Atuação na Ditadura

Ustra diz que militares lutavam pela democracia

Autor

11 de maio de 2013, 16h41

O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi entre 1970 e 1974, compareceu nesta sexta-feira (10/5) à Comissão Nacional da Verdade e, apesar de decisão judicial que lhe garantia o direito de não se pronunciar, falou aos membros da comissão.

Em seu depoimento, Ustra negou que tenha cometido assassinato, tortura e sequestro. O ex-comandante afirmou ainda que nenhuma tortura foi cometida dentro das instalações do órgão de repressão do governo militar.

Antes do início do depoimento, Ustra fez um pronunciamento em que reiterou que as ações de repressão foram respostas aos atos das “organizações terroristas que queriam implantar o comunismo no Brasil”.

O coronel disse ainda que se não fosse a atuação dos militares, o comunismo existiria hoje no Brasil. “Estávamos lutando pela democracia e estávamos lutando contra o comunismo. Se não fosse a nossa luta, se não tivéssemos lutado, eu não estaria aqui porque eu já teria ido para oparedón. Os senhores teriam um regime comunista, um regime como o de Fidel Castro. O Brasil teria virado um ‘Cubão’ [em referência a Cuba].

Ustra também se referiu à atuação da presidenta Dilma Rousseff, durante a ditadura militar. “Ela integrou quatro grupos terroristas” que tinham como objetivo final “a implantação de uma ditadura do proletariado, o comunismo. Derrubar os militares e implantar o comunismo".

Durante a ditadura, a presidenta Dilma integrou as organizações clandestinas Política Operária (Polop), Comando de Libertação Nacional (Colina) e Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), dedicadas a combater a ditadura militar. Condenada por "subversão", ela passou três anos presa no Presídio Tiradentes, em São Paulo, entre 1970 e 1972.

Desaparecimento de militantes
Ao ser indagado sobre o desaparecimento de vários militantes políticos, Ustra negou que tenha havido qualquer morte no DOI-Codi. “No meu comando ninguém foi morto no DOI [Codi]. Foram mortos em combate, de arma na mão, na rua”, repetiu várias vezes.

Ustra negou também a acusação do Ministério Público Federal de ocultação de cadáver. “Agi com a consciência tranquila. Nunca ocultei cadáver. Sempre agi dentro da lei”, disse.

Para Cláudio Fonteles, um dos membros da Comissão da Verdade, Ustra, ao ser confrontado com a documentação reservada do DOI-Codi, Ustra “deu uma versão insustentável de mortes em combate”. Documentos apresentados pela CNV apontam em 50 o número de mortos no órgão durante o período em que foi dirigido pelo coronel.

Já o advogado e ex-defensor de presos políticos José Carlos Dias, que também integra a CNV, o depoimento foi emocionalmente forte e mexeu com os presentes. “Hoje foi um dia muito penoso para mim. Eu defendi mais de 500 presos políticos e a maior parte vítimas do coronel Ustra. Defendi pessoas que foram mortas sob as ordens dele”.

Momentos de tensão
A tomada pública de depoimentos promovida pela Comissão Nacional da Verdade foi marcada por momentos tensos envolvendo o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, vereador Gilberto Natalini (PV-SP). Questionado sobre se teria torturado Natalini, em 1972, Ustra respondeu que não tinha nada a dizer e negou o fato. A negativa foi rebatida por Natalini que interrompeu a fala de Ustra aos gritos: “Sou um brasileiro de bem. O senhor é que é terrorista. Eu fui torturado pelo coronel Ustra”.

Apoiadores do coronel protestaram e o tumulto interrompeu a sessão. Antes do coronel Ustra, Natalini prestou depoimento a CNV e disse que “Ustra sempre foi muito presente nas sessões de tortura”.

Estudante de medicina e integrante do centro acadêmico à época, Natalini narrou um episódio no qual o foi colocado por Ustra nu em cima de uma poça d’água com fios de choque atados ao corpo. “Ele chamou a tropa para que eu fizesse uma sessão de poesia. Durante horas ele ficou me batendo com uma vara. Outros vinham e me davam telefone (tapa com as mãos nos ouvidos) e muito eletrochoque”, disse Natalini que também compunha poesia de protesto contra a ditadura.

Em outra ocasião, Ustra já havia negado publicamente a sessão de tortura, tendo escrito, em setembro de 2012, uma carta aberta em que questiona as afirmações de Natalini.

Corpos como troféu
Além do coronel Ustra, foi ouvido nesta sexta-feira pela CNV o ex-sargento Marival Chaves, que atuou no DOI-Codi e já prestou dois depoimentos espontâneos à CNV. Em seu depoimento, Chaves disse que viu corpos de militantes políticos sendo expostos como uma espécie de troféu de guerra.

Ele relatou ter visto a cena envolvendo os corpos de Antonio Carlos Bicalho Lana e Sônia Maria Moraes Angel Jones. O episódio, segundo ele, ocorreu no final de 1973. Chaves narrou que “o casal foi trazido para o DOI [Codi] depois de morto e mostrado para o público interno. Eles tinham perfurações na cabeça, nos ouvidos, em vários lugares", disse.

Segundo Chaves, isto teria ocorrido também com Yoshitane Fujimori, outro militante cujo corpo também teria sido exposto dentro do destacamento. Chaves disse que quem estava em posição de comando "era o senhor da vida e da morte", pois escolhia quem iria viver ou morrer.

Chaves, que já prestou dois depoimentos espontâneos à comissão, disse que Ustra, cujo codinome era Doutor Tibiriçá, participava das sessões de tortura e que durante sua passagem pelo DOI-Codi teria implantado dois centros clandestinos de tortura em São Paulo: um na Serra do Mar e outro na Estrada de Itapevi, na Rodovia Castello Branco.

Na Serra do Mar, de acordo com Chaves, foram mortos Antonio Carlos Lana e Sônia Angel Jones. Conforme relato do ex-sargento, algumas pessoas mortas no DOI-Codi tiveram os corpos jogados no Rio Avaré, em São Paulo.

Chaves disse, aos membros da Comissão da Verdade, que não participava das sessões de tortura e citou o sub-tenente Roberto Artone, também integrante do DOI-Codi e homem próximo a Ustra, como uma das pessoas do núcleo duro da estrutura de repressão. De acordo com ele, Artone poderia dar informações sobre desaparecidos políticos.

Antes de prestar depoimento, Chaves relatou ter recebido cartas com ameaças. Em seguida, entregou o material com as supostas ameaças. Com informações da Agência Brasil.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!