Morte na Bolívia

Cooperação internacional permite justiça para torcedor

Autor

  • Carmen Tiburcio

    é mestre e doutora em Direito pela University of Virginia (EUA) professora associada da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da UGF e consultora da área internacional de Barroso Fontelles Barcellos Mendonça & Associados – Escritório de Advocacia sucessor de Luís Roberto Barroso & Associados.

5 de março de 2013, 12h07

O trágico acontecimento ocorrido durante o jogo do Corinthians na Bolívia suscita duas interessantes questões de direito internacional relacionadas: (1) aos brasileiros presos na Bolívia, por conta de crime lá cometido e (2) ao brasileiro que está no Brasil e confessou o crime. A seguir, analisam-se objetivamente cada um dos casos.

Com relação aos brasileiros presos na Bolívia, a legislação brasileira é de pouco interesse. A regra geral em matéria de direito internacional é a territorialidade: as leis aplicáveis e as autoridades competentes são as do local onde ocorreu o fato. Isso significa, inclusive, que a confissão do menor no Brasil não será óbice ao prosseguimento das investigações na Bolívia. Todavia, o direito internacional assegura a estrangeiros que estejam sendo processados criminalmente o direito à assistência consular do seu país de origem, garantia prevista na Convenção de Viena sobre Relações Consulares, da qual são partes Brasil e Bolívia.

Não será possível que esses brasileiros sejam processados no Brasil. Para sua aplicação a crimes praticados no exterior, a legislação brasileira exige, dentre outras condições, que o agente esteja no país. Por outro lado, se condenados, poderão cumprir a pena aqui, próximos a seus familiares, em virtude do tratado sobre transferência de nacionais condenados firmado entre a Bolívia e o Brasil — internalizado entre nós em 2007 —, exigindo-se, contudo, a concordância de todos os envolvidos: o Brasil, a Bolívia e os condenados.

Por sua vez, o brasileiro menor de idade que está no Brasil, com base em hipótese especial de extraterritorialidade, será julgado pelos tribunais brasileiros, segundo as leis brasileiras. Como já registrado, a legislação penal brasileira aplica-se a crimes cometidos no exterior, por brasileiros, preenchidas algumas condições. Assim, o adolescente poderá ser punido com base na legislação penal brasileira ainda que a conduta tenha ocorrido no exterior.

Ao contrário do que se poderia imaginar, não é possível o acolhimento de eventual pedido extradicional formulado pela Bolívia. Em que pese a existência de dois tratados vigentes entre os países — um tratado bilateral de 1942 e outro entre o Mercosul e Bolívia — a extradição não é possível por dois motivos.

Primeiramente, a Constituição impede a extradição de nacionais (art. 5º, LI). Além disso, seria necessário que tanto a lei brasileira como a estrangeira considerassem crime a conduta praticada pelo agente. Como se trata de menor de idade, pela legislação brasileira, o agente comete ato infracional. Por fim, vale notar que sua extradição será possível caso, por algum motivo, o menor deixe o país. O caso seria semelhante ao ocorrido com o banqueiro Salvatore Cacciola. Como se sabe, Cacciola — nacional italiano — residia na Itália, que não extradita nacionais. Todavia, em viagem a Monaco, teve a sua extradição para o Brasil requerida e deferida.

Como se vê, o evento apresenta inúmeras consequências possíveis, e nenhuma delas é a impunidade. Os mecanismos atuais de cooperação em matéria penal fazem com que as fronteiras não sejam mais barreiras para a realização da justiça.

Autores

  • é professora de Direito Internacional Da UERJ e da pós-graduação da UGF. Mestre e doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Virginia, EUA. Consultora no escritório Luís Roberto Barroso & Associados.

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