Sigilo telefônico

Governo dos EUA retoma projeto de proteção à imprensa

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17 de maio de 2013, 10h22

Depois que o Departamento da Justiça (DOJ) dos EUA confessou que obteve de companhias telefônicas registros de conversações dos jornalistas da Associated Press (AP), de abril a maio de 2012, o presidente Obama prometeu ressuscitar no Congresso um projeto de lei destinado a proteger a confidencialidade do relacionamento dos repórteres com suas fontes. O governo reconheceu que feriu gravemente a liberdade de imprensa, garantida pela Constituição. Mas se propondo a curar o "ferimento" com um "band-aid", de acordo com o site The Daily Beast.

O Washington Post explica que a lei não vai impedir que os órgãos de segurança continuem a obter registros das conversações telefônicas de jornalistas. Só vai mudar o sistema. Os órgãos de segurança terão de obter um mandado judicial para intimar as companhias telefônicas a lhes fornecer os registros (ou gravações). No episódio da AP, o DOJ conseguiu os registros sem ordem judicial — o caso da AP, aliás, não tem a ver com grampo de telefones de jornalistas ou registros de telefones, como alguns órgãos de imprensa noticiaram no Brasil.

Diretrizes do próprio DOJ estabelecem que seus funcionários devem notificar os órgãos de imprensa quando forem solicitar a um juiz um mandado para obter das companhias telefônicas um registro das conversações em certo período. Isso daria aos órgãos de imprensa a oportunidade de convencer o juiz a não conceder o mandado. Porém, a regra cria uma exceção que praticamente anula seu intento: os funcionários não precisam notificar os órgãos de imprensa "se isso significar uma grave ameaça à integridade das investigações".

O projeto de lei do governo pode corrigir, em pequena medida, essa aparente distorção das regras do DOJ. Ele prevê que, para deixar de notificar com antecedência os órgãos de imprensa sobre sua intenção de obter registros telefônicos, um juiz — e não qualquer órgão do governo — deve decidir que a notificação vai ou não causar uma ameaça substancial às investigações.

"Em outras palavras, os órgãos governamentais terão de convencer um juiz de que a medida é necessária para o sucesso das investigações", disse ao Washington Post a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Minnesota Jane Kirtley. E que as investigações são necessárias.

Mas o projeto de lei também já nasceu minado por exceções. Por exemplo, em casos de vazamento de informações confidenciais, não é possível evitar a ordem de quebra de sigilo às companhias telefônicas se os registros a serem obtidos puderem ajudar a prevenir ou mitigar um ato de terrorismo ou qualquer outro dano à segurança nacional. Mesmo em caso de informações não confidenciais, o repórter não ficará protegido por essa lei se os registros obtidos ajudarem a identificar um possível "perpetrador de ato de terrorismo". A decisão caberá ao juiz.

Os registros de conversações telefônicas da AP, obtidas pelo DOJ, têm a ver com essas exceções ao respeito à liberdade de imprensa. Os repórteres da AP estavam investigando operações da CIA no Iêmen, relacionadas a um possível plano para a colocação de uma bomba em um voo que tinha como destino os EUA. Porém, o DOJ obteve registros de mais de 20 telefones da agência de notícias e de repórteres, sem autorização judicial.

Esse mesmo projeto de lei, destinado a assegurar maior liberdade de imprensa nos EUA, chegou a tramitar no Congresso em 2009. Em dezembro daquele ano, recebeu aprovação bipartidária do Comitê Judiciário do Senado, por 15 votos a 4. Em 2010, entrou na pauta para votação do Congresso. Mas, nesse ínterim, estouraram as publicações de documentos confidenciais dos EUA pela Wikileaks. O projeto foi tirado imediatamente de pauta, e esquecido.

Agora, espera-se que os parlamentares americanos debatam a nova lei de proteção à liberdade de imprensa, com um olho nos órgãos de imprensa americanos e outro na Wikileaks.

Opinião pública
Interpretações interessantes sobre episódio da AP e o projeto de lei de proteção à liberdade de imprensa vieram de alguns leitores do Washington Post, na seção de comentários.

O leitor Preston Yancy lembrou que não há exceções à vista para a Segunda Emenda da Constituição dos EUA, a que autoriza os cidadãos a possuir e portar armas. Mas há exceções para a Primeira Emenda, a que trata dos direitos fundamentais do cidadão, que incluem a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão.

O leitor G3W1 explicou: a Segunda Emenda não tem exceções porque a razão principal de sua criação foi a ideia de que os cidadãos devem portar armas para se proteger contra governos tiranos. Hoje essa noção está totalmente ultrapassada. E a melhor arma que os cidadãos têm hoje, para se proteger contra o governo, é a imprensa. Talvez isso explique as exceções à Primeira Emenda.

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