Senso Incomum

Cinquenta tons de concursos: antes do caos, riamos!

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7 de março de 2013, 7h59

Spacca
Ainda os concursos
O título da coluna mistura a baixa literatura de E.L. James, com sua visão “pettit-sadô” da “sociedade dos idiotas vivos”, com o encerramento do “Conto Alexandrino” de Machado de Assis. Dos livros de James não é preciso falar. Estão na “boca do povo”. Para uma certa parcela da população, é chique ler esse tipo de “literatura”. Mas os livros de Machado, não. Por isso, como Machado é pouco lido, dou-me à pachorra de falar de Stroibus e Pítias, cientistas que vão para Alexandria e lá realizam pesquisas a fim de provar que as essências humanas provém dos bichos. Fazem experiências com animais, preferentemente os ratos, com a pretensão de descobrir o cerne da desonestidade humana. De acordo com suas ideias, os cientistas acreditam que a essência encontrada em cada ser humano foi adquirida ao beber o sangue do animal. O rato faria o ladrão, e os cientistas ao beberem o sangue de ratos tornaram-se ladrões. Como viraram ladrões, foram presos e serviram de experiência, do mesmo modo como faziam com os ratos. Enfim, tudo em nome da ciência. Os fins justificam os meios. Quando foram escalpelados e cortados em pedaços (em nome da ciência), a notícia se espalhou e os ratos comemoraram com danças e festas. Convidaram outros animais que serviam de experiências, mas nenhum deles aceitou o convite, por sugestão de um cachorro, que lhes disse melancolicamente: “Século virá em que a mesma coisa nos aconteça”. Ao que retorquiu um rato: “Mas até lá, riamos”.[1]

Pois é: até quando vamos rir de tudo isso? Do modo como vai a coisa, um dia seremos todos escalpelados (embora já estejamos sendo). Mas sempre pensamos que o inferno são os outros. E esquecemos que a palavra “alienus” vem do latim “outro”, daí a palavra alienação. Alienamos a nossa ação ao outro. Por isso, uma pessoa alienada ali-é-nada, como já disse em outra coluna. Por que não encaramos de frente o problema dos concursos, enfim, do preenchimento dos cargos da máquina pública? Porque achamos que ruim é o concurso dos outros. O que fizemos é o bom. E sempre falamos de outros concursos. Fazemos um truque de lógica, utilizado, aliás, por Kelsen, para construir a sua TPD: o conjunto dos enunciados aos quais eu me refiro o meu não faz parte…

Veja-se: a crítica ao modo como os concursos são elaborados é estritamente acadêmica. O assunto é de intenso interesse público. Todos somos responsáveis, portanto. Dos concursos exsurgem os profissionais que trabalham nas diferentes esferas do serviço público. E minhas críticas não são fulanizadas. Em nenhum momento pretendo atingir a este ou aquele grupo de ensino que se dedica a esse mister. Trata-se de um imaginário que devemos discutir/questionar. Até porque se há oferta, é porque há procura. E se os concursos perguntam determinado tipo de matéria, não resta outro caminho aos cursos de preparação senão o de fornecerem o produto requerido. Isto é: também não adianta, por exemplo, o curso de preparação falar sobre as especificidades da equity distribuída pelo Lord Chanceler na Inglaterra se o concurso se dispõe a perguntar simplesmente sobre um artigo do Código Civil que fala de equidade… Não adianta tratar da verfassungskonforme Auslegung na sua sofisticação teórica se o concurso perguntará sobre se a interpretação conforme é método ou técnica (e, ainda: baseado em autor x, diga se…). E assim por diante.

Vitimando Kelsen e Siches
Essa questão pode ser vista também do seguinte modo. O Conselheiro Acácio dizia que “as consequências vêm sempre depois”, na linha de raciocínios utilizados em concursos e em livros manualísticos. Só que, enquanto os livros destinados ao universo dos concursos públicos se especializam em atender demandas e, assim, até mesmo criam uma espécie de novilíngua concursística, o nosso preclaro Conselheiro acertava na mosca ao mostrar a grande obviedade do óbvio: As consequências vêm sempre… depois! Bingo! E já estão aí. Eis o interesse público. Sim, se hoje vivemos duros tempos de efetividades qualitativas no direito – já que as trocamos pelas efetividades quantitativas – não deveríamos esquecer que tudo isso é consequência de um longo processo de alienação do e no direito, do qual, reconheçamos, os culpados não são os cursos de preparação de concursos. Não devemos fazê-los palmatória do mundo.

