Justiça Tributária

O crime não compensa e quem procura acha

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

20 de maio de 2013, 8h00

Spacca
Já estamos próximos de completar dois anos discutindo neste espaço questões relativas à Justiça Tributária e ainda longe de esgotarmos o assunto. Trata-se de questão que nos parece interminável, ante a fúria arrecadatória de nossos governantes em todos os níveis, amparada na omissão sistemática da maioria de nossos legisladores, que só enxergam seus próprios interesses.

Tal quadro torna-se ainda mais grave quando, além de transformar a tributação em confisco que inibe mais investimentos, os contribuintes somos submetidos a uma burocracia absurda, plena de subjetivismos e armadilhas que viabilizam interpretações ao gosto de cada um. 

Com isso, os tributos confiscatórios e as normas que os regulam acabam por proporcionar a qualquer meliante ou desequilibrado, que esteja no exercício de uma função pública, criar  sua própria norma, ignorando o texto expresso da lei, o direito do cidadão e mesmo a própria realidade do que está à frente de seu nariz. 

Vê-se o contribuinte, então, com uma última esperança: a força da deusa Themis, a proteção do nosso Judiciário que, sem dúvida alguma, ainda é o melhor dos três poderes da república, embora a perfeição não exista na criatura humana. 

Mas  muitas vezes o prédio do fórum traz na porta a inscrição que Dante viu na do inferno: “Perdei toda esperança vós que entrais!”

O executivo faz o que quer, ignorando a Carta Magna e tratando o legislativo como balcão de negócios. Parte do legislativo troca votos por empregos e verbas. O Judiciário busca teorias num inútil festival de ostentação cultural que inviabiliza a justiça, preocupado com pompa e circunstância, palácios, capas pretas e títulos nobiliárquicos que não fazem sentido neste século.

Enquanto isso, a sociedade sofre confisco, enlouquece na burocracia esquizofrênica, assiste ao enriquecimento ilícito de seus algozes e perde suas esperanças na Justiça, onde até o passado é imprevisível. 

Mas viver é preciso. E assim sendo, muitos não desistem e, se não encontram outra solução, aderem ao sistema vigente. Apesar disso, nenhum crime compensa. Sonegação e corrupção são crimes e não constituem exceção à regra: não compensam.

Se não há compensação, há estímulos: a tradição de impunidade;  o enriquecimento fabuloso de ocupantes de cargos públicos transformados em bilionários; a certeza de que cúmplices acobertarão o ato se descoberto; e, afinal, saber que a tartaruga é o animal símbolo do nosso Judiciário, conforme pesquisa já realizada.

A falta de caráter das pessoas não tem limites e as que se deixam vender sempre valem muito menos do que recebem, ainda que recebam quase nada.

Corrupção e sonegação não são tipicamente brasileiros, como as jabuticabas, mas delitos universais. Vieram inicialmente com os degredados portugueses, pois a tal nobreza lusitana só existia nos campos miseráveis, não nas cortes sujas e depravadas que mandaram alguns dos seus para cá. Os demais imigrantes também não eram e não são selecionados. Muitos vem para trabalhar, outros para pilhar, roubar, fraudar, ainda que em alguns casos com o codinome de investidores.

A criatura humana não é perfeita e as instituições da sociedade podem torná-la pior. Esta é uma discussão filosófica que não cabe ou interessa neste contexto. Retornemos ao foco.

Os crimes de sonegação e corrupção estão interligados. Os que os praticam não podem atribuir o comportamento a outrem, mas a eles são assegurados todos os direitos de qualquer pessoa: presunção de inocência, devido processo legal, direito ao contraditório, indispensabilidade de provas etc. 

Diante disso tudo, já se disseminou no país a indústria desses crimes. Ao que parece, mais uma indústria em crise. 

Com o avanço da tecnologia, torna-se cada vez mais difícil ocultar a verdade dos fatos econômicos. Estamos na era da nota fiscal eletrônica, do Sped e dos sistemas de transmissão imediata de dados, mesmo nos pequenos negócios.

Para as micro e pequenas empresas o custo da informática já está suportável, mas o trabalho de profissionais de contabilidade pode onerá-las excessivamente. Assim, os incentivos que recentemente foram ampliados são adequados e justos, pois os pequenos empreendedores representam uma grande força transformadora da economia, indispensável até mesmo para proteger os negócios internos, ante eventuais pressões de oligopólios estrangeiros que os pretendam destruir por qualquer razão.

Mas é necessário que mesmo as pequenas e médias empresas não se deixem envolver ou iludir com propostas de delinquentes que possam estar ou não acumpliciados com servidores públicos, ou mesmo que se apresentem como intermediários de supostas autoridades, trazendo-lhes propostas de milagres que os liberem de qualquer tributo. Isso nunca acaba bem. O servidor vai encontrar com facilidade quem o defenda ou acoberte e a autoridade muitas vezes é inatingível. A corda vai arrebentar na mão do mais fraco: o empresário, que vai tentar culpar o contador. Melhor afastar-se desse cálice, pois aí só tem veneno.

Tal recomendação vale também para a pessoa física. Há notícias segundo as quais muitos desavisados foram iludidos por contadores que por sua vez eram cúmplices de servidores públicos, com o que falsos recibos de despesas médicas teriam sido utilizados para abatimento no IRPF. Não se esqueçam, meus caros, que nesses casos há dois crimes: sonegação e falsidade ideológica. Pior: há fortes indícios que os controles tributários aumentem e haja mais rigor na apuração desses crimes. 

