Desconstrução do setor

Nova lei deve zerar jurisprudência sobre mineração

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18 de maio de 2013, 8h56

Uma tempestade se ensaia no horizonte do regime jurídico da mineração brasileira. Essa é a visão do setor produtivo em relação à proposta para um novo marco regulatório da mineração anunciada em 2010 pelo governo federal. A elaboração do novo marco ficou a cargo do Ministério das Minas e Energia e começou a ser concebido ainda no segundo mandato do governo Lula.

Em encontro realizado na sede do escritório Pinheiro Neto em Brasília, representantes da indústria mineral, geólogos e advogados expressaram sua preocupação em relação a um futuro próximo descrito como desolador. A razão alegada para tamanho pessimismo é a falta de transparência do governo ao conduzir uma “revisão extrema” da legislação mineral no Brasil. A falta de diálogo com o setor, a ausência de iniciativas de promover debates com a sociedade civil, sobretudo com entidades científicas, acadêmicas, insitiuições privadas de classe e sindicatos da área são alguns dos motivos para alarme.

Mas o que mais preocupa o setor são as justificativas do governo para a reforma da legislação mineral. São ideias alheias, segundo eles, a dados objetivos. Trata-se de conclusões comprometidas por uma visão ideologizada e preconceituosa da área da mineração, apontaram os participantes do encontro ocorrido em Brasília há pouco mais de uma semana.

Representantes do setor afirmam que o esforço de mudar as regras de acesso ao subsolo do território nacional tem o intuito de permitir ao governo uma maior participação e capacidade de intervenção na área. A ameaça é nada menos do que a própria “descontrução do setor mineral no Brasil”, alertam.

Trata-se, na visão deles, de uma “solução de continuidade”, isto é, fazer com que a jurisprudência sobre mineração no país seja zerada, sob a desculpa de se combater “especuladores sem responsabilidade social”, rótulo facilmente colado aos pesquisadores e empreendedores da área, apontam empresários e representantes do setor de prospecção mineral.

“O cenário, tal como está desenhado, é desolador”, lamentou Elmer Prata Salomão, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), durante o encontro. “A mineração é um ente desconhecido no governo”, acrescentou Marcelo Ribeiro Tunes, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração, sobre a falta de know-how do governo na área.

Tunes alerta que qualquer mudança no regime de outorga de direitos de pesquisa e exploração mineral no Brasil não pode por em risco, em primeiro lugar, a segurança jurídica, os direitos já adquiridos e a atratividade do setor para investimentos internos e internacionais.

O novo marco regulatório da mineração no país deverá ser efetivado por meio de uma Medida Provisória. As mudanças envolvem três pontos essenciais: o regime de outorga, ou seja, transformações no modelo de concessão dos direitos de pesquisa mineral e lavra (a exploração em si), mudanças na tributação do setor e uma radical alteração na estrutura administrativa dos orgãos governamentais que regulamentam a mineração.

Um dos principais pontos de aprensão das empresas de pesquisa mineral é a criação de uma nova agência do governo, a Agência Nacional de Mineração, a ANM, que deverá substituir o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNMP), vinculado ao Ministério das Minas e Energia.

O quadro, portanto, é o de dúvida quanto à natureza da mudança legislativa somado à incerteza acerca da criação de uma nova agência nacional, um órgão que terá de ser implantado e estruturado em um processo complexo de reorganização patrimonial.

“Toda a informatização do DNPM, que levou 25 anos para ser construída, será descontinuada e arquivada porque é toda baseada na sequência de uma legislação mineral que não existirá mais”, apontou Elmer Prata Salomão durante o encontro.

“A situação no Brasil será a de uma nova agência se estruturando e uma nova legislação sem jurisprudência, tanto a administrativa quanto a ambiental. Vem tudo junto”, disse.

Para Salomão, o problema é que a estruturação de todas essas mudanças pode ser comprometida pela “visão amadora” que o governo tem em relação à administração de recursos minerais.

“Ninguém conhece exploração mineral dentro do governo. Não se faz ideia de como funciona descobrir uma jazida, que é o mesmo que encontrar uma agulha no palheiro”, disse Salomão. “Não encontramos jazidas, na verdade, descartamos as áreas em que elas não existem, a fim de poder localizá-las”, complementou.

Direito de prioridade
Talvez o mais sério ponto de discordância entre governo e setor produtivo envolva o chamado direito de prioridade, que é o direito de preferência concedido ao pesquisador e empreendedor que primeiro protocolizar o requerimento para a exploração mineral de determinado território. Só que, com o marco regulatório, está arquitetada a mudança do regime de prioridade para um modelo de licitações.

Para ilustrar a complexidade dos negócios no setor e dos potenciais danos que a adoção de um regime de licitações provocaria, o presidente da ABPM cita números correspondentes ao período de uma década, entre 2002 e 2011. Salomão observa que dos mais de 217 mil requerimentos para pesquisar minérios, foram concedidos quase 147 mil alvarás de pesquisa. Ou seja, os outros 34% correspondem a requerimentos que não tiveram continuidade. Entre os alvarás de pesquisa, apenas 12 mil (6%) se converteram em relatórios de pesquisa aprovados. E, por fim, apenas pouco mais de 3 mil tornam-se portarias de lavra. Ou seja, apenas 1,5% das áreas inicialmente potenciais tornaram-se, de fato, minas.

“Com o marco regulatório, o governo vai substituir todo esse investimento privado de risco, com poupança privada, doméstica ou internacional, por recursos públicos”, alerta Elmer Salomão.