Com efeito, quando alguém pensa em superar a estandardização – e nem estou dizendo que não seja com absoluta boa intenção –, vem o fator “como-é-difícil-essa-teoria-do-direito”, como é o caso da resolução do CNJ (nº 75) sugerir autores como Kelsen, Siches, entre outros. Pronto. Semana passada, André Karam Trindade, na Coluna Diário de Classe, mostrou o que é o mau uso de autores clássicos como Kelsen e Siches (clique aqui para ler). Apresentado um problema, o enunciado dizia: Responda de modo conciso e adequado as seguintes indagações utilizando o método da lógica do razoável de Recaséns Siches de um lado; e do positivismo de Kelsen de outro. Como assim “método da lógica do razoável”? O que seria isso? Como assim, “o positivismo de Kelsen”? Tudo está a indicar um equívoco do tamanho do Kilimanjaro, porque contrapõe o axiologismo de Siches (também um positivista) e o pretenso exegetismo de Kelsen. Incrível o equívoco cometido. O formulador da questão, fosse um médico tratando de um enfermo, o teria matado em trinta segundos. E, aqui, atenção: em qual curso de preparação há(veria) espaço para discutir Kelsen na profundidade exigida? Se um professor mandar um aluno de curso de preparação ler a TPD, será linchado. Portanto, há que se ter cuidado na “administração dos remédios”. O doente é frágil.

O que quero dizer é que não adianta querer introduzir a filosofia do direito ou matérias quetais, colocando-as como “capas de sentido” ou um adorno. O efeito pode ser pior. Lembro da questão do concurso em que perguntava sobre o “ser” do defensor… Ou do concurso do Rio que perguntava sobre o direito a que o Estado pague uma operação plástica para que um utente se transforme em “lagarto”… Ou de uma questão de concurso que colocava Gadamer como um subjetivista… E, aqui, outro problema: não pensem que uma errônea visão sobre Gadamer (para falar apenas dele, eis que poderia falar de outros clássicos difíceis de compreender) é privilégio de cursinhos de preparação… Há muita gente “boa” dizendo coisas erradas em salas de aula de graduação e da pós-graduação (stricto sensu). Ou seja: há uma crise maior a ser estudada.

Assim, se de um lado temos a síndrome dos cinquenta tons de cinza dos concursos, em que as perguntas são simplórias e pegadinhas que refletem apenas um território pequeno-gnosiológico (homenageio Warat) do conhecimento jurídico, de outro a tentativa de “sofisticar” pode ajudar a reforçar as hostes dos simplificadores e operadores de quiz shows. Alguém duvida do que estou dizendo? Entre na internet e verá até gente dançando, imitando aquele ridículo cantor coreano, para “ensinar” os candidatos a decorar as exceções das exceções… Sim, porque essas exceções é que “são boas” de perguntar.

Isso apenas demonstra que por trás disso tudo está a crise do direito, que há tempos denominei de crise de paradigma de dupla face em Hermenêutica Jurídica e(m) crise. E não descobri a pólvora. Há muitos autores que trabalham isso há anos. O que quero aduzir é que não se consegue avançar em alguma ciência partindo de prognósticos e perspectivas equivocadas. Quem não sabe quem foi Oskar von Büllow e quer trabalhar processo (civil ou penal) deve trocar de profissão. É como o médico que quer ser cirurgião, mas desmaia quando vê sangue. Quem quer trabalhar hermenêutica e acha que a linguagem é uma terceira coisa entre um sujeito e um objeto deve fazer outro curso para exercitar seus dotes, por exemplo, deve tentar agronomia (que também é difícil — não quero brigar com os agrônomos).

