Transparência fiscal

Receita trata sigilo como regra, afirma pesquisadora

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16 de maio de 2013, 19h36

O servidor da Receita Federal que divulgar informações que violem o que o órgão considere sigiloso está sujeito a ser demitido. A pena está descrita na Portaria 2.344/2011 da Receita Federal, que descreve o que é considerado sigilo fiscal, e, segundo pesquisadores do assunto, representa um grande obstáculo à transparência das atividades da Receita.

As impressões foram apresentadas na manhã desta quinta-feira (16/5) pela advogada Mariana Pimentel Fischer Pacheco, pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF), da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas. Ela falou sobre o primeiro ano de vigência da Lei de Acesso à Informação e sua aplicação na administração fiscal federal.

Mariana Pimentel explicou que a Lei de Acesso trouxe ao país a mentalidade da transparência, mudando o paradigma do sigilo que sempre norteou o governo brasileiro. Nesse sentido, a transparência virou regra e o sigilo, exceção. Por isso, ela considera que a Portaria 2.344 está de acordo com o pensamento da publicidade dos atos oficiais, já que delimita o que é sigilo fiscal e, consequentemente, considera que o resto deve estar disponível aos cidadãos.

Só que a regra administrativa vai além do que a pesquisadora considera razoável. O artigo 2º da portaria diz que “são protegidas por sigilo fiscal as informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros”.

Os incisos do artigo exemplifica que são informações protegidas por sigilo fiscal “as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, as que relevem projetos, relacionamento comercial entre comprador e fornecedor etc. E aí o parágrafo 1º do artigo 2º delimita que “não estão protegidas por sigilo fiscal” dados cadastrais que não permitam a identificação individual dos contribuintes e nem valores de créditos e débitos.

Em suma, a pesquisa do NEF-GV demonstra que a portaria tenta delimitar o que é sigilo, mas elenca praticamente todas as informações referentes à competência da Receita, transformando o sigilo fiscal em regra. As informações que não se submetem ao regime de sigilo — e são abertas, portanto — estão previstas em apenas no 1º parágrafo, do artigo 2º da resolução.

Sigilo do sigilo
Outro obstáculo preocupante à aplicação da Lei de Acesso à Informação é o Manual do Sigilo Fiscal. O documento, criado por meio da Portaria da Receita 3.541/2011, é uma cartilha de orientação de como os servidores da Receita devem proceder diante de informações sigilosas.

O que chama atenção é o fato de o próprio manual ser sigiloso. Essa é a primeira providência da portaria que o criou, conforme diz o artigo 2º: “O manual estará disponível na intranet da RFB”. Basicamente, as regras internas sobre o sigilo fiscal são sigilosas. E o funcionário que as divulgar está sujeito à demissão.

O manual repete as orientações da Portaria 2.344 e tenta delimitar o sigilo fiscal para explicá-lo aos funcionários. Mas já no item seguinte, o índice fala em “exceções à regra do sigilo fiscal”.

“Tem-se, portanto, que sigilo fiscal é o dever, a obrigação imposta à Fazenda Pública e a seus servidores de não divulgar informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo, ou de terceiros, e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades", diz o manual.

O documento prossegue: "os dados e informações de pessoas físicas e jurídicas prestados às administrações tributárias, ou obtidos pelo Fisco por qualquer outro meio ou forma, devem servir de ingrediente para o exercício das atividades e competências legais do órgão, sendo vedada qualquer iniciativa que facilite a divulgação das informações fiscais.” 

Mudança cultural
Procuradora da Fazenda Nacional, Denise Lucena Cavalcante só comentou a exposição de Mariana Pimentel na condição de professora de Direito, e não como procuradora — isso para se isentar da obrigação de ter de defender a administração pública federal ou o Ministério da Fazenda.

Ela afirma que “a regra interna é que não pode passar informações aleatórias”, e essa orientação tornou o sigilo fiscal numa “neurose estatal”. “O servidor trabalha com medo de divulgar qualquer coisa, porque sempre pode acabar violando o sigilo fiscal”, comentou. Ela analisa que o artigo 198 do Código Tributário Nacional, que define o sigilo fiscal e que ela considera inconstitucional é a origem de todo esse sentimento.

Em sua exposição, Denise trouxe uma ideia aplaudida por todos: a mudança nas portarias e regras administrativas internas tem um potencial de mudança cultural do servidor muito maior do que as reformas legislativas ou constitucionais. Prova disso é o parágrafo único do artigo 3º do Manual do Sigilo: “São inaplicáveis, no âmbito da RFB, eventuais interpretações que sejam contrárias ou incompatíveis com as do Manual”.

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