Auxílio aos carentes

Portal da Assistência Jurídica amplia acesso à Justiça

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

4 de março de 2013, 13h54

O Portal da Assistência Jurídica consiste na proposta de criação de um link no site do Ministério da Justiça que integraria todos os setores que prestam assistência jurídica aos comprovadamente carentes de forma gratuita, com informações jurídicas e judiciais, troca de experiências, notícias e informações úteis como local, telefone e horário de atendimento da entidade, resultados obtidos, teses inovadoras, tipo de matéria jurídica que atende cada entidade e os critérios de cada entidade para considerar carente o interessado. Com isso diminuiria bastante o principal problema do setor: a desinformação.

O site incluiria municípios, ONGs, Advocacia Pro Bono, Defensorias, Faculdades de Direito, sindicatos e outros legitimados para a assistência jurídica, sendo que o cadastro seria voluntário. A sua necessidade se explica por uma falha do sistema: a visão de “monopólio de miséria” vigente, como se o pobre tivesse dono previsto na Constituição. Afinal, se o pobre não tem direito de escolha, isto viola a sua autonomia, a dignidade humana e os direitos humanos..

A Defensoria presta relevante serviço, mas não pode ser a única legitimada para isto. Não se pode democraticamente sustentar que só a Defensoria está legitimada para atender o pobre, pois isso aumenta os conflitos de interesses principalmente se tivermos “pobres” dos dois lados da demanda, agravado pela falta de critério objetivo para definir o que é pobre

Para Mauro Cappelletti, na obra Acesso à Justiça, o direito de acesso à Justiça é o mais fundamental dos direitos humanos, e em  suas pesquisas, visitando países, verificou que o que mais deu resultado foi nos países que integraram várias iniciativas de assistência jurídica da iniciativa pública e privada. Não pode haver barreira corporativa para área de Direitos Humanos.

A Constituição Federal definiu que o Estado deve prestar assistência Jurídica aos carentes, mas isso não significa que é apenas através da Defensoria, inclusive o conceito de “Estado” engloba municípios. Ressalta-se que serviço de assistência jurídica municipal não é o mesmo que Defensoria Municipal, não se pode confundir serviço com instituição. A obrigação de assistência pública jurídica municipal está no artigo 23, II, da CF e no artigo 1º, caput, da Lei 1.060/1950.

O conceito de pobreza não é pacífico nem no governo federal, mas alguns órgãos utilizam mais especificamente o critério do IBGE, FGV, IPEA  ou o da SAE :

Grosso modo, o IBGE divide as classes sociais da seguinte forma:

Classe A: acima de 30 salários mínimos

Classe B: De 15 a 30 salários mínimos

Classe C: De 06 salários a 15 salários mínimos

Classe D: De 02 a 06 salários mínimos

Classe E: Até 02 salários

Dessa forma, a classe C é composta, hoje, por 91,8 milhões de brasileiros.

Já  o governo federal, de acordo com novos critérios, divulgados pela SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), define a classe média famílias em que a renda por pessoa seja de R$ 291,00 a R 1.010, 00, o que representa 54% da população. A nova classe média foi dividida entre a “baixa classe média”, com renda per capita entre R$ 291 a R$ 441, “classe média”, com ganho entre R$ 441 a R$ 641, e “classe média alta”, com rendimento entre R$ R$ 641 a R$ 1.019.

 A SAE, além da três subdivisões de classe média, criou mais cinco para enquadrar as diferenças de renda no país: 

1)  faixa “extremamente pobre”, com renda de até R$ 81,

2)  “pobre mas não extremamente pobre”, com renda entre R$ 162 e R$ 291

3)  “vulnerável”, com renda entre R$ 291 e R$ 441,

4)  “baixa classe alta”, com renda entre R$ 1.019 e R$ 2.480 e

5) “alta classe alta”, com renda acima de R$ 2.480. 

No entanto, a FGV, considera como  família  de classe média (classe C) quando tem renda mensal entre R$ 1.064 e R$ 4.591. A elite econômica (classes A e B) tem renda superior a R$ 4.591, enquanto a classe D (classificada como remediados) ganha entre R$ 768 e R$ 1.064. A classe E (pobres), por sua vez, reúne famílias com rendimentos abaixo de R$ 768.

De fato, a média do governo federal é bem menor de que a proporção de brasileiros em pobreza absoluta divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão ligado ao governo), que é de 28,8%. Conforme a regra adotada pelo Ipea, estão em pobreza absoluta os membros de famílias com rendimento médio por pessoa de até meio salário mínimo mensal.

Mas, resumindo, podemos afirmar que 80% dos trabalhadores no Brasil recebem até 2 salários mínimos e apenas 0,7% recebe mais de 20 salários mínimos. Logo, no serviço de assistência jurídica é preciso reconhecer este conflito de interesses de classes sociais.

Em suma, precisamos definir um critério mais objetivo de pobreza para que não se torne um pobre invisível e vítima de uma retórica.

