Inquirição de testemunha

Juiz deve atuar com cautela para não cercear defesa

Autor

  • Renato Marcão

    é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal Político e Econômico professor de Direito Penal Processo e Execução Penal (Graduação e Pós). É também autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva 2001); Tóxicos – Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas (Saraiva 2004) e Curso de Execução Penal (Saraiva 2004).

9 de março de 2013, 18h15

A Lei 11.690/2008 modificou a redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, que atualmente assim dispõe: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição”.

Desde então se estabeleceu profunda discussão na doutrina e na jurisprudência a respeito da ordem e da forma que se deve adotar na inquirição de testemunha.

Há quem entenda, como Greco Filho  e Nucci, que só foi alterado o sistema de inquirição feito pelas partes (antes as partes formulavam suas perguntas ao juiz, que as refazia à testemunha, e agora as perguntas são feitas diretamente pelas partes à testemunha), e que mesmo diante da nova sistemática é o juiz quem inicia a inquirição de mérito, após o que as partes poderão formular suas perguntas diretamente à testemunha, e, ao final, visando complementar a inquirição, poderá o juiz fazer novas perguntas visando esclarecer determinados pontos do depoimento.

Segundo pensamos, no momento em que adotou o sistema do direct examination (de inquirição direta pelas partes), o legislador afinou-se um pouco mais com o sistema processual de modelo acusatório, de modo que sua atividade passou a ser complementar na colheita da prova. Isso não quer dizer que está afastado o sistema presidencialista, até porque é o juiz quem preside a audiência e direciona os trabalhos, podendo, inclusive, indeferir perguntas, conforme veremos.

Este também é o pensamento de Tourinho Filho; Fernando Capez; Távora e Alencar; Gomes Filho e Pacelli, que sintetiza: “As partes iniciam a inquirição, e o juiz encerra” .

Qualificada a testemunha e resolvida eventual impugnação a seu depoimento (contradita ou arguição de defeito), o juiz deve passar a palavra à parte que arrolou a testemunha para que a ela faça suas perguntas. Em seguida, a parte contrária poderá igualmente fazer as suas.

Encerradas as perguntas das partes, caberá ao juiz complementar a inquirição, oportunidade em que indagará a testemunha sobre pontos que devam ser esclarecidos.

Note-se que o parágrafo único do artigo 212 é expresso ao afirmar que a atividade do juiz tem natureza complementar (o juiz complementará a inquirição.), e a lei não mudou para ficar tudo como estava.

A guinada legal objetivou um maior distanciamento do juiz com relação à gestão da prova, numa verdadeira adequação ao sistema acusatório, vale dizer, a um processo de partes.

É óbvio, e nunca se olvide: o juiz é o destinatário final da prova e sobre ela poderá buscar lançar luz relativamente aos temas que lhe causem perplexidade. Porém, nos termos do novo regramento, a atividade judicial no campo da prova está delineada pela complementaridade.

A atuação judicial não perdeu relevância. Com efeito, embora as perguntas devam ser feitas diretamente pelas partes à testemunha, o juiz não admitirá aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Na busca da verdade real, a lisura da prova é de fundamental importância, daí não se admitir que as partes possam formular perguntas em que já se afirme ou induza a resposta.

De igual maneira, não tem sentido a formulação de pergunta cuja resposta não seja útil para o processo, daí não se admitir questionamento sobre algo irrelevante ou impertinente para a causa.

Neste particular, é preciso que o julgador se ponha atento e atue com redobrada cautela para não cercear a atividade defensória ou acusatória, visto que muitas vezes as perguntas poderão parecer inúteis para o juiz apenas por ainda não ter compreendido na inteireza a linha de atuação da parte que pergunta.

No mais, não é incomum situação em que a parte, quase sempre induzindo a resposta que pretende e tentando obter uma nova versão, refaça pergunta cuja resposta já foi apresentada pela testemunha. Neste caso, com ou sem indução de resposta, caberá ao juiz indeferir a pergunta feita em reiteração.

Quando não for utilizado sistema de gravação de som e imagem da audiência, as partes poderão requerer que constem do termo de declarações as perguntas indeferidas e as razões eventualmente apresentadas pelo juiz como fundamento.

Tais providências são de extrema relevância para que em sede de recurso se possa alegar e julgar eventual cerceamento de defesa ou de acusação.

Descumprimento da regra
Para não se expor o processo a nulidade absoluta, é necessário que se observe o disposto no artigo 212 do CPP, em homenagem ao princípio do devido processo legal, que se apresenta sob as vertentes da garantia ao procedimento integral e da garantia ao procedimento tipificado a que se refere com absoluta propriedade Scarance Fernandes .

O prejuízo, na hipótese, é indemonstrável. Não se pode exigir do acusado a demonstração, na prática impossível, do prejuízo acarretado à sua defesa em razão do desrespeito, por parte do Estado, às regras do procedimento tipificado.

A jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, entretanto, é no sentido de que a nulidade é relativa: HC 107.318/SP, 1ª Turma, relator Ministro Marco Aurélio, rela. p/ o acórdão Ministra Rosa Weber, j. 5-6-2012, DJe 204, de 18-10-2012; HC 103.525/PE, 1ª Turma, relatora Ministra Cármen Lúcia, j. 3-8-2012, DJe 159, de 27-8-2010; HC 112.217/SP, 2ª Turma, relator Ministro Gilmar Mendes, j. 13-11-2012, DJe 240, de 7-12-2012; HC 110.623/DF, 2ª Turma, relator Ministro Ricardo Lewandowski, j. 13-3-2012, DJe 61, de 26-3-2012.

Na mesma linha segue o entendimento da 5ª e da 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça: HC 251.737/RS, 5ª Turma, relatora Ministra. Laurita Vaz, j. 13-11-2012, DJe de 23-11-2012; HC 217.691/SP, 5ª Turma, relator Mininistro Marco Aurélio Bellizze, j. 18-9-2012, DJe de 21-9-2012; HC 230.277/SP, 6ª Turma, relator Ministro Og Fernandes, j. 21-8-2012, DJe de 26-11-2012; REsp 1.305.986/RS, 6ª Turma, relator Ministro Sebastião Reis Junior, j. 2-5-2012, DJe de 23-5-2012.

Autores

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    é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal, Político e Econômico, professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal (Graduação e Pós). É também autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva, 2001); Tóxicos – Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas (Saraiva, 2004), e, Curso de Execução Penal (Saraiva, 2004).

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