Imunidade a livros, jornais e papel é desnecessária
25 de março de 2013, 12h20
O titular desta coluna já defendeu tese contrária às aqui expostas, na legítima defesa dos direitos de seus clientes. Mas o tempo mudou, as condições sociais do país mudaram e a nossa Lei Maior não pode manter regras que impliquem descumprir os objetivos maiores de nossa democracia, apontadas no preâmbulo da CF, mas ainda não concretizadas.
Na questão dos templos, inexiste hoje necessidade de proteção por meio da vedação constitucional que proíbe cobrança de impostos. Imaginar que no século XXI um governo possa cercear religião pela cobrança de impostos é um erro grosseiro.
Por outro lado, os templos, assim como as demais instituições que prestem serviços ou exerçam atividades muito relevantes para a sociedade, podem ter suas rendas ou patrimônio beneficiados com as isenções, reguladas pelo artigo 176 do CTN, onde o controle é possível, evitando-se fraudes e desvios.
No que respeita à imunidade descrita na letra “a” do inciso VI do artigo 150, — livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão —, também estamos diante de situação já insustentável.
Diante da necessidade de redução ou desoneração de impostos em vários segmentos mais urgentes ou prioritários — cesta básica e medicamentos, por exemplo —, claro está que os livros, jornais, periódicos e o papel a eles destinado podem deixar de ser imunes e, tratados como qualquer produto, analisados sob a ótica das isenções, isto é, com rigorosa fiscalização do beneficio usufruído.
As imunidades de hoje protegem pessoas e coisas que não precisam disso, criando privilégios e incentivando desvios.
As desonerações pontuais tornam-se benefícios temporários com a desculpa de incentivar consumo ou controlar a inflação, mas favorecem oligopólios. Seus benefícios muitas vezes são apropriados pelos detentores do capital, permitindo que produtos com redução de impostos tenham seus preços aumentados. Tornam-se, pois, instrumentos de injustiça.
Assim, retornamos à necessidade de uma reforma tributária séria, que trate das alíquotas com critérios de seletividade, progressividade e respeito à capacidade contributiva, estimulando a economia, dando-nos segurança jurídica e sobretudo promovendo o bem comum, não apenas oportunidades para que grandes conglomerados econômicos continuem crescendo sem limites.
O bem comum inclui toda a população, não apenas essa tal de classe média que ainda passa por dificuldades e submete-se a trabalho mal remunerado. Os parâmetros aqui utilizados para essa classificação estão longe de corrigir as abissais diferenças na sociedade.
Essa política de isenções ou desonerações é muito boa para campanhas de rádio e TV, mas não vai além de um analgésico para um paciente que precisa de cirurgia.
Quando foi criada, a imunidade nesse caso (livros, etc.) tinha como fundamento a possibilidade de o imposto impedir a disseminação da cultura, prejudicar o ensino ou servir de instrumento de censura.
Nos últimos vinte anos — ou mesmo dez —, a indústria do livro mudou completamente. Temos hoje, com a ajuda da informática, edições sob encomenda (on demand) com número de exemplares limitado a pequenas edições que praticamente eliminam os prejuízos decorrentes de encalhes, tornando muito menores os riscos financeiros dos editores e potencializando seus lucros: basta só mandar imprimir, conforme as vendas. Não há encalhes, armazenagem ou juros do financiamento dos estoques a pagar.
Ao que consta, a primeira imunidade para livros surgiu na Constituição de 1937. Pretendia-se com isso reduzir o preço dos livros, que eram caríssimos, pouco acessíveis à maioria das pessoas. Tal situação ficou assim pelo menos até o início da década de 1960.
Lembro-me que muitos pais sacrificavam-se para dar a seus filhos uma boa enciclopédia ou os Clássicos Jackson, pagando prestações a longo prazo. Mesmo a compra de livros didáticos era um tormento, que só não preocupava os que já possuíam casa própria paga ou um bom emprego. Se a família tinha vários filhos, os livros eram zelosamente encapados e guardados para no ano seguinte serem usados pelo mais novo ou trocados com alguém.
Hoje, o mundo mudou. Enciclopédia pode ser consultada de graça na internet e a literatura clássica interessa a poucos, que a podem encontrar na mesma fonte gratuita. Quem ainda cultivar o extravagante costume de ler filosofia, por exemplo, encontra todas as obras em edições de bolso por menos de R$ 10 numa banca de jornal. Se a ignorância aumentou, como dizem, é questão de livre arbítrio.
Não há, portanto, razão alguma para, a pretexto de incentivar ou proteger a leitura, abrir mão do imposto que esse ramo de negócio pode gerar. O custo de produção caiu, o consumo teve aumento e há um gigantesco esforço de produção e distribuição de livros didáticos com uso de verbas públicas (nossos impostos), tudo resultando num crescimento notável dos lucros da atividade.
