Defesa da Concorrência

Novo Cade completa um ano com saldo positivo

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29 de maio de 2013, 7h10

O dia 29 de maio de 2013 será marcado como o primeiro aniversário de vigência da Lei 12.529/2011, a nova Lei de Defesa da Concorrência. Antes, contudo, de breve discussão acerca dos sucessos e desafios da nova legislação, vale reconhecer que, não obstante todo ceticismo acerca de sua implementação, o balanço deste primeiro ano foi bastante positivo. 

Inicialmente, cabe menção ao Plano Plurianual (PPA), que objetiva o aperfeiçoamento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e a reestruturação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Dentre os objetivos do programa estão a criação de parcerias com outros órgãos da administração pública e entidades internacionais e aperfeiçoamento dos procedimentos investigatórios da autoridade concorrencial. A agenda estabelecida prevê, dentre outros itens, a implantação de laboratórios de análise e investigação de cartéis em todas as regiões do país, a redução de 50% do estoque de investigações nos setores de combustíveis e saúde, a revisão dos procedimentos instrutórios visando reduzir seu tempo de tramitação e a revisão dos programas de leniência e de compliance. 

Ao analisar-se a nova estrutura operacional do Cade, constata-se que sua subdivisão em Tribunal Administrativo, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos tornou o trabalho da autoridade mais eficiente e célere, na medida em que não mais se verifica duplicação de análises. Ainda, o Cade tem promovido triagem mais eficiente nos casos submetidos, alocando-os de acordo com a natureza do procedimento e setor envolvido, criando-se certo grau de especialidade nas diversas matérias dentro do sistema. 

No que tange à atuação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), com sua residual função de promoção da advocacia da concorrência, a percepção que se tem é que pouco se promoveu neste sentido, talvez pela falta de instrumentos mais aptos a tais fins. Espera-se, desta forma, maior planejamento, atuação e diálogo da Seae com os mais diversos órgãos e instituições, não somente alertando-os para efeitos colaterais de novos atos normativos ou executivos, mas advogando em prol dos necessários ajustes. A aproximação da Seae com as Casas Legislativas, especificamente com suas Comissões de Acompanhamento Econômico e Constituição, Justiça e Cidadania, revisando e auxiliando na discussão de atos legislativos federais, seria um bom começo. Da mesma forma, seria interessante maior aproximação da Seae com as diversas agências reguladoras, que invariavelmente devem abordar temas de livre concorrência na sua atividade regulatória ex ante. 

Naquilo que, vislumbra-se, tenha sido a mais profunda alteração da nova lei — a introdução do controle prévio de concentrações — em que a Superintendência Geral passou a desempenhar papel essencial, tornando-se a grande responsável por instruir, bem como decidir as operações de menor complexidade notificadas, reconhece-se o bom trabalho e empenho do órgão, contribuindo para análises mais eficientes e céleres, e consequente redução do estoque de casos no Cade. 

Mediante um trabalho de maior complexidade exigido por parte das empresas e seus advogados, que devem fornecer quantidade e profundidade de informações sem comparativo com o regime anterior, as autoridades têm sido capazes de concluir sua análise acerca dos efeitos concorrenciais das operações em prazos bastante razoáveis. 

Em balanço feito no final de 2012 pelo Cade, verificou-se que o tempo médio de análise das operações foi reduzido de 154 dias para 19 dias nos casos sumários, e 48 dias para casos mais complexos, que são julgados pelo Tribunal do Cade. Restaria ainda avaliar casos, sob a nova lei, que demandem complexa negociação de remédios para sua aprovação condicionada, como casos mais recentes em que a Superintendência Geral propôs remédios estruturais,[1] e casos de grande concentração que se encontram em fase de submissão.[2] 

Deve-se ainda observar que, em paralelo à força-tarefa dentro do SBDC para redução dos estoques acumulados de atos de concentração, a quantidade de casos notificados sob a vigência da nova lei reduziu-se significativamente. A razão para tanto reside no significativo aumento dos valores de faturamento dos envolvidos, bem como à abolição do critério de participação de mercado relevante — acima de 20% — elementos que devem ser analisados para verificar-se a obrigatoriedade de notificações. 