 Logo, apesar dos vários conceitos, o que se observa na prática é que a Defensoria, bem como os advogados dativos, têm atendido mais a classe média do que a classe pobre.  Em regra, a Defensoria não tem comprovado a carência dos seus assistidos, mas usa como norma critérios que variam de 3 salários mínimos a 5 salários mínimos, porém não comprova isso nos autos, o que pode gerar desvio de finalidade. O assistido não pode ser substituído, pois também é desvio de função constitucional.

Lado outro, segundo Tabela da OAB-RJ, uma consulta verbal, sem litígio, deve ter valor mínimo de R$ 762,31 em março de 2013, e deve valer para todo o estado. A rigor, poucos médicos e mais famosos, e nas capitais, é que cobram em torno de um salário mínimo por consulta.

Dessa forma, o conceito de pobre para “assistência jurídica” não pode ser mais o clássico conceito retórico de que é aquele que não pode pagar um advogado, pois não esclarece muito.

Assim, se considerarmos como pobre quem recebe até dois salários mínimos de renda familiar, o que seria a classe D e E, já teríamos pobres em demasia, pois representam 80% da população brasileira. Logo, temos pobres para todo mundo ajudar e não precisamos brigar por monopólios. É necessário descentralizar  a assistência jurídica, sob pena de não se atingir os objetivos, além disso é preciso prioridades uma vez que as gratuidades por ações por dano moral estão dificultando o acesso em pedidos essenciais como alimentos e outros mais fundamentais para a vida.

Portanto, da mesma forma que o estado pode ter vários legitimados para ajuizar ações civis públicas e estimular várias políticas na defesa dos direitos coletivos, também deve ter vários legitimados para prestar assistência jurídica e estimular outras políticas de atendimento, mas não estão efetivamente descentralizando na assistência jurídica.

Em suma, a Defensoria é o mínimo que o Estado tem que fazer na área de assistência jurídica e não o máximo. Logo, tem de haver outros setores estatais que também prestam assistência jurídica. Cabe ao governo estimular a iniciativa a atender os carentes, como criando políticas de incentivo fiscal e tributário para que ONGs atendam carentes e até mesmo advogados privados.

O portal parte do princípio de que a Constituição Federal não criou “monopólio”, nem “exclusividade” de assistência jurídica. Ou seja, a Constituição Federal fixou o mínimo e não o máximo.

O problema é que há um lobby muito intenso para se manter uma espécie de “monopólio da miséria” e uma disputa intensa pelas verbas destinadas a este serviço, o qual até o momento não criou um critério para definir o que seria carente. Em suma, seria como um serviço para proteger os obesos, mas não definisse quem seria magro ou quem seria obeso. Logo, não é focado no usuário, mas sim no prestador do serviço, o que é uma inversão de valores.

O Portal da Assistência Jurídica teve até um projeto desenvolvido por mim com o apoio de serviço de informática e consistiria em um link no site do Ministério da Justiça, no qual haveria notícias sobre direitos e deveres, mas haveria também a possibilidade de setores que prestam assistência jurídica gratuita manterem canal de comunicação e troca de experiências, e o sistema permitiria o cadastro de entidades que prestassem serviço de assistência jurídica gratuito cadastrassem como advocacia pro bono, advocacia popular, defensorias, núcleos de prática jurídicas, sindicatos, municípios, ONGs, advogados dativos, e outros setores.

A assistência jurídica gratuita precisa focar nos pobres e não na classe média, como vem ocorrendo atualmente. Para a classe média, melhor seria o Estado permitir o abatimento das despesas com advogado no Imposto de Renda (como faz com a saúde), bem como estimular os planos de assistência jurídica. O foco tem que ser o usuário, e não o prestador do serviço.

O interessado faria o cadastro informando o horário de atendimento, o tipo de matéria, o critério para considerar carente, o local de atendimento, os contatos e outras informações básicas. O sistema desenvolvido já tinha mais de 20 áreas jurídicas para serem marcadas, além de se poder acrescer outras.

Assim, a pessoa necessitada acessava o link e identificava as entidades que prestavam o serviço de assistência jurídica na região e na área de atuação que desejava. Isso evitava que enfrentasse filas para descobrir que estava no local errado.

O sistema tinha o pecado de facilitar o que muitos querem dificultar, afinal é por isso o Juizado Especial é criticado também (facilita o que antes “vendiam” como complexo).

O projeto inspira-se também em um sistema norte-americano no qual o governo financia ONGs para divulgarem direitos e informações na internet, e assim o cidadão passa a ter autonomia e não fica refém de interesses corporativistas.

Para alguns setores, quanto mais pobres nas filas e quantos mais presos, mais recursos financeiros recebem e mais se empoderam, uma vez que o carente não é definido (portanto não tem como se organizar), nem tem direito de escolha, logo a "assistência" passa a ser controle. Não há interesse em apurar qual a causa de o número de presos ter dobrado nos últimos dez anos, o que coincide com a estatização da defesa, mas não se sabe se esta é a causa, ou não.

Parte significativa da “justiça gratuita” e “assistência jurídica gratuita” tem sido concedida para questões como meramente patrimoniais como “dano moral” e até em casos de cirurgia plástica estética.