Como Stroibus e Pítias (ou Caio, Tício, Mévio e tantos outros personagens reais e ficcionais que colonizam o mundo do direito), fomos longe demais escalpelando-dissecando ratos. Folheei alguns livros nestes dias, todos ligados a esse mundo dos concursos. Com alguns dos livros que manuseei é possível fazer uma aposta ou teste. O interlocutor diz uma página qualquer e eu abro e de lá tiro uma singeleza de chorar ou alguma bizarrice ou, ainda, uma anedota. Ou vão me convencer que não é engraçado dizer que quem escreve a carta não pode ser agente ativo do crime de violação de correspondência? Comentários aos Códigos são pródigos nisso. É incrível como maltratam os princípios. A tal da LINDB (Lei de Introdução ao Direito Brasileiro) é a mostra de que fracassamos. Fossemos médicos, e estaríamos matando pacientes por não falta de higienização das mãos. Tão atrasados que estamos. Como uma lei pode ser introdutória ao “Direito”? Mas os juristas não dizem, à boca cheia, que Direito não é igual à lei? E que coisa é essa que os doutrinadores falam de “lacunas ontológicas”? O que é isto – o ontológico? Tem essência nisso? É metafísica clássica? Parem com isso. Por que falar na era dos princípios constitucionais se, ao mesmo tempo, temos uma LINDB que fala de… princípios gerais? Que coisa é essa “a diferença entre esses dois tipos de princípios”? Ah, tudo é “valor”… E o que é isto, o valor? Vi um livro de direito penal que ensina o crime de posse sexual mediante fraude com um exemplo de um baile de máscaras…. E no final, outro expert vem e diz: mas isso só pode ocorrer entre pessoas de sexos diferentes… (não entendi por que, nestes tempos de uniões homoafetivas, isso não poderia ocorrer… Na verdade, inconscientemente o autor tem razão: não pode acontecer porque é um exemplo absurdo, tal qual Caio e Tício (sempre esses personagens que os manuais tanto gostam… poderiam trocar para Stroibus e Pítias, pois não?) que sobem em uma tábua de um navio naufragado… argh!). Que ciência, não? Gosto muito da parte dos livros de direito civil que falam dos costumes… E aí vem os conceitos “sofisticados”… Leio em livro de Direito Constitucional “os limites à mutação constitucional”: subjetivos e objetivos — os primeiros, estariam no plano da ética do aplicador; os segundos, a não violação da consciência jurídica em geral. Que limites, não? Um livro de processo civil fala da verdade real ora como adeaquatio rei et intelectum; ora como adeaquatio intelectum et rei. E ele nem se dá conta do que está dizendo (farei uma coluna sobre isso em breve). E, ao mesmo tempo, o mesmo autor vai dizer que “tudo é relativo”. E vendem-se milhares e milhares de livros. E a nave vai. Ah, eu não sabia a diferença entre dolo eventual e culpa consciente. Aprendi em um importante manual de Direito Penal, a partir do exemplo do jardineiro que corta o caule da planta… Que meigo, não? E o jurista deve cortar os pulsos. Depois dizem que é implicância minha…

Aqui, novamente a atenção: isso que falei acima nem de longe é privilégio do mundo dos concursos. Nesse, há até coisas bem mais sofisticadas que essas… As acima elencadas fazem parte do universo do imaginário gnosiológico dos juristas lato sensu. Portanto, o furo é mais abaixo (ou mais acima).

A crise é tão grave que passamos a não mais respeitar sequer os mínimos limites semânticos do texto da Constituição (não que o texto “segure” os sentidos… mas, por favor, começa com ele, pois não?). Água vira pedra. Pedra vira fogo. E onde está escrito pobres, leia-se ricos. Basta alguém (que tenha Wille – vontade) querer. Não precisa nem ter poder. Diz-se, mesmo, qualquer coisa sobre qualquer coisa. Por vezes penso que o Brasil não tem jeito mesmo. Perdeu-se totalmente a timidez. Os tolos, antes escondidos, aparecem por detrás da pantalla de um lepitopi (sic). Antes, dizia-se que “papel aceita tudo”. Hoje, nas redes sociais pode-se escrever efetivamente qualquer coisa.O Google é o maior exemplo. É o oráculo destes tempos bicudos. Pergunta-se: ainda é possível falar a sério ou vamos cair em uma “gandaia significativa”? Lembro, sempre, do conto Fanqueiros Literários, de Machado. Por favor, leiam. É absoluto. Autoexplicativo. Metafórico. Universal. Atemporal. Veja-se o paradoxo: por vezes somos pós-modernos; por vezes, pré-modernos, porque vivemos em um “estado de natureza hermenêutico”, a espera de um Leviatã (temos que reler Hobbes) que nos interdite! Civilização ou barbárie!

