Nos acordos envolvendo esse tipo de infração à ordem econômica, ficou estabelecido ainda que entre as obrigações previstas no TCC deveria figurar, necessariamente, a obrigação de recolher ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos um valor pecuniário não inferior ao mínimo previsto no art. 23 da Lei nº. 8.884/94.

[3] O Acordo de Leniência é uma espécie de “delação premiada”, um instituto que permite que um participante de cartel ou de outra prática anticoncorrencial coletiva denuncie a prática às autoridades antitruste e coopere com as investigações e receba, por isso, imunidade antitruste administrativa e criminal, ou redução das penalidades aplicáveis. Para mais a esse respeito, vide http://portal.mj.gov.br.

[4] Como por exemplo ações civis de reparação de danos e ações criminais em face daqueles que confessam.

[5] Os parâmetros para o cálculo da contribuição pecuniária variam conforme o grau de colaboração e a ordem de adesão do compromissário ao programa. Segundo a nova Resolução, o primeiro TCC firmado acarretará na redução de 30% a 50% da multa que poderia vir a ser aplicada em caso de condenação; no segundo, de 25% a 40%; do terceiro em diante, de até 25%; e, depois dos autos do processo administrativo já terem sido remetidos ao Tribunal, de até 15%.

[6] A título ilustrativo, vide o Voto-Vista do Conselheiro Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer no Processo Administrativo No. 08012.002153/2000-72, julgado em 18.5.2005 (Representados: UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde; Associação Beneficente dos Empregados da Telesp – ABET; Plano de Assistência Médica Telesp – PLAMTEL; e Plano de Assistência à Saúde ABET) e o Voto do Conselheiro-Relator Luis Fernando Rigato Vasconcellos no Processo Administrativo No. 08012.006636/1997-43, julgado em 4.9.2007 (Representada: Condomínio Shopping Center Iguatemi). Da mesma forma, segundo Fernando Capez in Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 458-459, “não se caracteriza a reincidência pela mera juntada da folha de antecedentes do réu ao processo, sendo a mesma comprovada somente por meio da certidão da sentença condenatória transitada em julgado, da qual constará a data do trânsito. Se o novo delito tiver sido praticado em data anterior à do trânsito em julgado, a agravante não se configurará” (g.n.).

[7] O Código Penal disciplina a questão da reincidência em seus artigos 63 e 64, segundo os quais:

“Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

“Art. 64 – Para efeito de reincidência:

I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos.”

A analogia aqui referida é preconizada na Lei de Introdução ao Código Civil, que serve como norma geral para aplicação da legislação brasileira. Segundo seu artigo 4º, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

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