Distribuição da Justiça

Papel do juiz extrapola a função de mero julgador

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21 de maio de 2013, 7h00

O juiz não pode ser apenas um aplicador das leis ou mero abatedor de processos na sociedade atual. Mais complexa que a busca da Justiça é a sua distribuição. E, por isso, o juiz não deve ser o herói da história em que os personagens principais são as partes. O magistrado deve trilhar o caminho de normas e procedimentos simples para solucionar casos dentro da razoável duração do processo, como prevê a Constituição. Se isso não acontece, o risco é a Justiça se tornar inacessível — como reconhece a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O artigo 6º, parágrafo 1º, da Convenção, afirma que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial”. Caso contrário, a Justiça se torna inacessível.

A sociedade brasileira anseia por um Judiciário bem mais humanizado e muito menos burocratizado. Como ponte entre o cidadão e as leis, o juiz deve ser o mais objetivo possível nas suas atitudes do cotidiano e até mesmo em suas sentenças. O ideal de Justiça tem de ser procurado a cada instante com simples questionamentos. O juiz pode indagar-se a todo o momento sobre o que fazer para melhorar a eficácia da vara em que atua. E as respostas podem ser buscadas em conjunto com a sua equipe. Além disso, é sempre importante estar atento a observações dos advogados, que afinal sentem na pele toda a burocratização de atos e procedimentos. E, como representam as partes, estão antenados também com a visão da sociedade em geral.

O juiz precisa usar as suas armas para enfrentar as barreiras que existem para o obstáculo ao acesso ao Poder Judiciário. E essas armas, obviamente, devem ser utilizadas sem ferir a imparcialidade e a ética. O ideal é usar princípios da administração para conferir eficiência na vara em que atua. E pode até mesmo valer-se da visão do direito empresarial — dentro dos limites da administração pública claro. Neste sentido, é inspiradora a atitude do ministro Ricardo Lewandowisk, do Supremo Tribunal Federal. O seu gabinete teve reconhecida a eficiência na gestão. Conquistou o ISO 9001. O certificado é emitido pelo Instituto Falcão Bauer da Qualidade e atesta a gestão de qualidade. O ISO 9001 é um conjunto de regras que servem para orientar empresas e instituições a qualificar produtos e serviços ao público. No caso do Poder Judiciário, o foco é na gestão, na qualidade e na celeridade dos serviços prestados para a população. Este certificado deveria ser uma das metas de todos os juízes do país.

São atitudes como a do gabinete do ministro Ricardo Lewadowski que podem fazer toda a diferença na Justiça. A falta de uma reforma processual, para reduzir a burocracia do Judiciário, não deve jamais servir de desculpa para a ineficácia na prestação jurisdicional. O juiz deve ter visão ampla e ser múltiplo em suas tarefas. Assim, poderá fazer pequenas reformas estruturais e de gestão para tentar minimizar os problemas burocráticos existentes na vara em que atua. Às vezes, com atitudes simples, é possível reduzir em horas ou em dias o tempo em que o processo fica no local. E é neste foco que o juiz da atualidade deve se concentrar.

O papel do juiz de hoje não pode mais ser comparado ao do magistrado do passado. Há novas demandas e milhares de processos esperando por decisões de um juiz em sintonia com o mundo atual. A criatividade, aliada a soluções práticas no cotidiano, podem fazer toda a diferença na gestão. O reflexo imediato será sentido por servidores, advogados e partes consequentemente. A formação interdisciplinar torna-se, neste contexto, ainda mais importante. Afinal, é difícil o juiz ser gestor se não estiver conectado com a interdisciplinariedade para a otimização dos serviços prestados aos jurisdicionados.

O pensamento do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Agostinho Beneti, sobre gestão resume de forma objetiva como deve ser a postura do magistrado. Em seu livro Da conduta do juiz (São Paulo: Saraiva, 1997, p. 12), ele afirmou: “O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha deprodução e o produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e a execução. Como profissional de produção, é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e de dirigir o processo – que implica orientação ao cartório. (…) Como um gerente, o juiz tem seus instrumentos, assim como um fabricante os seus recursos. São o pessoal do cartório, as máquinas de que dispóe, os impressos. É o lugar em que trabalha; são os carimbos, as cadeiras, o espaço da sala de audiências e de seu gabinete; são a própria caneta, a máquina de escrever, o fluxo de organização dos servço e algumas coisas imateriais”.

A principal preocupação do magistrado, guiado pela ética, deve ser a distribuição célere da Justiça. O principal desafio, dentro deste contexto, é aprender a se comunicar com as partes, com os advogados e com seus servidores. Desta forma, indiretamente, estará dialogando com a própria sociedade. A evolução do diálogo é essencial neste cenário.

A autora americana Mary Parker Follett tratou muito bem do diálogo necessário nas relações. Para ela, as relações entre as pessoas estão em constante modificação e o simples contato já altera a forma como um vê ao outro. Uma pessoa, ao receber influência de outra e ao formular uma opinião, já inclui essa nova percepção no seu discurso, segundo a autora. E essa nova percepção ao ser recebida pela outra pessoa irá alterar a forma como esta pensa, num ciclo contínuo e vicioso, de acordo com Follett.

Com base nos pensamentos da autora americana, é possível concluir que o diálogo é um dos principais elementos na busca por Justiça. Além disso, o juiz precisa ter uma visão mais humana da sociedade para até mesmo pensar em formas de adotar simples procedimentos que possam refletir na celeridade processual. O mundo conteporâneo exige que o magistrado não fique em uma redoma de vidro em seu gabinete. O seu papel vai muito além da análise de processos.

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