Encerrando esta parte: sem o enfrentamento dessa crise do direito — que é uma crise paradigmática que se reflete no ensino jurídico — não sairemos desse atoleiro epistêmico (estou sendo generoso ao falar em epistemologia — isso nem deveria entrar aqui).

A repercussão dos leitores
Fiquei encantando com a repercussão da coluna passada. Foi a coluna mais acessada e a mais comentada, segundo o ranking da ConJur. O leitor Regis Campos de Souza, analista fiscal, aponta que falta uma adequação do que se pergunta ao cargo disputado. Com decorebas, gente sem preparo e sem vocação acaba passando. Basta treinar.

O advogado Vinícius da Silva Barbosa faz interessantes indicações de leitura, como o texto do universitário Tiago Soares de Aquino (Revista de Direito Mercantil v. 155-156), que faz uma análise econômica do case concursos públicos. Verbis: "Voltando-se para os bacharéis funcionários públicos em potencial, percebe-se a emergência de um grupo desinteressado, que trabalha sem qualquer ambição e gana por resultados, e aqui me refiro indistintamente àqueles que compõem a Administração Pública, o Ministério Público e o Judiciário. Logicamente, qualquer generalização comporta numerosas exceções, mas o que considero um problema que se agrava com o passar do tempo é a falta de eficiência dos bacharéis que ocupam cargos por pura conveniência, consequência da síndrome dos concursos. Finalmente, o Brasil perde porque forma anualmente milhares de pessoas com um conhecimento inútil para a produção e o desenvolvimento. Explico-me: a atividade por excelência do profissional do Direito nada cria, nada produz, uma vez que se limita à prevenção e à solução de conflitos.” Diz ainda o advogado Vinicius que leu outro artigo apontando para o prejuízo que as carreiras públicas causam na medida em que atuam desestimulando o espírito empreendedor brasileiro e fulminando a livre iniciativa: se Steve Jobs e Bill Gates tivessem nascido no Brasil, um seria promotor de justiça (ou juiz) e o outro seria auditor da Receita Federal. Outro leitor me remeteu decisão de juiz federal (Procedimento Comum do Juizado Especial Cível Nº 5008083-73.2012.404.7202/SC), que é auto-explicável, na qual o magistrado, rejeitando os embargos declaratórios, achou que podia dar uma chinelada — e bota chinelada nisso — no servidor (parte) e no seu advogado (ler aqui), o que demonstra que ainda estamos longe — mas bem longe — da democracia na Terrae de Vera e Santa Cruz. Cabe bem agora uma frase que se atribui a Pontes de Miranda: “quem só direito sabe, nem direito sabe”. Por isso — e aí a importância de discutirmos urgentemente os concursos públicos — é inconcebível a aprovação de um juiz ou promotor (ou qualquer carreira) sem a aferição de sua formação humanística. Essa deficiência, porém, perdura atrelada a um paradigma que sequer fez o linguistic turn ou compreendeu que o homem, antes da relação sujeito (candidato) e objeto (os questionamentos) é um ser-no-mundo. De que não há como se pensar o direito fora da história, fora de uma tradição. E muito menos elaborar questões sem considerar essa implicação inafastável. Excelente a contribuição do leitor que me mandou o link. A decisão do juiz de Chapecó (é a cidade de onde emanou a decisão) demonstra aquilo que denomino de crise de paradigmas, para dizer o mínimo. Sua Excelência — agente político do Estado, portanto, servidor do povo — autoproclama ter passado em vários concursos já aos 27 anos. Parabéns. Pode ter passado em vários concursos. Conhece muito. Mas, será que compreende o significado de ser agente político do Estado (cujo sustentáculo é o povo)? Relembro, aqui — e aproveito para homenagear o intelectual Martonio Barreto Lima (Coordenador da área de Direito da Capes, que está na luta contra os mestrados e doutorados fast food) — o clássico Spinoza: o poder potestas (o imediato, da autoridade que manda) deriva, necessariamente, do potentia (todo poder emana do povo…). Assim, o art. 1º da Constituição da República não deixa dúvidas. Não há autoridade que “mande”, a não ser mandando em obediência à sua qualidade de servidor do povo. E assim só o é porque a democracia direta não é possível por uma inexequibilidade material. Mas a autoridade é sempre delegada do poder potentia. Na medida em que tem poder, será sempre, nessa medida, um poder obedencial. Há um dever de tratar bem o cidadão porque é este, mesmo que difusamente, o verdadeiro legitimador do Poder exercido por qualquer agente público ou membro de poder. Por isso, não se deve (e não se pode) humilhar um servidor.

