Direito do consumidor

Erro de juiz só fere Estatuto do Torcedor se intencional

Autor

8 de maio de 2013, 10h16

Baseado no Estatuto do Torcedor, no Código de Defesa do Consumidor e em trechos de Nelson Rodrigues, o Superior Tribunal de Justiça negou indenização por danos morais com um torcedor do Atlético Mineiro, indignado com um erro de arbitragem. Advogado que atuou em causa própria, ele defendia que a não marcação de um pênalti claro no fim de uma partida contra o Botafogo eliminou o Galo da Copa do Brasil de 2007. Ele pedia ressarcimento da Confederação Brasileira de Futebol. Segundo a corte, não houve falha na prestação de serviço e a legislação cobra da arbitragem apenas que seja imparcial.

O próprio árbitro Carlos Eugênio Simon admitiu o erro em entrevista a programa esportivo, em rede nacional. Para o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, a questão jurídica controversa nesse caso é saber se, “diante da ocorrência de erro manifesto da arbitragem, ainda que com potencial de influir decisivamente no resultado da partida, mas não sendo constatado dolo do árbitro, ainda assim é possível cogitar em responsabilidade civil da entidade responsável pela organização da competição, gerando a obrigação de compensar danos morais”.

O relator e os demais ministros entenderam que não. Embora o Estatuto do Torcedor equipare a fornecedor as entidades organizadoras de competições, e a relação entre essas entidades e o torcedor seja de consumo, os ministros consideraram que não houve ato ilícito, defeito na prestação do serviço, dano nem demonstração de nexo causal. Essa comprovação afasta a responsabilidade objetiva e a indenização por danos morais.

Caso inédito 
Salomão destacou que a questão é inusitada, porém recorrente. Segundo ele, há vários casos semelhantes tramitando no país, mas esse é o primeiro analisado pelo STJ. Ele verificou que, no campeonato alemão, um time recebeu indenização de dois milhões de euros por erro na arbitragem. Mas, no caso, ficou comprovada a intenção do árbitro em prejudicar o time, o que permitiu a aplicação da teoria da “perda da chance”.

“Embora possa parecer um tanto quanto insólita, é uma questão que tende a se tornar recorrente e é importante que a enfrentemos, notadamente porque teremos uma sequência de competições internacionais no nosso país”, alertou o relator.

Defesas
Após ter o pedido de indenização negado em primeira e segunda instâncias pela Justiça do Rio de Janeiro, o torcedor Custódio Pereira Neto recorreu ao STJ alegando que, uma vez reconhecidos o erro do árbitro e a relação de consumo entre torcedor e CBF, há responsabilidade civil objetiva da entidade pelos atos de seus prepostos, entre eles, os árbitros.

Sustentou que não importa saber se o pênalti resultaria em gol, pois a responsabilidade civil objetiva se consuma com erro, independentemente da comprovação de culpa. Para justificar sua atitude de buscar o Judiciário para resolver questão aparentemente banal, Pereira Neto apontou como precária a arbitragem brasileira de futebol. Segundo ele, os torcedores, jogadores e dirigentes de clube pedem providências à CBF, que apenas aceita e valida as falhas dos árbitros, sem investir em sua formação e aperfeiçoamento.

No caso da partida ocorrida em 10 de maio de 2007, no Maracanã, o torcedor afirma que o pênalti aconteceu aos 46 minutos do segundo tempo, o árbitro estava próximo ao lance da falta violenta, mas não marcou. O fato aconteceu três dias depois de dirigentes do Botafogo terem pressionado a CBF por erros de arbitragem em outro campeonato.

Do outro lado, a defesa da CBF alegou que não houve nenhuma ilegalidade ou defeito na prestação do serviço. “Erros de arbitragem e dos próprios jogadores são da própria natureza do futebol”, afirmou o advogado da entidade na sustentação oral. De acordo com ele, não se pode atribuir a desclassificação do Atlético Mineiro ao erro de arbitragem. “A prestação de serviço de arbitragem não inclui ser perfeito, até porque errar é humano”, disse. O Botafogo também não saiu campeão da Copa do Brasil naquele ano.

Estatuto do Torcedor e CDC
O ministro Luis Felipe Salomão afirmou que o artigo 3º do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) estabelece que se equipara a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor — para todos os efeitos legais —, a entidade responsável pela organização da competição. Mas para haver responsabilidade civil, é necessária a constatação da materialização de ato ilícito, do dano e do nexo de causalidade.

Segundo o CDC, um produto ou serviço tem vício de adequação quando não corresponde à legítima expectativa do consumidor quanto a seu uso. Salomão destacou que o artigo 30 do Estatuto do Torcedor, “atento à realidade das coisas”, não proíbe o erro de fato não intencional do árbitro. O texto estabelece que é direito do torcedor que a arbitragem seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.

Por fim, o relator apontou que a derrota de time de futebol, ainda que atribuída a erro da arbitragem, é dissabor que não tem o poder de causar mágoa duradoura, a ponto de interferir intensamente no bem-estar do torcedor. 

Nelson Rodrigues
Se o tema é futebol, Nelson Rodrigues sempre aparece no debate. Ao criticar a qualificação dos árbitros brasileiros, o torcedor citou o escritor: “Em futebol, o pior cego é quem vê somente a bola.”

Para questionar a tese do torcedor de que o pênalti não marcado resultou na desclassificação do Galo, o advogado da CBF também buscou o socorro do ilustre torcedor do Fluminense: “A função do pênalti é tão importante que quem deveria cobrar era o presidente do clube.”

Votos proferidos, resultado definido, o ministro Antonio Carlos Ferreira encerrou o julgamento com mais Nelson Rodrigues: “A arbitragem normal confere às partidas um tédio profundo." Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!