Justiça Comentada

Relevância fundamental da escolha de membro do STF

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24 de maio de 2013, 16h26

Spacca
A escolha de um novo ministro do Supremo Tribunal Federal pelo presidente da República sempre traz à tona a discussão sobre as vantagens e desvantagens do procedimento constitucional tradicionalmente adotado nas Constituições brasileiras desde 1891. Todo processo de investidura dos novos membros do STF, desde a escolha até a posse, passando pela aprovação pelo Senado Federal e a nomeação, seguiram o modelo americano, onde a Suprema Corte compõe-se, desde 1869, de nove juízes escolhidos pelo presidente da República, inexistindo constitucional ou legalmente a exigência de requisitos capacitários para a nomeação de seus membros — que é de escolha eminentemente política do presidente e aprovação pelo Senado.

A inexistência de requisitos objetivos de capacidade permite que, nos Estados Unidos, a escolha presidencial possa recair sobre qualquer americano, inclusive naqueles que não tenham formação jurídica, apesar de, historicamente, somente esses terem sido escolhidos. Há, porém, uma particularidade nas primeiras escolhas para a Corte, em que predominavam os juízes que haviam estudado com advogados praticantes, ou seja, submetidos a aprendizado fora das faculdades de Direito, tendo o juiz James Ryrnes sido o último a ser escolhido dessa forma, em 1941.

É importante ressaltar que a maioria dos juízes nomeados para a Suprema Corte participava ativamente da vida política norte-americana, sendo suas nomeações frequentemente caracterizadas por influências e disputas políticas entre os dois grandes partidos, Democrata e Republicano.

A história demonstrou que esse método de investidura norte-americano acaba possibilitando ao presidente da República exercer forte influência, ainda que indireta, na interpretação constitucional. É o que se verifica, por exemplo, nos diversos períodos históricos, e que a Corte consolidou a centralização do poder da União e a supremacia do controle jurisdicional (Corte de Marshall, até 1835); formou as teorias políticas e econômicas da Constituição (1835 a 1895); agiu como árbitro da vida jurídica e das diretrizes nacionais (1895 A 1937 – fase, inclusive, onde se cunhou a expressão governo dos juízes); passando a dedicar-se imperativamente à defesa dos direitos fundamentais (após 1937 e, principalmente, durante a presidência do Chief Justice Earl Warren, de 1953 a 1969).

Esse modelo foi importado para o Brasil com a proclamação da República, que criou e organizou o Supremo Tribunal Federal — a partir do aproveitamento de membros do Supremo Tribunal de Justiça do Império — pelo Decreto 848, de 11 de outubro de 1890.

Como seu paradigma norte-americano, o Supremo Tribunal Federal nasceu com o papel de intérprete máximo da Constituição republicana e, nas diversas constituições, inclusive a de 1988, jamais houve previsão de requisitos capacitários objetivos para nomeação de seus membros, sendo, inclusive, a ausência de exigência de formação jurídica uma constante nos textos constitucionais. Isso chegou aos extremos de exagero em 21 de outubro de 1893, quando foi nomeado para ministro na vaga do Ministro Barradas, durante o recesso parlamentar, o médico clínico Cândido Barata Ribeiro, que tomou posse e exerceu o cargo durante quase um ano, enquanto se aguardava a confirmação de sua nomeação pelo Senado Federal, que, afinal, a rejeitou.

Os únicos requisitos exigidos para que o presidente da República possa escolher os ministros da Corte, que devem ser aprovados por maioria absoluta do Senado Federal, são: serem brasileiros natos, no gozo dos direitos políticos e possuírem notável saber jurídico e reputação ilibada — sendo esse requisito capacitário (notável saber jurídico) caracterizado pela excelência de conhecimentos possuídos pelo escolhido na área jurídica, mas interpretado tão somente pelos órgãos que participam de sua escolha, ou seja, o presidente da República e o Senado Federal.

Não restam dúvidas, portanto, que no Brasil, igualmente aos Estados Unidos, a ampla discricionariedade na escolha dos membros da Corte, garantirá forte influência indireta do presidente da República nos rumos da interpretação constitucional. Isso se dá, inclusive, em relação a efetividade dos Direitos Fundamentais, ao Ativismo Judicial, aos limites de atuação do próprio Poder Executivo e ao relacionamento do Judiciário com o Legislativo — problemáticas atuais na República brasileira. Foi o que verificamos, por exemplo, em decisões importantíssimas relacionadas ao impeachment, à definição do racismo, ao aborto de feto anencéfalo, as células-tronco, a extradição, ao princípio da presunção de inocência, ao processo legislativo, atuação do CNJ, união estável homoafetiva, entre outras.

Essa ampla discricionariedade constitucionalmente consagrada constantemente é criticada jurídica e politicamente. Isso porque esse método, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos, ou ainda em diversos países latino-americanos que o adotam, acaba por permitir a escolha de um candidato a Corte Suprema tanto por critérios objetivos de competência e ética, como também por preferências políticas, recompensa a associados políticos e pessoais e busca de futuro apoio político.

A conjuntura político jurídica brasileira necessitava da indicação de alguém que, ao longo de sua brilhante carreira acadêmica e vitoriosa atuação profissional, sempre soube valorizar a ideia de complementaridade entre democracia e Estado de Direito como a premissa básica da legitimidade da justiça constitucional, com absoluto respeito ao Poder Legislativo. A democracia consubstancia-se no governo da maioria, baseado na soberania popular, mas também com observância efetiva ao texto constitucional, uma vez que o Estado de Direito consagra a supremacia das normas constitucionais, o respeito aos direitos fundamentais e o controle jurisdicional do Poder Estatal, não só para proteção da maioria, mas também, e basicamente, dos direitos da minoria.

A atuação de Luís Roberto Barroso como professor e advogado sempre foi nesse sentido, concordemos ou não com todos os posicionamentos por ele defendidos — e certamente será assim sua atuação como ministro do STF: técnica, competente, respeitosa, apaixonada e independente.

A presidente Dilma Roussef merece todo o agradecimento da sociedade e o respeito das instituições republicanas pela escolha do professor Luís Roberto Barroso, pois concedeu objetividade ao requisito constitucional do “notável saber jurídico”, optando por critérios objetivos de competência e ética para a indicação do novo membro de nossa Corte Suprema. Parabéns, presidente!

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