Outro leitor fiel da coluna, Tiago, funcionário público, diz que, de fato, “senti na pele esta constatação do autor. Saí da faculdade (já há uma década) achando que para passar em concursos deveria estudar autores clássicos, reconhecidos. Para Constitucional, p. ex., estudei José Afonso da Silva, toda aquela parte de Teoria da Constituição… penal estudei por Zaffaroni, Processo Penal os 4 volumes do Tourinho Filho, etc. Este estudo não gerou resultados, mas eu, cabeça dura, insisti ainda por mais algum tempo. O erro era meu, sem dúvida, que estudava pouco e errado. Até o dia em que peguei nas mãos um ‘esquematizado’. Parecia que nunca tinha estudado aquela matéria, diversos pontos eram abordados sem qualquer profundidade, embora acertassem ‘no alvo’ as questões que errara em concursos anteriores. Foi assim que me rendi aos apelos dos Teletubbies jurídicos. PS: sei da história de um garoto que ainda na faculdade passou para técnico da J. Federal, analista do MPU e Procuradoria do Estado (entre os primeiros da lista). Exibia com orgulho sua coleção de livros e forma de estudo: ‘só nos esquematizados’. Formou-se ano passado e hoje é da AGU”.

Ribas do Rio Pardo, delegado de polícia estadual, assíduo comentador desta coluna (em breve, o cartão fidelidade “Senso Incomum”, com direito a muita milhagem – obrigado, Ribas), lembra que, “quando prestava concurso me deparei com situações muito injustas na fase oral, para uns perguntavam o que é crime, o que é crime continuado, para outros, sem amigos, esquecidos ‘socialmente’ perguntavam sobre cegueira deliberada, influência do Júri da Dinamarca no sistema brasileiro, etc. A fase oral se necessária deve ser realizada por pessoas distantes da instituição interessada, como forma de evitar apadrinhados. Pior é que não se encontra mais livros de qualidade, tudo é dirigido a concurso”.

O leitor Boler faz interessante análise sobre a “privatização do Mercado dos concursos”. Já Guilherme Roma Feliciano (estudante de Direito) traz informação interessantíssima, dando conta de que há um site especializado em concursos públicos de um cidadão oferecendo apostilas com as quais, diz ele, você passa em qualquer concurso público. Ele afirma ter “experiência de 20 anos na área de concursos públicos”. Veja, “concursos públicos” se tornou uma área do conhecimento, praticamente uma ciência. Daqui a pouco teremos a Teoria Geral do Concurso Público, sobre a qual discorrerão diversas dissertações e teses por aí, de autoria dos Mestres e Doutores em Concurso Público, conclui Guilherme.

Meu querido Pedro PCP (também cartão fidelidade), que já foi personagem de uma coluna Senso Incomum, é peremptório: “Fato é que chegamos ao fundo do poço. A máfia dos cursinhos se alojou há tempos no ensino fundamental e como era de se esperar chegou arrasadoramente ao ensino superior. O mais cruel é que no caso do direito ela se vale dos próprios profissionais de carreira pública para atrair a patuleia (como diz o articulista), criando aquela falsa figura messiânica do exemplo a ser seguido, em que o sujeito (por ter alcançado a carreira que os outros almejam), sempre e incansavelmente enaltecendo os seus próprios méritos, é ‘o cara’ apto a indicar ‘o caminho’ da salvação”.

