Contratos de construção

FIDIC publica diretriz para resolução de disputas

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7 de maio de 2013, 12h15

Contratos FIDIC[1] são modelos contratuais expedidos pela Federação Internacional de Engenheiros Consultores, e amplamente utilizados ao redor do mundo, em projetos de construção e infraestrutura de variada complexidade técnica. Tamanha é a relevância destes contratos que as agências do Banco Multilateral de Desenvolvimento[2] exigem o seu respectivo uso como condição ao financiamento de projetos de construção. A obra de extensão da linha 4 do Metrô de São Paulo-SP, financiada pelo Banco Mundial, por exemplo, utilizou modelo de contrato FIDIC.

Além de regular as obrigações e deveres das partes durante a execução da obra; os contratos FIDIC preveem o procedimento de resolução de disputas contratuais. Este procedimento é escalonado, e determina o cumprimento meticuloso de certas etapas contratuais como condição para as partes, ao final, submeterem uma disputa à arbitragem.

Uma dessas etapas, referente às decisões proferidas pelo Dispute Board, tem gerado interpretações divergentes entre advogados, árbitros, e juízes.

Para resolver a questão, no dia 01 de abril de 2013, a FIDIC expediu um Memorando a fim de promover orientação sobre a adequada interpretação de decisões do Dispute Board.

Resolução de disputas
As partes devem submeter todos os seus pleitos à aprecição do engenheiro (ou representante) responsável pela obra, de acordo com as etapas contratuais previstas nos modelos FIDIC. Caso as partes disconcordem do resultado desses pleitos, ou de qualquer certificado, determinação, instrução, opinião, ou avaliação expedida durante a execução da obra; surge uma disputa contratual.

De forma sucinta, a resolução de disputas em contratos FIDIC segue as seguintes etapas contratuais. A disputa é inicialmente é referida ao Dispute Board, por escrito, para que este profira uma decisão em até 84 dias (cláusula 20.4).[3] Uma vez proferida a decisão, há dois caminhos:

– Primeiro, caso as partes estejam satisfeitas com a decisão, esta se torna vinculante e final. Isto significa que a decisão não pode ser revista e deve ser cumprida imediatamente.

– Segundo, caso uma das partes não esteja satisfeita com a decisão, cabe a ela notificar a outra parte em até 28 dias. Nesta hipótese, a decisão se torna vinculante, porém não é final. Às partes subsiste a obrigação de cumprir a decisão de imediato; entretanto, esta poderá ser revisada em etapa futura do procedimento de resolução de disputas.

Na eventualidade da decisão do Dispute Board ser vinculante e não final, as partes deverão tentar um acordo em até 56 dias (cláusula 20.5). Caso não haja acordo, e depois de decorrido o respectivo prazo, a disputa poderá ser referida à arbitragem (cláusula 20.6). As partes poderão apresentar novos argumentos e provas durante o procedimento arbitral, e o tribunal arbitral poderá rever integralmente a decisão vinculante e não final do Dispute Board.

Questão problemática
No caso de uma decisão vinculante e final do Dispute Board, se uma parte não cumprir a decisão de forma espontânea, a outra parte poderá remeter a questão à arbitragem (cláusula 20.7). Neste caso, o escopo do procedimento arbitral é diferenciado, e o tribunal arbitral não irá rever o mérito da decisão. Ao contrário, apenas irá converter a decisão do Dispute Board em sentença arbitral. Este passo é importante, e necessário, para fins de exequibilidade. Uma vez que a sentença arbitral possui status de sentença judicial, e pode ser executada em qualquer país signatário da Convenção de Nova York.

A determinação contratual acima (cláusula 20.7) é aplicável, de forma expressa, a decisões vinculantes e finais do Dispute Board. Diante disso, surge a seguinte indagação:

– O que fazer quando uma parte se nega a cumprir decisão vinculante e não final do Dispute Board?

É possível cogitar, de forma razoável, pelo menos quatro hipóteses distintas à indagação acima.

Primeira: a decisão vinculante e não final do Dispute Board se torna uma obrigação contratual, e não há como executar esta decisão. Logo, se uma parte ignorar a decisão, esta incorre em descumprimento contratual. Surge, então, o dever de compensar a parte contrária pelos prejuízos causados por conta do desrespeito a respectiva obrigação contratual, nos termos da lei material aplicável ao contrato.

Segunda: o descumprimento da decisão vinculante e não final deve ser encarado como uma nova disputa entre as partes. Assim, o caso de descumprimento deve remetido ao Dispute Board, o qual irá proferir nova decisão, cujo escopo é, somente, aferir o descumprimento de sua decisão prévia. Somente esta subsequente decisão do Dispute Board poderia ser remetida à arbitragem, a fim de buscar a conversão para sentença arbitral. No que concerne a decisão original do Dispute Board, esta seria revista por meio de procedimento arbitral distinto.