Esse aperto de fiscalização e mesmo um maior rigor no combate à sonegação, são fatos positivos e devem ser incentivados pelas pessoas de bem, como adiante demonstramos.

Nossa carga tributária já está se aproximando do limite do insuportável, quase a 40% do IPI, e isso prejudica nossa economia. No entanto, o país necessita de recursos para os investimentos necessários com saúde, educação, infraestrutura etc.

Reduzir despesas de custeio (funcionários, por exemplo) seria muito bom, mas é difícil, não só em face de problemas legais, mas principalmente diante das características do país. Se queremos uma democracia que funcione, temos que arcar com seu custo. Dizem que isso custa muito, mas sua falta custa muito mais. Ninguém pode avaliar corretamente o prejuízo que já sofremos quando nossas instituições democráticas não estavam funcionando. 

Este é um país onde há muito  que fazer, além de consertar o que foi mal feito e terminar o que ainda está inacabado. Para isso precisamos de recursos financeiros. Se não é possível aumentar os impostos, mas ao contrário precisamos reduzi-los, não podemos permitir sonegação e devemos punir a corrupção.

Aliás, quando se fala em punir corrupção, não basta demitir ou mesmo prender o corrupto, mas também é indispensável recuperar aquilo que foi desviado do patrimônio público. Quem roubou tem que devolver.

Tem mais: devemos reconhecer que a complexidade de nosso sistema tributário permite, favorece e estimula discussões intermináveis sobre sua legitimidade, forma de recolhimento, alcance etc. Para acabar com tais dificuldades, temos que torna-lo menos complexo.

Temos hoje dois impostos de valor agregado sobre o consumo, o que é inviável numa economia sadia.

O IPI foi implantado em 1967 (com a EC 18/65) para substituir o antigo Imposto sobre o Consumo, trazendo como novidade o princípio da não cumulatividade, que garantia créditos nas entradas dos produtos e matérias primas que integravam o processo industrial. Suas alíquotas variam conforme a essencialidade dos produtos.

O então ICM, também criado pela EC 18 e em vigor a partir de 1967, tinha alíquotas fixas, que não variavam a não ser em relação ao destino das mercadorias (para operações internas ou interestaduais) e com a CF de 1988 passou a denominar-se ICMS, incorporando alguns serviços não alcançados pelo ISS, como os de transporte, telecomunicações e eletricidade. Com isso, suas alíquotas chegaram a até 25% (que no caso da eletricidade chega a 33% por causa da formula de cálculo), tornando-se o imposto de maior arrecadação do país, de competência dos estados e de cuja receita os municípios recebem 25%.

Ora, não existe qualquer razão para que um imposto sobre valor agregado seja dividido em dois, um federal e outro estadual, ambos incidindo sobre o consumo. Isso acaba afetando os mais pobres, na medida em que são essas pessoas que gastam a maior parte de seus rendimentos com artigos de consumo.

Já em 1970, um Grupo de Trabalho sobre estudos de tributação do Ministério da Fazenda propôs a fusão do IPI com o ICM, como forma de corrigir o equívoco que com o tempo se agravou. O projeto foi engavetado, eis que não se contava com adequados mecanismos de compensação para a possível queda de receita federal que a medida causaria. Os estudos sobre um possível imposto sobre grandes fortunas ainda não haviam sido sequer iniciados.

Com a CF de 1988 foi instituído o imposto sobre grandes fortunas, mas até hoje ele não foi regulamentado, sempre sob o argumento de que estimularia fuga de capitais. Ao que parece tal possibilidade não existe mais, pois o que vemos hoje é fuga de capitais para cá, não de cá para outro lugar, face a insegurança da economia mundial.

Se queremos mesmo Justiça Tributária, temos que cobrar mais imposto de quem tem mais, inclusive implantando o de grandes fortunas. 

Além de cobrar corretamente os impostos, impedir a sonegação e punir a corrupção, devemos controlar os gastos e investimentos em volumes compatíveis com nossa realidade. Isso tem a ver com adequada utilização do dinheiro que é de todos.

Decorre dessa obrigação não permitir obras desnecessárias ou exageradamente luxuosas.  Não há necessidade de que repartições públicas, por mais relevantes que sejam os serviços que prestem, estejam sediadas em palácios. Grandes complexos de prédios que prestem serviços públicos, como os do judiciário, por exemplo, poderiam  agrupar-se nas proximidades de estações do metrô, em edifícios de pouca altura, acessíveis de preferência através de escadas rolantes, dando mais segurança e acessibilidade ao povo, com custos menores. O atual fórum criminal da Barra Funda é um bom exemplo disso. Teríamos bons serviços, com menores custos e sem desvios.

Os desvios de verbas públicas evidenciam que os fatos que nos causam prejuízos não são causados por determinados grupos de pessoas. Não parece existir uma sistemática de desvios, mas tão somente numa ausência de politica séria no sentido de usar de forma mais parcimoniosa o que é do povo.

Quando há desvios, o numero de responsáveis é grande. Ninguém aplica grandes golpes sozinho e nesses casos não há batedores de carteiras, mas no mínimo chefões de organizações criminosas.

Políticos não são bobos, nem nomeiam assessores ou secretários para que estes fiquem alheios ao que se passa ao seu redor.

No serviço público existem ou devem existir mecanismos de controles sobre o patrimônio dos servidores.  Não é novidade que servidores públicos chegam em alguns casos a ostentar sinais exteriores de riqueza incompatíveis com seus vencimentos. Um acompanhamento ainda que superficial disso pode indicar fatos a investigar. Se é certo que o crime não compensa, também é certo que quem procura acha.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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