Agradeço a todos pelos comentários e observações. A diversidade de opiniões – desde- que-não-ofensivas-ou-bizarras – sobre esse universo dos concursos apenas demonstra que necessitamos, urgentemente, alterar esse estado de coisas. Uma sugestão interessante — sobre a qual devemos refletir — é a da elaboração de uma Lei Geral dos Concursos Públicos, na qual conste as diretrizes que todos os certames devem seguir. Eis aí uma questão para o Alexandre Veronese e o Fernando Fontainha pensarem. Desde já, coloco-me favoravelmente à proposta.

Numa palavra
Machado, sempre ele, tem um conto chamado O Espelho – Esboço de uma Nova Teoria da Alma Humana. Quatro ou cinco cavalheiros debatem, uma noite, várias questões de alta transcendência. Quatro ou cinco? É que um deles, o quinto personagem, provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, astuto e cáustico, não discutia nunca. Naquele dia se dispôs a discutir algo, só que “a discussão” era um monólogo: “se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir”. Bom. O assunto está na mesa. Nem eu, nem os professores Alexandre Veronese e Fernando Fontainha (responsáveis pela bela pesquisa que desnuda o imaginário concursista da qual falei na coluna passada) apagaremos os nossos charutos Cohiba e iremos dormir. Queremos é debater. Somos “notívagos epistêmicos” para essas coisas!


[1] Nota para uma defesa de quem aprecia (a boa) literatura: juntar direito e literatura tem sido uma arte seguida por inúmeros juristas do mundo. Recentemente, perdemos Ronald Dworkin, para quem a sentença era um romance em cadeia (novel chain). Como apresento um Programa em rede nacional chamado Direito e Literatura (TV Unisinos-TV Futura e TV-Justiça) e estou lançando (esta semana) pela Editora Atlas o livro Direito & LiteraturaDa realidade da ficção à ficção da realidade, com autores do porte de Arnaldo Godoy (colunista da ConJur), Calvo Gonzales, Alexandre Morais da Rosa, André Karam Trindade (colunista do ConJur), Marcelo Cattoni, Rafael Tomas de Oliveira (colunista do ConJur), entre outros, não posso aceitar críticas desqualificadoras da imbricação entre direito e literatura como foi feita por um jovem advogado nesta ConJur (que me permito não referir o nome). Lamentavelmente, de quando em vez, até mesmo em artigos publicados aqui na ConJur, surgem projetos tartúfugos, raciocínios pequeno-gnosiológicos com o nítido objetivo de se promover a custa dos outros, fazendo acusações pessoais (algumas bizarras) com falácias ad hominem (ler Irving Copy), além de galhofas apequenadas. Como tenho fair play (enquanto não ofenderem a minha mãe, dona Wanda, a coisa vai), vou invocar Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra: “- Nisto se me aliviou a carga, porque o indiscreto anão me saltou dos ombros”. Ah, os pobres horizontes de sentido (aqui invoco As Ideias de Canário, de Machado) e os sentidos pobres de horizonte. Em 1920, Lenin escreveu sobre o esquerdismo, a doença infantil do comunismo. Hoje, podemos falar do “ofendivismo”, doença infantil do neo-corporativismo. Eu não caio nessa, se me entendem (caio, aqui, tem o sentido de “não sucumbo” e nem é o companheiro do Mévio e do Tício!). E, por favor, que outros não caiam (no sentido de não se deixem levar) nesse tipo de infantilismo corporativo (ou proto-corporativismo, pois ao que tudo indica, é um projeto em gestação). Mas, enfim, sic transit gloria mundi – são apenas 15 segundos de fama, parafraseando Andy Warhol. Podemos mais do que isso. Somos maiores do que isso. Tenho certeza que sim. Quem lê boa literatura, vê o mundo de forma diferente. E como dizia Mark Twain, quem lê maus livros não lê nenhum. E quem não lê nenhum livro (a não ser manual) e despreza a literatura, bom… esse está condenado a escrever, de quando em vez, bobagens em sites jurídicos. And I rest my case! PS : Caro Arnaldo Godoy, o que achas de fazer uma resenha do (nosso) novo livro, inclusive do teu artigo, que está sensacional?

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