Diário de Classe

Estágio obrigatório e a oficialização do ensino cartorial

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16 de março de 2013, 8h01

Na última terça-feira (13/3), o ministro da Educação anunciou que os estudantes do curso de Direito deverão fazer estágio obrigatório em órgãos públicos — como, por exemplo, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública etc. — para obterem o título de bacharel. Tal iniciativa conta com o apoio do presidente da comissão nacional de educação jurídica da OAB, Eid Badr, para quem a atividade prática é “absolutamente essencial”. Esta seria apenas uma das mudanças planejadas juntamente com a OAB. Outras se referem ao processo de abertura de novos cursos e, igualmente, das grades curriculares.

Segundo Aloizio Mercadante, “precisamos ter mais critérios para a expansão dos cursos de direito e uma das exigências que nós vamos fazer, entre outras, é o estágio obrigatório”. Em seguida, complementou o ministro: “o Brasil tem quase 850 mil advogados e esse é o pior caminho: alguém estudar, pagar faculdade e depois não ter direito de exercer a profissão plenamente”.

Com efeito, a proposta — no estilo “residência obrigatória”, à semelhança do que ocorre nas ciências da saúde, porém concomitante ao curso — é polêmica na medida em que envolve interesses distintos: uma coisa é a importância da prática jurídica, que parece indiscutível; outra, bem diversa, é a exigência de que o estágio seja realizado em órgãos públicos.

Neste contexto, em que pese o reconhecimento da importância da prática jurídica, merecem destaque as dúvidas levantadas por Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da FGV-Rio, em coluna publicada na Folha de S.Paulo (14/3):

– “O Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria seriam obrigados a abrir vagas e concursos aos milhares de alunos que se formam?”

– “Estes estágios em geral são pagos. Qual o impacto no orçamento destes órgãos? Haveria um aumento de pessoal fixo, ainda que com estagiários rotativos?”

– “Pode o ministério, um órgão do Poder Executivo, criar obrigações para o Poder Judiciário e o Ministério Público? Como fica a autonomia desses órgãos?”

– “A efetividade da regulamentação dependeria da adesão dos órgãos públicos?”

– “O estágio seria obrigatório apenas nos órgãos governamentais ou valeria para organizações de interesse público ou social, como ONGs, associações?”

A estas questões, de caráter provocativo, acrescento outras que também colocam em xeque a proposta do MEC e da OAB:

– Quantas vagas seriam necessárias para absorver a horda de estagiários que habita os mais de 1.200 cursos em funcionamento atualmente em todo território nacional?

– Aproveitaríamos a experiência que adquirimos nos últimos anos com a profissionalização dos concursos públicos para a realização das seleções de estagiários?

– Como fariam os alunos que pretendem se dedicar à pesquisa jurídica desenvolvida junto às universidades e centros de pesquisa; ou, então, aqueles que trabalham e não dispõe de tempo para mais uma modalidade de estágio? E os alunos que não pretendem exercer a profissão?

– O que garante que o estágio obrigatório em órgãos públicos — e não na iniciativa privada — é uma solução para a baixa qualidade da formação dos juristas?

– Qual a proporção, atualmente, entre estudantes que realizam estágio e estudantes que não o realizam antes de concluírem o curso? O que assegura que os primeiros são mais qualificados que os segundos? Existe algum prognóstico?

– Quem será responsável por fiscalizar o cumprimento dos estágios e, sobretudo, garantir sua efetiva contribuição na formação dos estagiários?

Além disso, há uma série de indícios no sentido de que, na verdade, a obrigatoriedade do estágio em órgãos públicos decorre da preocupação com os altos índices de reprovação no Exame da Ordem, verificados especialmente nos últimos anos.

O paradoxo, entretanto, pode ser formulado do seguinte modo: por que forçar os estudantes a realizarem estágios obrigatórios em órgãos públicos e insistir no modelo tecnicista se é notório que o maior déficit dos estudantes está, precisamente, no plano do conhecimento teórico (isto para não falar da língua portuguesa)?

Uma pergunta final: por que não investir no ensino da dogmática jurídica, que ainda é a maior deficiência dos estudantes, como revelam os resultados da primeira fase de todos os concursos públicos, especialmente o Exame da Ordem, cuja última edição reprovou 83,33% dos candidatos na prova objetiva?

Em suma, tudo indica que a obrigatoriedade do estágio em órgãos públicos — ou estágio “social”, como alguns já o vem chamando — aponta, definitivamente, na direção da institucionalização de um ensino jurídico não apenas profissionalizante, mas também cartorial. Será que é isto o que queremos?

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