Guerra judicial

Leis polêmicas custam caro e geram protestos nos EUA

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16 de maio de 2013, 11h10

No início do ano, os parlamentares da Assembleia Legislativa de Arkansas anunciaram que a legislatura de 2013 seria dedicada à criação de empregos. Até agora, não apresentaram qualquer projeto de lei que cumprisse esse objetivo. Mas, em compensação, aprovaram algumas leis que estão proporcionando trabalho aos advogados. São leis inconstitucionais ou que violam outras leis ou decisões judiciais.

Em pelo menos três estados — Arkansas, Arizona e Kansas —, algumas organizações e alguns jornais começaram a protestar, nos últimos dias, contra a produção de leis concebidas para agradar os eleitores, mas que resultam em um alto custo para os contribuintes e para a economia dos estados. E exaurem os recursos financeiros e humanos das Procuradorias estaduais, que são obrigadas a defendê-las na Justiça.

O melhor exemplo, segundo os jornais Huffington Post e USA Today, é a lei anti-imigração, cuja primeira versão foi aprovada pelo estado do Arizona. A lei foi questionada em todas as instâncias judiciais por organizações civis e pelo governo Obama, com um alto custo para os cofres do estado em recursos financeiros e em mobilização do funcionalismo estatal, "que era obrigado a se dedicar à defesa da legislação, em vez de prestar serviços mais úteis à população", segundo os jornais.

Na área econômica, o prejuízo foi bem mais considerável. Só em 2010, o ano que a lei foi aprovada, diversos organizadores de eventos decidiram boicotar o estado do Arizona por causa da lei. Só o Centro de Convenções de Phoenix perdeu um terço dos eventos programados, com um prejuízo de US$ 132 milhões. No mesmo ano, o turismo no Arizona perdeu US$ 141 milhões em receitas, de acordo com o Centro Americano para o Progresso. E a agricultura do estado perdeu muito de suas safras porque os trabalhadores imigrantes voltaram para seus países ou se mudaram para outros estados.

A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU – American Civil Liberties Union), uma grande organização sem fins lucrativos que se especializa em mover ações judiciais contra leis inconstitucionais e que tem seccionais em todos os estados, tem tido muito trabalho. Segundo a ACLU, os legislativos estaduais e os governadores "têm uma vontade política muito grande de ignorar a Constituição dos Estados Unidos e de desafiar as decisões judiciais".

A diretora executiva da ACLU-Arizona, Alessandra Soler, disse que a organização é responsável por cinco das dez ações judiciais movidas ultimamente, para derrubar leis inconstitucionais. "Vivemos em um estado em que os líderes políticos ignoram constantemente a Constituição, como uma estratégia eleitoral", ela afirmou. "Em muitas ocasiões, a Assembleia Legislativa e o governo estadual aprovam leis sabendo que serão derrubadas pelos tribunais. E quem paga a conta da disputa judicial são os contribuintes", declarou.

Em muitos casos, as Procuradorias-Gerais dos estados não dispõem de recursos humanos suficientes para aguentar toda a carga de trabalho e ainda defender leis questionáveis. Por isso, contratam firmas de advocacia para representar o estado nos tribunais. Só com a lei anti-imigração, a Procuradoria do Arizona já gastou US$ 3,2 milhões em honorários advocatícios. E já pagou mais de US$ 5 milhões para a defesa de uma lei que estabeleceu uma série de exigências para as escolas aceitarem alunos que não são "proficientes" em inglês — claramente para responder a uma "bronca" do eleitorado.

A defesa de leis inconstitucionais ou que violam outras leis ou decisões judiciais quebrou a Procuradoria-Geral do estado de Kansas. O procurador-geral teve de solicitar à Assembleia Legislativa do estado, a responsável pela situação, uma verba suplementar de US$ 1,2 bilhão, para continuar operando.

A do Arizona conseguiu um aumento de suas verbas de US$ 3,4 milhões para US$ 5,2 milhões e passou a se dedicar mais à cobrança de dívidas dos cidadãos, como multas de trânsito e outras, a troco de uma comissão de 30%, para levantar recursos. Mas o procurador-geral espera poder colocar mais recursos em outras prioridades, como a de processar traficantes.

Em Arkansas, o governador Mike Beebe vetou três leis aprovadas pela Assembleia Legislativa, por considerá-las inconstitucionais ou porque violam decisões da Suprema Corte dos EUA. Mas os legisladores derrubaram os vetos. Todas as leis foram contestadas na Justiça. Para diversas organizações americanas, isso revela o gosto que alguns estados têm por desafiar decisões da Suprema Corte.

Uma das leis de Arkansas proíbe o aborto após 12 semanas de gravidez, exceto em casos de estupro, incesto, emergências médicas relativas a ameaças à vida da mãe e anomalias do feto. Isso contraria decisão da Suprema Corte do país que proíbe os estados de banir o aborto antes do feto se tornar capaz de viver fora do útero, que os médicos consideram que só ocorre na 23ª ou 24ª semana de gestação, de acordo com o site TheCabin.net.

Outra lei obriga o eleitor a apresentar um documento de identificação com foto no local de votação — uma estratégia eleitoral arquitetada pelo Partido Republicano, que entende que eleitores de baixo poder aquisitivo, os que normalmente votam no Partido Democrata, normalmente não têm carteira de motorista, a forma mais comum de identificação com foto nos EUA. Mas os eleitores que se registram por correspondência e votam por correspondência podem enviar uma cópia de uma conta de serviços públicos e isso é tudo.

A Lei 1.490 permite que crianças e adolescentes sejam condenados à prisão perpétua, com possibilidade de liberdade condicional. Ela viola decisão da Suprema Corte dos EUA. A Lei 139 permite ao Departamento de Correções usar a droga fenobarbital em execuções de pena de morte. A droga leva a uma morte lenta e dolorosa. É inconstitucional. A Lei 1.302 proíbe o Departamento de Qualidade ambiental do estado de conduzir seus próprios testes para determinar a qualidade do ar, quando ela é afetada por fábricas. E assim por diante.

Mas as leis que mais complicam o sistema judiciário americano são as que estabeleceram penas entre as mais longas do mundo para criminosos — além de leis que preveem sentenças automáticas de prisão perpétua para quem comete três crimes, independentemente da gravidade dos delitos, e que estabelecem penas mínimas de 20 anos para qualquer condenação. Essas leis foram aprovadas por políticos que quiseram atender o anseio da população de se livrar de criminosos, mas são responsáveis pelo fato de o país ter a mais alta população carcerária do mundo — cerca de 2,3 milhões de presos.

Mal comum
No Brasil, leis inconstitucionais também dão trabalho. Em 2011, das 79 ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, 66 foram declaradas inconstitucionais, segundo levantamento publicado pelo Anuário da Justiça 2012, editado pela ConJur. O maior índice de constitucionalidade é das leis estaduais: 90%, com 61 das 66 decisões do Supremo nesse sentido. Em 2007, o índice de incosntitucionalidades foi de 75%, com base na proporção de julgamentos do Supremo. 

Na opinião do constitucionalista Luís Roberto Barroso, os estados brasileiros legislam mal porque a Constituição nacional deixou pouco espaço para normas locais, porque o Poder Executivo tem atribuições demais e permite pouca iniciativa legal para o Legislativo e porque sobraram para as assembleias legislativas muitos temas irrelevantes. Mas mesmo na esfera federal, que respondeu por cinco leis insconstitucionais das 11 julgadas pelo STF em 2011, o Legislativo comete erros. "O calor da irracionalidade prevalece na hora de aprovar uma legislação", admitiu o deputado João Paulo Cunha, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, ao Anuário.

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