O artigo 12 da lei 1.060/1950 é expresso em determinar que ao final do processo com Justiça gratuita, o Estado tem o direito de cobrar do perdedor, em até cinco anos, as custas (lato sensu), mais amplo que tributos, pois nem tudo é tributo como no caso das perícias. Porém, o Judiciário não cumpre essa norma e não informa ao Executivo a relação de justiças gratuitas concedidas, o que não viola o acesso ao Judiciário, pois cobrado ao final do processo e não no início.

Ultimamente o Ministério da Justiça começa a discutir a possibilidade de se ter vários legitimados para prestar assistência jurídica em vez de apenas um ente. Isso já é um tímido avanço, uma vez que acreditam que a Defensoria é a “Senhora do Sistema “, como disse o Secretário da Reforma do Judiciário em entrevista à Revista Eletrônica Conjur. Porém, essa visão do nobre Secretário é equivocada, pois seria como considerar que pobre tem dono. Apenas por analogia, o Ministério Público não é “dono das ações civis públicas”, pois há mais de 10 legitimados ativos, nem é dono do consumidor, ou seja, apenas integra a rede neste caso, embora tenha autonomia constitucional.

Logo, cabe ao Estado fazer a política de assistência jurídica, e não à Defensoria. Esta exerce importante papel, mas deve integrar a rede de assistência jurídica e não controlar a mesma. A situação é similar ao sistema de defesa do consumidor, isto é, o Ministério Público não é “Senhor do consumidor”, nem “senhor do Sistema de defesa do consumidor”; ou do meio ambiente, ou da infância e juventude, e vários outros.

No entanto, a Comissão de Notáveis montada pelo Ministério da Justiça continua no sentido de “monopólio da miséria” ao apoiar exclusivamente a Defensoria em vez de apoiar o serviço de Assistência Jurídica. De forma bem resumida, seria como apoiar um hospital em vez de apoiar a saúde.

A assistência jurídica sustenta-se em três pilares: a) comprovação da carência econômica, b) atuação por representação processual e não como substituição processual, c) possibilidade de vários prestarem o serviço de interesse social, mas não privativo por se tratar de direito humano fundamental.

O Ministério da Justiça poderia emitir certificados de relevância social do trabalho realizado anualmente através do portal, bem como montar estatísticas de atendimento, pois até hoje não sabemos quantas pessoas são atendidas pelos Núcleos de Prática Jurídica no Brasil, ou seja, MEC e MJ alegam estar preocupados com a qualidade do ensino jurídico, mas não focam na prática do ensino que se dá através dos Núcleos de Prática Jurídica.

Cabe ao Estado fomentar políticas de assistência jurídica, sendo a função  estatal de prestar serviço uma atividade complementar, mas está acontecendo o contrário, o que acaba sendo um modelo totalitário.

Ninguém é obrigado a trabalhar de graça, mas não se pode impedir que os setores que atendem gratuitamente ocupem o seu espaço. 

O Portal da Assistência Jurídica seria apenas para atendimentos gratuitos. Para atender à classe média, melhor seria o governo permitir que as despesas com advogado pudessem ser abatidas no Imposto de Renda, bem como estimular a criação de Planos de Assistência Jurídica com pagamento mensal, o que foi elogiado por Mauro Cappellletti na sua obra já citada e segundo ele, um dos fatores responsáveis pela revolução no acesso à Justiça, pois é comum na Europa e nos Estados Unidos. A rigor, não faz sentido o governo querer estatizar a assistência jurídica para a classe média e deixar a classe baixa refém do monopólio. A Constituição Federal não criou “monopólio de assistência jurídica gratuita” .

Não faz sentido termos “pobre federal”, “pobre estadual” e não termos “pobre municipal” para efeitos de assistência jurídica. O objetivo da República é reduzir a desigualdade social, logo a previdência e o bolsa família reduziram a pobreza e não se pode falar em direitos humanos sem assistência jurídica, portanto todos os Cras (Centro de Referência em Assistência Social) devem ter advogados. Afinal, somos o país que tem a terceira maior média de advogados por habitante do mundo e não é crível acreditar que possa haver falta de assistência jurídica. O que há são regras que violam a livre concorrência e até mesmo o trabalho voluntário.

Com a criação do Portal de Assistência Jurídica nós teríamos mais de mil faculdades integradas prestando assistência jurídica aos carentes, quase seis mil municípios prestando assistência jurídica, milhares de ONGs, milhares de advogados voluntários (advocacia probono), além dos Defensores Públicos e todos estes setores trocando experiência e o cidadão com informação on line, uma espécie de “e-assistência jurídica” em uma sociedade de conflitos de massas e repetitivos, em que a informação não pode ser monopólio.

Por fim, ressalta que a criação do Portal de Assistência Jurídica, sem monopólios, permitiria uma revolução no acesso à Justiça e o Ministério da Justiça deve fomentar a política pública reforçando a autonomia do carente ao permitir o direito de escolha e exigir a comprovação da carência, e fixando alguns parâmetros mais objetivos que podem se suplantados se houver fundamentação como uma doença crônica que gere gastos excessivos, apesar de um salário alto, bem como necessidade de se cumprir o artigo 12 da lei 1.060/1950.

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