Choque de decisões

Ação conturbada no TJ-RJ pode parar no CNJ

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5 de março de 2013, 18h17

Com inúmeros desdobramentos nas duas instâncias desde seu início, em 2010, um processo que tramita na 1ª Vara de Família do Rio de Janeiro é alvo de críticas de irregularidades jurídicas. A confusão já rendeu decisões contraditórias e a recusa da relatoria do caso por dois desembargadores. Agora, a demanda deve chegar ao Conselho Nacional de Justiça.  

A afirmação é do advogado Luiz Pereira Neto, padrasto do pivô do processo, Luis Alberto de Barros Coelho. Segundo Pereira Neto, o desembargador Pedro Lemos, da 10ª Câmara Cível do tribunal, renunciou à relatoria de recurso sobre o processo alegando pressões. O mesmo fez seu colega, desembargador Celso Peres. Restaram, na 10ª Câmara, apenas três desembargadores, que negaram o pedido do advogado.

Pereira conta que a sentença da juíza Maria Cristina de Brito Lima, titular da 1ª Vara de Família da Barra da Tijuca, na capital do Rio de Janeiro, foi prolatada “em favor de uma terceira interessada, em processo alheio, sem uma linha de contraditório, sem publicidade, sem o devido processo legal, sem o desenvolvimento regular do processo e sem audiência”. “A terceira interessada foi convocada pela juíza pelo celular, sem o conhecimento da parte autora da ação, minha esposa”, diz.

O pleito gira em torno da curatela do enteado do advogado, Luis Alberto de Barros Coelho, de 47 anos, que sofre de esquizofrenia e é alvo de pedido de interdição. A responsabilidade sobre o rapaz, inicialmente delegada à mãe, Marisa de Jesus Pereira, por força de uma liminar, foi entregue depois a sua mulher, Genevônia Campos Coelho, que recebe, por cuidar dele, uma pensão de R$ 20 mil reais. O casamento ocorreu em 1995 em São Luís, no Maranhão, onde hoje vive o casal. Na época, a mulher tinha apenas 16 anos. O filho deles, Felipe Campos Coelho, morreu em 2011, com oito anos. Segundo Luiz Pereira Neto, devido à desavença com a nora, ele não vê o enteado há um ano e meio.

Convocação por celular
O padrasto e a mãe do rapaz pediram judicialmente sua interdição em 2010, por imposição do Ministério Público Federal — conforme o processo MP 0053790-52.2004.8.19.0001. Depois de oito anos, a Justiça havia concedido, em 2004, o benefício previdenciário a Luis Alberto.

Inicialmente, a juíza Maria Cristina concedeu a curatela provisória de Luis Alberto à sua mãe, Marisa. No processo, Marisa e Luiz Pereira pediram, também, a anulação do casamento do filho com Genevônia Campos Coelho e a guarda do neto, Felipe, então ainda vivo. Mas em agosto de 2011, a outorga da curatela foi revogada, quando a juíza a entregou à mulher de Luis Alberto, Genevônia, admitida no processo como terceira interessada, por meio de convocação da juíza pelo celular, como relatado nos autos.

Segundo o advogado Luiz Pereira, sem aviso, a juíza fez audiência de inspeção no endereço do interditando, sem o conhecimento e sem a presença dos autores da ação. “Ou seja, sem obediência às leis, à publicidade, ao acatamento às garantias individuais, ao contraditório, ao desenvolvimento regular do processo e ao devido processo legal”, diz o advogado. De acordo com Luiz Pereira, depois da visita, a juíza entrou em contato, pelo celular, com Genevônia, e pediu que ela entrasse no processo como interessada. Mais tarde, a curatela foi passada à mulher.

Os procedimentos adotados pela juíza foram reprovados pelo desembargador Pedro Lemos, da 10ª Câmara Cível do TJ-RJ, quando o processo chegou a suas mãos em Mandado de Segurança. “Tendo em vista que as medidas tomadas pelo juiz da causa a partir da inspeção judicial ocorrida em 01/03/2011 não obedeceram aos critérios assecuratórios do contraditório e da ampla defesa, inicialmente pela clara violação ao parágrafo único do artigo 442 do Código de Ritos, concedo o efeito suspensivo requerido nesta oportunidade para tornar impassíveis de execução os atos praticados a partir desta data”, determinou ele em abril de 2011. Na mesma decisão, o relator pediu informações à juíza e cancelou seus despachos ordenando busca e apreensão do interditando e mudança do beneficiário dos pagamentos da Previdência.

