Direito sem Papel

Processo eletrônico precisa de governança nos tribunais

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

17 de maio de 2013, 14h19

Spacca
O fortalecimento de um diálogo entre todas as entidades de classe para a defesa das prerrogativas dos advogados junto aos tribunais na discussão do processo eletrônico sempre foi uma tarefa muito árdua. A cada dia que me debruço sobre este tema, amadureço a convicção de que uma razão que pode colocar em risco a adesão dos interessados quanto ao uso do processo eletrônico se deve ao fato de que os Tribunais não estão alinhados aos princípios de gestão de governança da tecnologia de informação.

Entende-se por este conceito  um conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou controlada. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre os diversos atores envolvidos, os chamados stakeholders , e os objetivos pelos quais a organização se orienta. No caso da Justiça, os principais atores tipicamente são o Judiciário e todos os personagens que atuam cotidianamente ao seu redor.

Ou seja, os demais participantes da governança corporativa incluem além dos representantes dos tribunais, os advogados, Ministério Público, partes interessadas, procuradores, defensores públicos, serventuários, peritos e a comunidade em geral.

A governança na tecnologia da informação é uma área de estudo com múltiplas abordagens. Uma das principais preocupações é garantir a aderência dos principais atores a códigos de conduta pré-acordados, através de mecanismos que tentam reduzir ou eliminar as diferenças de padrões tecnológicos entre cada um deles. Também se debruça sobre  os conflitos de interesse, o que resultaria na diminuição ou eliminação de diferentes normas para regulamentar uma prática processual como a transmissão de peças por exemplo.

A governança corporativa visa diminuir os eventuais problemas que podem surgir na relação entre gestores e os demais atores do processo e, consequentemente, diminuir o risco de custos e a dificuldade no aprendizado dos procedimentos processuais automatizados.

Este tema tem ganhado mais relevância desde 2001, particularmente devido aos espetaculares colapsos de grandes corporações norte-americanas como a Enron Corporation e Worldcom. Em 2002, o governo federal norte-americano aprovou a Lei Sarbannes-Oxley, com o propósito de restaurar a confiança do público na governança corporativa. Com isto, todas as empresas que tem ações vendidas na bolsa de Nova York, por exemplo, são obrigadas a se sujeitar a padrões internacionais quanto a gestão de dados, para aderir a padrões de harmonia de processos transparência e segurança entre si.

Os pilares básicos da governança de são: participação, Estado de Direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de contas (accountability).

No caso da Justiça, a participação deve ser compreendida pela assertiva de que todos os atores devem participar permanentemente, direta ou indiretamente, por meio de seus representantes legítimos das atividades relacionadas ao processo eletrônico. A participação implica a existência de liberdade de expressão e de associação de um lado, e uma sociedade civil organizada de outro lado.

Embora o princípio possa parecer utópico, é perfeitamente possível desde que existam normas claras e específicas que garantam os termos propostos e existam iniciativas do Estado visando à sustentação dos termos.

Entende-se por Estado de Direito, o pilar que demanda da boa governança uma estrutura legal e justa, que se aplica a todos os cidadãos do Estado, independentemente de sua riqueza financeira, poder político, classe social, profissão, raça e sexo.

Quanto à transparência, além da "a obrigação de informar", o órgão gestor do processo eletrônico deve cultivar o "desejo de informar", sabendo que da boa comunicação — interna e externa, particularmente quando espontânea, franca e rápida — resulta um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da organização com terceiros. A comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas também deve contemplar os demais fatores, sobretudo os ativos intangíveis que norteiam a gestão e conduzem à criação de valor.

É sempre bom lembrar que o legislador brasileiro colocou em prática a Lei de Responsabilidade Fiscal, que deve ser estendida aos tribunais, de forma a induzir o gestor público à transparência de seus atos. Essa transparência pode ser melhorada significativamente com instrumentos como a demonstração do resultado econômico e da efetividade das atividades correlatas. Também contribui para a melhora a divulgação de estatísticas sobre o número de autos ativos, baixados dentro de um determinado exercício, seja por natureza da ação ou outros critérios de referencia que possam formar conhecimento a partir da manipulação dos dados.

A responsabilidade demanda que os tribunais cultivem a missão de que existem para servir os membros da sociedade como um todo — e não apenas um grupo de privilegiados. Ou seja, suas atividades, que serão automatizadas com o uso da tecnologia da informação, devem ser construídas para atender as demandas dos atores processuais para lhes causar conforto e produtividade. As decisões orientadas a um consenso devem ser tomadas levando-se em conta que os diferentes grupos relacionados com o processo eletrônico necessitam de forma permanente mediar seus diferentes interesses.

O objetivo da boa governança é a busca de consenso nas relações sociais, de modo a alcançar uma concordância sobre qual é o melhor caminho para a sociedade como um todo. Tive a oportunidade de participar de um foro que foi criado no CNJ, com a presença de vários representantes dos tribunais, OAB, Procuradoria-Geral da República, Ministério Público e outros órgãos visando interpretar os artigos da Lei 11.419/2006. Entretanto, o consenso sobre alguns temas não chegou a se tornar efetivo, pois não existiam regras claras sobre qual seria o critério de aprovação das sugestões perante aquela Corte. Com isso, todo trabalhou se esmaeceu com o passar do tempo e não chegou a ser convertido em mudanças objetivas.

O curto período de gestão de cada tribunal é um dos maiores empecilhos ao estabelecimento da governança, pois os cargos ocupados pelos gestores de tecnologia da informação nos tribunais são de confiança. Diante disso, é comum presenciar a desconstrução de uma equipe que estava envolvida num projeto de desenvolvimento e implantação de processo eletrônico quando ocorrer a mudança do presidente de um determinado Tribunal. Com isso, o projeto fica comprometido em relação a prazos e efetivação de mudanças gerando mais insegurança quanto aos bons resultados que precisam ser alcançados. A tecnologia da informação nos tribunais é um braço estratégico que precisa ficar imune a estas mudanças.

Essa forma de obter decisões requer uma perspectiva de longo prazo para que ocorra um desenvolvimento humano sustentável. Essa perspectiva também é necessária para conseguir atingir os objetivos desse desenvolvimento. A boa governança deve assegurar igualdade de todos os grupos perante os objetivos dos atores processuais, que são os principais usuários do sistema de informatização. As decisões devem assegurar que todos sintam que façam parte das decisões sobre a construção de um modelo sistêmico e não se sintam excluídos em seu caminho para o futuro.

A boa governança deve garantir que os processos e os tribunais devam produzir resultados que vão ao encontro das necessidades da sociedade ao mesmo tempo em que fazem o melhor uso possível dos recursos à sua disposição. Também deve possibilitar que os recursos naturais sejam usados sustentavelmente e que o ambiente seja protegido.

Da mesma forma, é necessário que o CNJ continue exercendo a função de fiscalizador das atividades relativas ao processo eletrônico nos tribunais, evitando a proliferação de inúmeros padrões tecnológicos, procedimentos sistêmicos de práticas processuais nem sempre em conformidade legal. A boa prática de governança demanda que os tribunais devem ser fiscalizados em seus atos, decisões e atividades, inclusive quanto ao processo eletrônico.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!