Transporte e meio ambiente

Governo precisa delimitar faixas de domínio de estradas

Autor

  • Antonio Fernando Pinheiro Pedro

    é advogado e consultor ambiental formado pela USP sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados membro do Comitê de Energia e Sustentabilidade da Câmara de Comércio Internacional e membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros). Foi consultor do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura dos Transportes) integrando o Centran (Centro de Excelência de Engenharia de Transportes do Exército Brasileiro — Fundação Trompowsky EB.

12 de março de 2013, 7h51

Dizia o presidente Washington Luís que “governar é construir estradas”. De fato, nos dias de hoje, governar é permitir que pessoas e mercadorias circulem pelo território nacional.

Afinal, integração logística é fator de soberania.

Porém, quando o assunto é integrar a política de transportes nacional com a política de meio ambiente, implementada hoje em nosso território, o que ocorre é uma completa inversão de valores.

O Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, lançado no governo Lula e em plena execução no governo Dilma, é , em grande parte, uma versão envernizada do vetusto Plano Nacional de Viação – PNV, editado em 1973, ainda nos governos militares. Este plano era e ainda é de fundamental importância para o esforço brasileiro de integração nacional.

Se na década de 70 o PNV visava induzir ocupação territorial, hoje, 40 anos depois, inserido no PAC, o Plano visa atender à demanda de abastecimento das populações consolidadas, suportar o escoamento da produção e atender à livre circulação de bens e pessoas — isto num país já adensado e carente de profunda articulação logística.

A consolidação de nossa malha rodoviária, portanto, é fator de sustentabilidade econômica e social, devendo ser admitida como tal pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Essa reciprocidade não deveria causar estranheza alguma. A propósito, vale lembrar o Princípio 4, inserido na Carta de Princípios da Organização das Nações Unidas, aprovada na Conferência do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992 que reza que “Para alcançar o Desenvolvimento Sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.”

Assim, dever-se–ia esperar reciprocidade nas relações internas do governo federal, ao dispor territorialmente nossa malha viária e ao se planejar, igualmente, a disposição de áreas protegidas e outras medidas de restrição ambiental, em nosso território.

No entanto, aí reside o grande gargalo do PAC e outras obras de expansão da malha rodoviária: o licenciamento ambiental das obras lineares em nosso país.

De fato, ainda que se procure mascarar em discursos e apresentação de dados no avanço das obras civis federais, o licenciamento ambiental continua sendo em grande parte responsável pelo retardo das obras de implantação do viário nacional, no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

O licenciamento ambiental é o mais importante instrumento de implementação do Princípio da Prevenção —composto por duas atividades inerentes ao instituto, o exercício da previsão de impactos e o exercício da prevenção face aos danos potenciais identificados.

O licenciamento ambiental também pressupõe inventário e mapeamento ecossistêmico do território onde será exercido, o conseqüente planejamento governamental integrado e, por fim, o ordenamento territorial.

Nesta claríssima regra de procedimentos sucessivos (diga-se, quase nunca implementados por nossos governos —gerando os mais diversos conflitos de descontrole territorial), não se pode tolerar que:

a) Obras rodoviárias rasguem o território nacional, desconhecendo o seu projeto, peculiaridades ambientais e ordenamento territorial pré-existente; e

b) Gestores ambientais disponham áreas de restrição para valorizar peculiaridades ecológicas, desconhecendo a existência da malha rodoviária já planejada ou mesmo pré-existente;

c) Ocorram demoras e atrasos nas autorizações e licenças ambientais, ignorando o gestor responsável, demandas sociais e econômicas justificadoras da implantação e melhoria daquela malha (fator integrante da chamada ecologia humana).

Esse, contudo é o cerne dos problemas com a implantação de nossa malha rodoviária, senão vejamos:

A “moda” implantada na desastrosa gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, seguida sem muito raciocínio por vários estados de nossa Federação nos últimos anos, foi distribuir unidades de conservação por todo o território nacional, sem qualquer critério que não o da preocupação ocasional com peculiaridades, eventos midiáticos, crises ou especificidades locais, desconsiderando políticas públicas e governamentais de saneamento, energia, urbanização e transporte.

Ao se estabelecer uma unidade de conservação, patente que se deve mapear e considerar estradas e ferrovias, inclusive faixas de domínio que as protege —caso contrário sofreriamos, como de fato ocorre, conflitos de uso absolutamente previsíveis e contornáveis com o simples uso do bom senso gerencial…

O surgimento de pequenos agrupamentos florestais nas áreas de proteção ambiental, existentes no entorno de pontes que precisam ser refeitas, estradas que precisam ser duplicadas ou simplesmente asfaltadas, ocorre justamente pela proteção adicional ocasionada a partir da obra de engenharia existente —posto isso, jamais esses remanescentes deveriam servir de obstáculo à autorização de supressão, devida para a modernização ou mesmo simples manutenção da própria obra.

As faixas de domínio que delimitam as obras lineares, por outro lado, de há muito deveriam, sob a ótica do gerenciamento ambiental, abarcar as áreas de extração de terra e os taludes, incluso a área de duplicação, excluindo restrições ambientais impeditivas à sobrevivência das vias.

Todas essas questões, no entanto, assaltam cada metro, cada quilômetro, de quase todas as vias que estão sendo modernizadas ou implantadas no território nacional.

A novela do licenciamento ambiental, devido a essas indefinições, implica verdadeiro jogo de xadrez em que as peças “brancas” — da proteção ambiental, são manejadas pela burocracia para bloquear o avanço das peças “pretas” — do desenvolvimento rodoviário. A menção a peças “brancas” não é gratuita, pois revela a mente viciada da burocracia ambiental. De fato, não raro, essa burocracia se identifica “pura” naquele campo de batalha “cromático” e, “precedente”, na regra do jogo… Posicionamento, portanto, duplamente preconceituoso.

O plano viário de 1973, reativado pelo governo federal, deveria ser respeitado pela Política de Unidades de Conservação, cujo marco legal, datado de 2000, simplesmente omitiu a precedência devida àquela projeção da malha rodo-ferroviária nacional. O resultado é o enorme volume de obstáculos ambientais, artificialmente erigidos, para impedir a implementação ou a modernização de estradas e ferrovias.

A interrupção de uma obra de interesse público, que deveria constituir exceção em face de interesses prioritários de ordem ambiental, tornou-se regra.

Nossa sugestão ao governo federal e aos governos estaduais, é que construam marcos legais claros, específicos, delimitando a finalidade e a funcionalidade das faixas de domínio ao largo das vias implantadas e planejadas, estabelecendo claramente o interesse público e social prevalente nestas obras. Que os órgãos ambientais e de tutela de índios e quilombolas, ao estabelecerem seus procedimentos de planejamento e delimitação territorial de áreas protegidas, respeitem as faixas de domínio e a malha de apoio logístico de interesse nacional.

Outra medida urgente, cuja importância já ficou demonstrada no episódio do licenciamento dos trechos do Rodoanel Mário Covas, em São Paulo, é a introdução da Avaliação Ambiental Estratégica no planejamento e implantação de nossos sistemas viários, de forma a condicionar os atores envolvidos na gestão ambiental e licenciamento das obras, vinculando-os aos vetores ambientais já considerados no processo, evitando impasses conceituais e conflitos de políticas a cada trecho de obra, duplicação ou simples asfaltamento a ser realizado.

Com ações firmes e pontuais, portanto, poderemos, enfim, destravar juridicamente nosso processo de articulação positiva das agendas da engenharia nacional e da proteção ambiental em nosso território.

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