Audiência limitada
Em decisão de maio de 2011, julgando Agravo de Instrumento, o desembargador reconheceu que a juíza fez uma audiência de impressão pessoal do interditando sem a presença dos autores da ação de interdição e sem intimação para o ato. Dela participaram o Ministério Público e um perito judicial, que constatou a esquizofrenia de maneira preliminar. Segundo os autos, foi nesse momento que a juíza tomou conhecimento, pelo relato de Luis Alberto, de que havia uma relação de "afeição" pela esposa, Genevônia, e preferência por viver a seu lado. O fato levou a juíza a revogar a curatela provisória dada à mãe e passá-la à esposa, declinando da competência da Justiça do Rio para julgar o caso, transferindo-a à Justiça do Maranhão, onde Genevônia morava.

“Desde que estabelecido o contraditório entre a mãe e a esposa do interditando, deve ser designada audiência de instrução e julgamento para, ouvidas as partes, o magistrado formar a sua convicção da demanda”, criticou o desembargador em sua decisão. Ele revogou a mudança de competência da Justiça. “Juízo competente é o foro em que está residindo atualmente o curatelado”, afirmou, e determinou que a juíza fizesse nova audiência.

Procurada pela ConJur, a juíza Maria Cristina se disse impossibilitada de comentar um processo sob segredo de Justiça. Ao ser questionada sobre uma possível denúncia do caso ao CNJ, a magistrada afirmou que “é direito da parte recorrer a todos os meios”.

O advogado Luiz Pereira Neto afirma que denunciará no Conselho, além da juíza, também os desembargadores José Carlos Varanda, Gilberto Dutra Moreira e Bernardo Garcez, da 10ª Câmara Cível do TJ, que, em agosto último, negaram provimento a uma Apelação.

O recurso foi interposto depois de seguidos Embargos ajuizados e negados. Como a curatela de Luis Alberto não foi devolvida à mãe, Pereira Neto insistiu em questionar a decisão. Ele teve Embargos julgados em junho, agosto e outubro de 2011. Neste último, a 10ª Câmara Cível entendeu que o recurso já não tinha objeto, uma vez que, a essa altura, o caso já havia sido julgado no mérito em primeiro grau. Em novembro, novos Embargos foram novamente negados.

Órgão Especial
De acordo com Pereira Neto, a insistência se deveu ao fato de a juíza não cumprir as determinações do relator. No entanto, para o desembargador relator, a decisão de primeiro grau confirmou a liminar e definiu o mérito da questão, o que obrigaria a parte contrária a contestá-la em recurso próprio, se assim entendesse necessário.

Devido a um Mandado de Segurança da família contra sua decisão, o relator se declarou suspeito para continuar julgando o caso. “Diante do Mandado de Segurança 0064428-06.2011.8.19.0000 contra mim impetrado junto ao Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, declaro-me suspeito para julgar o presente recurso por já possuir juízo de valor acerca da matéria ventilada, posto que inúmeros foram os procedimentos por este relator conhecidos e não providos instaurados pela ora apelante [Marisa de Jesus Pereira]”, afirmou em fevereiro do ano passado.

No início de 2013, o advogado entrou com um novo Mandado de Segurança, dessa vez no Órgão Especial do TJ. Em sua decisão — publicada no Diário Oficial Eletrônico do TJ-RJ, no dia 28 de janeiro —, o novo relator, desembargador Luiz Felipe Haddad, concede “liminar restrita”. O texto informa que a competência do processo deve permanecer na Justiça do Rio e que a “esposa e curadora do interdito” deve “comunicar ao Juízo de Família aludido, mensalmente, seu endereço, com relato resumido das condições de saúde, eventual internação em clínica psiquiátrica local”. O relator decidiu, ainda, que a mãe de Luis Alberto poderá viajar à capital maranhense, “com aviso à curadora no prazo mínimo de cinco dias, para visitar o interdito, onde ele se encontre, e com ele conversar, mas sem provocar altercação; mesma obrigação, quando tal ocorra, da curadora”.

Veja a lista de processos e recursos:

Processo de Interdição 0027497-90.2010.8.19.0209
Processo de Interdição do MP 0053790-52.2004.8.19.0001
MS 0014822-09.2011.8.19.0000
AI 0019.947-55.2011.8.19.0000
MS 0064428-06.2011.8.19.0000
Medida Cautelar Inominada 0051933-27.2011.8.19.0000 
MS 0002818-66.2013.8.19.0000
Apelação Cível 0027497-90.2010.8.19.0209

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