Competência concorrente

Estados não podem cobrar multas superiores às da União

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9 de março de 2013, 8h12

Os estados têm competência concorrente à da União para legislar sobre a correção monetária dos juros de mora incidentes em multa tributária, mas devem observar as regras gerais federais. Foi o que decidiu na quarta-feira passada (27/2) o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao entender que a taxa de 0,13% ao dia, impostos por lei estadual para o caso de inadimplência de ICMS, é inconstitucional.

A questão foi levada ao Órgão Especial por meio de Arguição de Inconstitucionalidade ajuizada contra os artigos 85 e 96 da Lei estadual paulista 6.374/1989, com a redação dada pela Lei estadual 13.918/2009. O dispositivo trouxe nova sistemática para a correção monetária de multas calculadas de acordo com a antiga Ufesp.

De acordo com a lei de 2009, a taxa de correção para multas tributárias estaduais é de 0,13%, mas pode ser reduzida por ato de ofício do secretário de Fazenda ao patamar da Selic. A Selic é a taxa básica de juros determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Ministério da Fazenda. Seu regulamento é tratado por meio da Lei federal 9.250/1995.

A decisão do Órgão Especial foi um tanto sofisticada. O voto vencedor, do desembargador Paulo Dimas Mascaretti, revisor da matéria, decidiu pela rejeição da Arguição, mas também pela aplicação de uma interpretação conforme a Constituição Federal.

Ele escreveu que, em seu artigo 24, inciso I, a Constituição estabeleceu a competência concorrente de estados, Distrito Federal e União para legislar sobre Direito Financeiro e Tributário. O parágrafo 1º do artigo diz que a União tem a competência de editar normas gerais, ao passo que o parágrafo 4º estabelece que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual”.

Ou seja, a taxa de 0,13% ao dia para correção monetária de juros de mora em multa tributária é inconstitucional. Mas só a taxa, não o dispositivo que a regulamenta. No entendimento de Paulo Dimas, a Selic, por ser regra geral estabelecida por lei federal, deve ser o teto para taxas de correção monetária. E não o patamar a que a taxa pode ser diminuída por ato de ofício do secretário de Fazenda.

Interpretação conforme
A interpretação de Paulo Dimas venceu a do relator, desembargador Kiotsi Chicuta. Ele havia votado pelo acolhimento da Arguição, retirando do ordenamento jurídico paulista os artigos atacados na ação, suscitada pela 13ª Câmara de Direito Público do TJ-SP. Chicuta entendeu que a taxa estadual viola o artigo 24 da Constituição Federal e a cifra de 1% ao mês fixada pelo Código Tributário Nacional.

Mas no entendimento de Paulo Dimas, o problema da lei estadual era numérico, pois taxa estabelecida por lei estadual não pode superar a que foi definida por lei federal. Seu voto, portanto, define que o teto deve ser a taxa Selic, ou até que seja definida outra por lei federal.

“A baliza estabelecida na legislação específica federal (incidência da Selic como forma de correção monetária e de juros moratórios em matéria tributária) busca igualmente impedir que o contribuinte inadimplente possa ser beneficiado com vantagens na aplicação dos valores retidos em seu poder no mercado financeiro, bem como compensar o custo do dinheiro eventualmente captado pelo ente público para cumprir suas funções, haja vista a falta de receita identificada”, escreveu.

E concluiu: “Se a taxa de juros de mora, nos termos da lei estadual, deve ostentar a função de complemento indenizatório da obrigação principal, impondo a observância pelo Secretário da Fazenda, em caso de redução da taxa de 0,13%, do parâmetro das taxas médias pré-fixadas das operações de crédito com recursos livres divulgados pelo Banco Central do Brasil (v. §§ do art. 96 da Lei nº 13.918/09), não há como justificar a extrapolação da taxa Selic, ou seja, do critério adotado na legislação federal como norma geral”.

O desembargador também afirmou que a taxa de 0,13% ao dia não se enquadra no princípio da razoabilidade tributária, que impede o poder público de estabelecer taxas altas demais para o contribuinte. No caso da taxa paulista, os 0,13% ao dia transformam-se em 3,9% ao mês e 46,8% ao ano. A taxa Selic atualmente está fixada em 7,25% ao ano. “O Poder Público não pode mesmo agir de forma imoderada, desvirtuando a natureza e finalidade do cômputo dos juros moratórios e da atualização monetária.”

Para embasar a afirmação, o desembargador Paulo Dimas citou artigo do tributarista Igor Mauler Santiago, publicado na ConJur em novembro de 2011. O advogado, no texto, defende que o poder púbilco, "especialmente em matéria tributária, não pode agir de maneira imoderada".

E, analisando o mesmo caso da lei paulista, Mauler conclui: "O estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do poder público".

Monetário ou financeiro
Questão de fundo abordada por Paulo Dimas foi a natureza do dispositivo que se estava discutindo: se de Direito Monetário ou de Direito Financeiro. No primeiro caso, o artigo 22 da Constituição estabelece a competência exclusiva da União para regulamentar. No segundo, concorrente da União e dos estados, observando os critérios das regras gerais federais.

A matéria foi abordada pelo Supremo Tribunal Federal em Recurso Extraordinário julgado em março de 2000. A discussão era sobre a lei que criou a Ufesp. Naquela ocasião, ficou decidido que lei local não pode fixar índice de correção monetária em crédito tributário em percentual maior que o estabelecido pela União. Mas a discussão era se a ofensa era ao artigo 22 ou ao artigo 24.

No entendimento do ministro Ilmar Galvão,relator do RE, a lei tratou de matéria eminentemente monetária, cuja competência exclusiva da União está descrita nos incisos II e IV do artigo 22 da Constituição Federal. A lei estadual paulista, portanto, seria inconstitucional por usurpação de competência.

Já os ministros Nelson Jobim, Sydney Sanches e Néri da Silveira entenderam que o caso era de Direito Financeiro ou Tributário, em que estados e União dividem a competência para legislar, desde que respeitadas as regras gerais criadas pela União. O voto do ministro Jobim disse que “existindo norma da União adotando índice de correção de débitos fiscais federais, funciona ela, em relação aos Estados, como norma geral. Tais índices não poderão ultrapassar o da União, posto que os Estados, no tema, têm somente competência legislativa suplementar”.

E no mesmo sentido foi o voto do ministro Néri da Silveira: “A matéria é de direito financeiro e não de direito monetário; os Estados podem estabelecer índices de atualização de seus débitos, mas, por se tratar de matéria em que estamos num campo de competência concorrente União e Estados, estes não poderão estabelecer índices superiores aos estabelecidos pela União para a correção de seus débitos fiscais”.

Clique aqui para ler o voto do desembargador Paulo Dimas Mascaretti.
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