Considerando-se o período de maio de 2011 a maio de 2012, anteriormente, portanto, à entrada em vigor da nova legislação concorrencial, foram julgados 838 atos de concentração. No entanto, com a alteração dos critérios de notificação das operações, entre junho de 2012 e março de 2013 foram julgados 400 atos de concentração, a grande maioria ainda sob a vigência da lei anterior. 

Se por um lado tem-se a percepção de que menos casos sem relevância concorrencial tem chegado ao SBDC, que pôde adequar de forma mais apropriada suas funções aos seus recursos, focando ainda na análise de casos com real potencialidade danosa, por outro tem-se também percepção crescente de que verdadeira imunidade concorrencial tem-se reconhecido a determinados setores econômicos. 

Faz-se necessário, neste sentido, constante monitoramento por parte não somente do Cade, mas dos agentes econômicos em geral, a fim de se identificar as operações que, não obstante não atinjam os critérios de faturamento, possam trazer risco de limitação da livre concorrência, a fim de que sejam requisitadas para análise, conforme possibilidade trazida pela nova lei. 

Assim, em paralelo à relativa limpeza de estoque de atos de concentração mais antigos, menos operações sendo notificadas e maior atenção por parte da Superintendência-Geral e Tribunal aos casos de maior relevância, nas investigações de condutas tem-se verificado esforço na resolução de investigações que tramitam há muitos anos no Sistema, muitas das quais não trazem fortes indícios de infrações concorrenciais. 

Ao contrário do que se poderia esperar, não tem havido grande celeridade na abertura de novas investigações. Contudo, percebe-se movimento por parte das autoridades no sentido de empregarem maior atenção ao mercado nacional e condutas ilícitas nele verificadas, considerando ainda a maior potencialidade que possuem de afetar a livre concorrência, bem como às investigações de conluios em licitações públicas locais. [3] 

Neste sentido, vale mencionar que casos de cartéis tipicamente nacionais não vinham sendo, historicamente, o foco das autoridades de defesa da concorrência brasileiras. A política era diversa, e focada na internacionalização da atuação do Cade, através da abertura de investigação de cartéis internacionais. E à sua maneira, não há como se negar que tal política obteve sucesso, na medida em que definitivamente o Brasil entrou no radar das leniências multijurisdicionais. 

Por sua vez, investigações de abuso de poder de mercado, que sem dúvida demandam trabalho mais intenso e complexo por parte das autoridades, tem sido deixadas em segundo plano há algum tempo. As cláusulas contratuais abusivas das Unimeds tem representado parcela substancial desta modalidade de conduta investigada pelas autoridades. Em março de 2013, por exemplo, o Conselho julgou 93 casos envolvendo cooperativas médicas em uma única sessão, sendo que outras condutas envolvendo fixação de preço de revenda ou sugestão de preços, por exemplo, representaram números bem mais modestos. 

Alguns entendimentos trouxeram receio, contudo, aos administrados. Exemplo disso foi a interpretação legal do Cade acerca da caracterização de certas condutas. No caso de fixação de preço de revenda e de sugestão de preços por parte de sindicatos ou associações, a autoridade concorrencial trouxe inovação jurisprudencial ao promover a distinção entre condutas que tenham por objeto restringir a livre concorrência e condutas que, não tendo tal propósito, ainda assim possam ter a capacidade de produzir tal restrição como efeito.[4] O resultado prático desta interpretação reduz o trabalho das autoridades nestas modalidades de infração, uma vez que não se faria necessário provar seus efeitos, presumindo-se sua ilegalidade e invertendo-se o ônus da prova em detrimento do administrado. 

Espera-se, diante de tal posicionamento, maior tendência de judicialização das decisões do Cade. Se por um lado é evidente a preocupação das autoridades concorrenciais com a evolução da legislação brasileira e com sua interpretação, por outro existem preceitos constitucionais e princípios processuais que devem ser levados em consideração em qualquer tipo de decisão, seja ela administrativa ou judicial. Da mesma forma, espera-se maior desenvolvimento da prática de ações de reparação de danos resultante infrações concorrenciais, em especial carteis. À exemplo de diversos países, dentre os quais os Estados Unidos e a União Europeia, observa-se que cabe ao sistema judiciário a lapidação das decisões do SBDC. 

