Competência redistribuída

Fim da especialização de varas federais divide Judiciário

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8 de maio de 2013, 14h48

A aprovação do projeto de redistribuição da competências das varas federais para julgar crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional dividiu opiniões dos membros do judiciário. A partir da nova regra, todas as varas federais criminais de São Paulo passarão a julgar todos os tipos de crimes federais, com exceção da 1ª Vara. A medida não interfere no acervo das varas. Os casos que já estão em trâmite não serão redistribuídos.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra, a opção foi pensada e avaliada pelos integrantes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que convivem com a realidade processual do estado de São Paulo e especificamente com a realidade das varas. “A distância eu posso dizer que a especialização é a melhor ferramenta de combate a organizações criminosas, ainda que o juiz possa ganhar alguma notoriedade como ocorreu por exemplo com o colega Fausto de Sanctis.”

O desembargador ainda citou o modelo adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de tratar com problemas que envolvem ações criminosas. O TJ-RJ criou uma vara que lida com a tramitação dos processos que envolvem organizações criminosas. “São processos muito volumosos, tudo é tratado eletronicamente e ninguém tem contado com servidores que trabalham dentro da vara já que toda a comunicação é feita via eletrônica.”

Na justiça estadual em SP, todos os atos preparatórios da questão passam pelo Departamento de inquérito policiais (Dipo). O juiz que trabalha na preparação do julgamento nunca é o mesmo que julga o processo. Com isso, evita o envolvimento do julgador na fase investigatória. "O juiz que trabalhar na fase pré-processual não é o juiz que vai julgar aquele processo. Isso é possível porque não se ouve falar do juiz do Dipo mas a mídia acompanha todoas as ações do orgão, como prisão preventiva e medida cautelares", explica Calandra.

Em julho de 2012, foi aprovada uma lei que prevê que quando organizações criminosas estão envolvidas o julgamento no primeiro grau é feita de forma colegiada. "Essa é uma maneira de evitar o destaque que ganha o juiz que atua nessas varas de lavagem de capital e de até evitar algum atentado ou algo mais grave em relação a ele", afirmou Calandra.

A valorização dos titulares das varas especializadas foi citado por fontes do TRF-3 que afirmaram que as varas especializadas criaram "superjuízes" e ferindo o princípio da impessoalidade. "O novo sistema não perde a perspectiva da importância da matéria, mas desarticula o senhorio desses julgadores exclusivos, ‘superiores’ e pré-estabelecidos”, afirmou um desembargador do TRF-3.

Presidente da Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e desembargador do TRF-3, Nino toldo afirma que a medida não foi tomada em razão da notoriedade de juízes e sim por uma necessidade processual. “A preocupação é que com a nova lei de lavagem haveria uma possibilidade de aumento de trabalho das varas que ficariam sobrecarregadas. Além disso, o fluxo de trabalho das outras varas da capital está adequado.”

A nova lei de lavagem, segundo Toldo, também colabora com a “enorme distribuição de processos concentrados em apenas duas varas”, já que houve a exclusão do rol de crimes antecedentes para que fique configurada a lavagem de valores de origem ilícita. A partir da Lei 12.683, que alterou a antiga Lei de Lavagem de Dinheiro — Lei 9.613/1998 — não é mais necessário provar o crime antecedente para processar o cidadão.

Opinião semelhante é a de Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito da Universidade de São Paulo e ex-secretário da Reforma do Judiciário. Segundo Bottini, com a mudança da lei e abertura dos crimes antecedentes, ou seja, que todos os crimes e contravenções podem gerar lavagem de dinheiro não faz sentido limitar duas varas especializadas porque agora o número de processos por esse número de crimes tende a aumentar. “Para evitar morosidade e lentidão, é importante que todos os juízes tenham competência para apurar esse tipo de crime.”

As varas especializadas foram importantes no começo e firmaram a necessidade de focar a investigação nesse tipo de crime e de dar um tratamento especializado. Mas, para o ex-secretário, “a partir do momento que o legislador entendeu que todo o crime é antecedente de lavagem, a única saída é redistribuir.”

Outro juiz federal afirmou que a especialização da vara é que daria a celeridade aos julgamentos. "A partir do momento em que a função fica difusa, a tendência é demorar mais". A afirmação do juiz rebate o argumento de que a redistribuição da competências das varas federais seria necessária para dar mais celeridade aos julgamentos, como alegado pelo TRF-3.

Segundo o tribunal, o objetivo da mudança é acelerar a prestação judicial já que as varas da capital atendem a todo o interior do estado de São Paulo — com exceção de Campinas e Ribeirão Preto, que possuem varas especializadas em lavagem. Em Mato Grosso do Sul, as duas varas federais criminais receberão tanto processos por crimes de lavagem quanto por crimes comuns.

Para o desembargador Paulo Fontes do TRF-3, a dificuldade dessa dispersão maior das matérias é o treinamento do pessoal que vai trabalhar nas varas. Como exemplo o desembargador citou o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) que tem uma política de treinamento e a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), fórum de órgãos voltados ao combate a lavagem de dinheiro. “Fica mais fácil dar treinamento para o pessoal quando as varas são especializadas.”

São matérias complexas com uma legislação especial, afirmou Fontes, "no formato anterior era possível reunir todos os juízes e membros ministério público com atuação em lavagem de dinheiro para uma reunião de trabalho e hoje talvez não seja tão fácil."

As recomendações da Enccla foram reafirmadas pelo Secretário Nacional de Reforma do Judiciário, Flávio Caetano, que ainda destacou o modelo que considera as Varas Especializadas em Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro imprescindíveis. “Considerando a complexidade da matéria, a experiência nacional já vitoriosa e reconhecida internacionalmente e a melhoria da eficiência e eficácia na persecução criminal envolvendo os crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, a Enccla reitera a imprescindibilidade das Varas Especializadas em Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro e recomenda sua manutenção.” 

Segundo a assessoria de imprensa do tribunal, o projeto foi aprovado seguindo os parâmetros do Poder Executivo federal, “que possui todo o arcabouço administrativo do Coaf” e do Congresso Nacional, “que modificou a ordenação jurídica para acelerar a repressão aos crimes de lavagem" — como a Lei 12.683/2012, que recentemente alterou a Lei 9.613/1998, a Lei de Lavagem de Dinheiro.

Avaliação do CNJ
No final de abril o Conselho Nacional de Justiça decidiu abrir, de ofício, Pedido de Providências para avaliar a decisão administrativa tomada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região de modificar a competência de varas antes especializadas exclusivamente no julgamento de crimes de lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro internacional. O Plenário aprovou a proposta feita pelo conselheiro Gilberto Martins, de analisar se a medida não estaria na contramão do aperfeiçoamento da máquina Judiciária brasileira.

“A decisão do TRF-3, em uma preliminar avaliação, retrocedeu seriamente em uma política judiciária para o enfrentamento dessas modalidades criminosas, prejudicando a persecução criminal em delitos complexos”, destacou Gilberto Martins. Em sessão ordinária do último dia 18 de abril, o TRF-3 aprovou o projeto de redistribuir as competências das varas federais responsáveis por julgar crimes de lavagem e contra o sistema financeiro.

Na avaliação de Gilberto Martins, extinguir a competência exclusiva dessas unidades contraria o que tem sido defendido pelos órgãos internacionais de acompanhamento dos crimes de corrupção e lavagem. O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), responsável por acompanhar e avaliar o cumprimento das metas de lavagem de dinheiro no mundo, entendeu que o Brasil havia melhorado no desempenho de enfrentamento desta modalidade criminosa, especialmente em razão destas especializações.

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