Para ele, existe um “buraco enorme” nessa proposta de mudança, porque não há como atrair para um órgão público a competência exclusiva sobre a dimensão de investimentos, a complexidade de conhecimento técnico e sobre toda uma cultura de exploração mineral consolidada pela iniciativa privada.

"Quando se investe dinheiro público em áreas de risco, como é o caso da exploração mineral, o que acontece se você gastar US$ 10 milhões numa área e encontrar uma pequena jazida que deve valer um US$ 1 milhão?", questionou.

Para Salomão, o governo teria que contratar toda a capacidade técnica de exploração mineral disponível no Brasil para estar apto a atrair essa competência. “Todos teriam que trabalhar para o serviço público”, diz. “Não é um problema só administrativo burocrático, mas de gerar espaço para exploração mineral no Brasil”, disse. “Uma empresa não pode ficar aguardando leilões do Estado para repor suas reservas”.

Falsas premissas
Representantes do setor criticam ainda a falta de parâmetros técnicos nas justificativas do governo para a mudança radical da legislação mineral no Brasil. Um deles seria a ocorrência de especulação com o patrimônio público, além do baixo recolhimento de impostos e a “submissão da pesquisa mineral à lógica de mercado”.

Para o setor, o governo fala em especulação sem estar amparado em qualquer relatório técnico. Participantes do encontro criticaram ainda o ministro de Estado de Minas e Energia, Edison Lobão, que faz "discursos descuidados" sobre especulação no setor, sem estar amparado em documentação técnica que subsidie o que afirma”.

Para o presidente da ABPM, se a especulação fosse devidamente comprovada, poderia então ser confrontada com a atual legislação, pois o Código de Mineração em vigência tem todos os instrumentos capazes de atacar o problema da especulação improdutiva, que leva os especuladores, segundo o governo, a “sentarem em cima das áreas”.

Foram ainda apresentados, no encontro, dados que demonstram que a pesquisa e a exploração mineral no Brasil opera como na maioria dos países. Para o setor, a falta de incentivos, como programas de desoneração fiscal, são o motivo do baixo investimento em exploração mineral no Brasil, quando comparado com países como o Canadá, que tem território e tecnologia semelhantes ao do Brasil.

Porém, no Canadá, há uma ampla estrutura de capitalização de investimentos de risco em mineração, o que faz com que o país não só tenha o maior índice de investimento em exploração mineral do mundo, como também irradie os recursos financeiros gerados lá para outros países, inclusive para o Brasil.

Outra dificuldade apontada pelos produtores do setor é a chamada “fertilidade de território”, se comparada com países como o Chile e o Peru, que têm praticamente todo o território “pontilhado por minas”, enquanto, no Brasil, elas são esparçadas. Isso faz com que seja necessário desenvolver técnicas especiais, pagando-se, por exemplo, muito caro pela sondagem.

O novo marco regulatório deve impor também mudanças consideráveis na tributação do setor. O imposto sobre a exploração de recursos minerais, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), foi estabelecido pela Constituição de 1988 e é devido aos municípios, aos estados, e à União em caráter de contraprestação pela exploração econômica de territórios próprios para a mineração no país.

Marcelo Ribeiro Tunes, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, observou que a fixação de alíquotas não pode simplesmente estar alheia a critérios “técnico- econômicos”, à dinâmica do mercado.

Para os empresários do setor, é uma falácia afirmar que a mineração no Brasil não paga tributos. O presidente da ABPM citou levantamento feito com dados do período entre 2002 e 2011 que mostram o arrecadamento de R$ 9 bilhões pelo governo durante esses 10 anos, praticamente o mesmo valor que foi investido em exploração mineral no país.

Buraco de minhoca
Outro erro seríssimo apontado durante o encontro é a tentativa de traçar paralelos entre o setor da mineração e o da exploração de petróleo e gás natural. Para representantes do setor da mineração, o esforço de mudar a lei mineral baseia-se, tão somente, na experiência que o governo teve com o setor do petróleo.

Trata-se de uma comparação equivocada, garantem, por se tratar de atividades distintas. O regime de licitação do governo, no caso do petróleo, envolve apenas duas substâncias e não a coleção de substâncias minerais reguladas pelo Código de Mineração, observam. A falsa ideia de conexão entre a área mineral e do petróleo foi qualificada por participantes do encontro de tão hipotética quanto um “buraco de minhoca”, em referência à teoria da Física que especula sobre a existência de túneis no espaço sideral que são atalhos no espaço-tempo, ou seja, permitem viagens no tempo.

O ponto central para os empresários é que, no caso do petróleo, o conhecimento técnico do governo sobre os blocos licitados é extremamente avançado, enquanto que, na mineração, não há conhecimento consistente da base geológica do país. A última mapeação geológica feita pelo governo ocorreu em 1981, havendo, portanto, apenas uma pequena parte do território mapeada.

Além de se tratarem de economias diferentes, Elmer Salomão destaca o fato de a cultura do petróleo desenvolvida pelo monopólio estatal ter 60 anos. Nesse período, a Petrobrás sondou todas as bacias petrolíferas, delimitando sua extensão e potencialidade.

“O setor de mineração não pode esperar o governo construir todo esse conhecimento técnico”, afirma Salomão. “No caso do marco regulatório do pré-sal, que é uma só substância mineral, podemos verificar que, do marco regulatório até agora, foram seis anos sem que nenhum leilão fosse realizado”, lembra.

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