Com isso tudo, editores e livreiros já não são aqueles pobres coitados de paletó ensebado que viviam sempre pendurados nas promissórias. Alguns construíram prédios gigantescos para suas empresas, outros resolveram comprar mansões faraônicas para satisfazer seu egos, fazendas ou aviões. Ou seja, a imunidade virou adubo para fertilizar o que já era bem fértil.
Já o mercado internacional de direitos autorais e de direitos de edição parece que vem se tornando algo muito curioso ou estranho, pois, pela qualidade das obras que fazem sucesso e vendem muito, chegamos a pensar em duas possibilidades: a) Darwin estava errado, pois a humanidade não evolui sempre, estando retornando à condição dos primatas; ou b) os preços de direitos pagos por besteiras mal escritas podem ser apenas resultados de uma lavanderia multinacional.
Uma imunidade que proíbe cobrar imposto sobre o papel para a impressão de livros ou jornais pode viabilizar fraudes, mesmo quando venha a ser cobrado apenas o Imposto de Importação sobre papéis especiais que servem não só para livros, mas para outros fins. Tal é o caso, por exemplo, do papel couché , em cuja comercialização é possível seu desvio da impressão para outras finalidades (embalagens, materiais de propaganda, etc.).
Nossa Constituição, ao tratar das imunidades, permite que sejam elas simplesmente revogadas por emenda constitucional, rebaixando-as à categoria das isenções.
Isenção, que pode ser subjetiva ou objetiva, é a supressão do fato gerador por meio de ato legal, que deve ser emitido pelo titular da competência, ou seja, pelo poder competente para lançar o tributo, mas por meio de lei.
A objetiva é a concedida ao produto ou operação sem considerar a pessoa do contribuinte (os livros, o papel etc). A isenção subjetiva visa ao contribuinte (as igrejas, os partidos, os sindicatos etc.).
Há autores que afirmam que, na isenção, trata-se apenas de dispensa do pagamento do tributo, pois não anula, não proíbe a cobrança, mas apenas a exonera. Assim, a imunidade estaria num nível mais elevado, equiparada às cláusulas pétreas. Tais cláusulas, contudo, como aqui já demonstrado, são apenas as alcançadas pelas normas do artigo 60, parágrafo 4º, da CF. Não existe analogia que possa incluir no rol das cláusulas pétreas as normas que por aquele mecanismo não foram protegidas.
Aprendi com meu saudoso mestre Geraldo Ataliba que isenção nada mais é que um favor fiscal, concedido por lei, consistente em dispensar o pagamento de tributo devido (Noções de Direito Tributário, RT, SP, 1964, pg. 56). Na mesma obra, o mestre ensina que não se pode confundir imunidade com isenção, pois são institutos jurídicos completamente diferentes.
Todos sabemos da necessidade de se fazer uma revisão constitucional, convocando nova constituinte para repensar o país que queremos. Mas não nos parece que tal momento chegou, diante da confusão político-partidária que está instalada no Congresso e no país todo. Antes disso, teremos que exorcizar as assombrações que nos assustam, especialmente as que, não tendo mais mandato popular, se apresentam pelo mundo como se mandatos já cumpridos fossem eternos.
Embora seja admissível que ex-governantes exerçam funções honoríficas ou humanitárias, não podem ser rebaixados a caixeiros-viajantes de interesses privados, cujos serviços sejam meros lobbies capazes de gerar vantagens pessoais à margem de qualquer controle.
Mas uma mudança de critérios pode fazer uma diferença enorme nas contas públicas, se o país insistir na política de desonerações ou reduções de impostos sem que crie mecanismos de compensações capazes de promover o equilíbrio orçamentário do Tesouro.
Uma boa ideia seria cortar drasticamente despesas, a começar por obras desnecessárias em todos os níveis ou, se necessárias, fazê-las com simplicidade. Afinal, por que os edifícios do Poder Judiciário, por exemplo, precisam ser Palácios? Há algum rei ou majestade lá dentro ou a monarquia foi restaurada?
Precisamos também colocar na rua o bando de desocupados que, não trabalhando em lugar algum, rouba o dinheiro do povo, ocupando cargos públicos com que foram aquinhoados pelos seus cúmplices ou chefes.
Nosso sistema tributário funcionaria melhor se ficássemos apenas com três hipóteses de exclusão tributária: isenção, suspensão e não incidência.
Afinal, se este é o século do minimalismo, com muitas pessoas simplificando suas vidas, deixemos de ter um sistema tributário complicado.
Haverá, nesse novo sistema, menos espaço para discussões estéreis, teses mirabolantes, doutrinas estapafúrdias, enfim, menos dúvidas. Melhor: haverá redução na sonegação, na corrupção e em todos os males que afetam os que pagam e os que cobram ou administram tributos. Em síntese: um país muito melhor para todos.
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