Como era de se esperar, com a introdução do novo regime, diversas questões se colocam e intenso tem sido o trabalho do Cade em regulamentá-las. Neste sentido, o Regimento Interno, aprovado em 29 de maio de 2012, cumpriu seu papel de trazer esclarecimento e maior previsibilidade a parte de diversas destas questões. Da mesma forma o fizeram outras Resoluções editadas pelo Cade.[5] 

Porém, enquanto o Cade trabalha em seu novo guia de análise de concentrações horizontais e de restrições verticais, ainda restam definições de grande controvérsia para o Conselho, como o esclarecimento de diversas questões envolvendo notificações de operações de fundos, demasiadamente abrangentes, bem como questões de definição de conceitos relativo a contratos associativos. Novas resoluções são esperadas neste sentido. 

Recente reforma feita pelo Cade também diz respeito a alterações na sua política de negociação de termo de compromisso de cessação — os conhecidos TCCs. O requisito compulsório de cooperação, contribuição e, especialmente, confissão, para que haja qualquer tipo de acordo com as autoridades em casos de cartel, encerrando-se a investigação com relação ao proponente, tende a reduzir, na opinião de muitos, os incentivos para negociações. A exposição criminal e cível para ações de reparação de danos pesará ainda mais na decisão das empresas. Tratou-se, portanto, de uma resolução que de fato reforça a importância do instituto da leniência, ao elevar o ônus de uma negociação de TCC a posteriori. Por outro lado, trouxe a reforma maior previsibilidade nas reduções de penas decorrentes de tais acordos. 

Em resumo, ainda que se possa identificar elementos que merecem maior cuidado por parte das autoridades de defesa da concorrência, o balanço deste primeiro ano de aplicação da Lei 12.529/2011 é bastante positivo. O medo do novo, inerente à tradicionalista sociedade brasileira, dá espaço a uma relação de maior respeito e diálogo entre a administração e seus administrados. Os mecanismos introduzidos têm funcionado, pendentes, contudo, de certos ajustes, inevitáveis. Espera-se, somente, que tais ajustes venham ao longo do segundo aniversário da lei.


[1] Ato de Concentração nº 08700.006437/2012-13 – WP Roaming III S.à.r.l. e Syniverse Holdings Inc. Ato de Concentração nº 08700.009882/2012-35 – Munksjo AB e Ahlstrom Corporation.

[2]  A operação entre Kroton Educacional e Anhanguera Educacional anunciada em abril de 2013 deve ser notificada em breve ao CADE.

[3]  Em março de 2013 a Superintendência – Geral do CADE promoveu operação de busca e apreensão no âmbito da investigação de suposto cartel no mercado de farinha de trigo no nordeste brasileiro. Em fevereiro de 2013 foi instaurada investigação para apuração de cartel em licitações públicas para a contratação de serviços de tecnologia da informação no Distrito Federal. Em novembro de 2012 foi instaurada investigação para apurar suposto cartel no mercado de transporte coletivo de passageiros sob regime de fretamento na região de Campinas – SP. No mesmo mês foi realizada operação de busca e apreensão em diversas cidades brasileiras para apurar a prática de cartel no mercado de silicatos. Em setembro de 2012 foi realizada operação de busca e apreensão no âmbito de investigação de suposto cartel entre empresas salineiras do Estado do Rio Grande do Norte. No mesmo mês também houve busca e apreensão referente a investigação de cartel em licitações para a compra de uniformes, mochilas e material escolar no Estado de São Paulo. 

[4] Processo Administrativo nº 08012.001271/2001-44 (Procon-SP x SKF do Brasil Ltda.) e Processo Administrativo nº 08012.006923/2002-18 (SDE x Associação Brasileira de Agências de Viagens do Rio de Janeiro – ABAV/RJ).

[5] Resolução n. 2, de 29 de maio de 2012, trata do conceito de controle e grupo econômico; a Resolução n. 5, de 6 de março de 2013, disciplina os procedimentos relativos ao termo de compromisso de cessação; já a Resolução n. 6, de 3 de abril de 2013, trata da forma de fiscalização das decisões e acordos.

 

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