Terceira: a questão relativa ao descumprimento da decisão vinculante e não final é enviada diretamente à arbitragem. O escopo do procedimento arbitral, neste caso, é somente verificar o descumprimento da decisão do Dispute Board, para, então, converter a respectiva decisão em sentença arbitral.

Quarta: a questão relativa ao descumprimento da decisão vinculante e não final também é enviada diretamente à arbitragem. Contudo, a disputa que originou a decisão dever ser enviada simultaneamente à arbitragem. Assim, o tribunal arbitral poderia, inicialmente, através de uma sentença arbitral parcial, garantir a exequibilidade da decisão do Dispute Board. E, num segundo momento, rever o mérito da decisão do Dispute Board, através de uma sentença arbitral proferida ao final do procedimento arbitral.[4]

Solução
O Memorando expedido pela FIDIC esclarece que a indagação deve ser interpretada nos termos da terceira hipótese acima cogitada. O Memorando menciona de forma expressa que, no caso de descumprimento de decisões vinculantes e não finais, a questão relativa ao descumprimento da decisão também pode ser enviada diretamente à arbitragem. Não há necessidade de remeter o descumprimento ao Dispute Board, tampouco se exige que as partes busquem um acordo em 56 dias.

Para não haver dúvidas, e aumentar a efetividade das decisões do Dispute Board, a FIDIC recomenda as seguintes alterações nos modelos contratuais:

– Incluir dispositivo, na cláusula 20.4, concedendo poderes ao Dispute Board para exigir que a parte preste garantia, quando houver decisão do Dispute Board determinando que esta parte pague valores em favor da parte contrária. 

– Substituir a cláusula 20.7 integralmente. Agora, se uma parte descumprir qualquer decisão do Dispute Board, seja vinculante e final, ou vinculante e não final, a outra parte poderá submeter o caso de descumprimento à arbitragem. O tribunal arbitral detém poderes, nestes casos, para proferir sentença arbitral via procedimento sumário ou expedito, a fim de garantir a exequibilidade de qualquer decisão do Dispute Board, sem revisão do mérito da disputa.

– Inserir dispositivo nas cláusulas 14.6 e 14.7, concedendo poderes ao engenheiro da obra, para debitar ou acrescentar os valores, originados por decisões do Dispute Board, nos certificados de pagamentos intercalares, os quais são pagos pelo dono da obra em favor da construtora durante a execução da obra. Assim, não é necessário iniciar arbitragem quando o objeto da decisão descumprida for o pagamento de valores por uma parte em favor da parte contrária.

Resultado
De fato, o texto prévio, no tocante às decisões vinculantes e não finais do Dispute Board, não era claro. O ápice do problema revelou-se na decisão judicial da corte de apelação de Singapura,[5] a qual anulou decisão que convertia decisão do Dispute Board em sentença arbitral, via procedimento arbitral que não revisou o mérito da disputa decidida pelo Dispute Board. Curiosamente, o renomado poder judiciário de Singapura interpretou a questão de maneira exatamente contrária à intenção do modelo contratual FIDIC. E a real intenção, finalmente, ficou clara no Memorando expedido no dia 01 de abril de 2013.

Agora, cabe aos usuários de contratos FIDIC adotar as recomendações contidas no Memorando, a fim de assegurar a exequibilidade de toda e qualquer decisão proferida pelo Dispute Board e; como resultado, garantir a segurança jurídica do procedimento de resolução de disputas.


[1] FIDIC é uma sigla em francês para Federation Internatiolane des Ingenieurs-Conseils. O innstituto foi fundado em 1913 por membros da indústria de engenharia Suiços, Franceses e Belgas, e atualmente possui mais de 60 países membros.

[2] Banco Multilateral de Desenvolvimento inclue, entre outros: Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento Asiático, Banco de Desenvolvimento Africano, Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, Fundo Internacional para Desenvolvimento da Agricultura. Associação Internacional de Desenvolvimento.

[3] As cláusulas discutidas neste artigo correspondem aos seguintes modelos contratuais FIDIC: (i) Red Book, construtora responsável pela execução da obra; (ii) Yellow Book, construtora responsável pela execução da obra e elaboração do projeto; (iii) Silver Book, uso em projetos EPC – Turnkey. As respectivas cláusulas são praticamente idênticas nos três modelos contratuais.

[4] Ver: Caso no. 10619 da CCI – publicado no Boletim Internacional da Courte de Arbitragem da CCI, Volume 19, no. 2 – 2008, p 85 a 90.

[5] Ver: CRW Joint Operation v PT Persusahaan Gas Negara (Pereso) TBK [2011] SGCA 33.

Autores

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    é mestre em Arbitragem Internacional e Comparada pela Queen Mary University, em Londres. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Membro da Comissão de Mediação e Arbitragem da OAB Paraná. Advogado e Administrador de Empresas.

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