Autonomia da vontade

TJ-PA censura juiz que incentivava desistência de ações

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4 de maio de 2013, 8h50

Por tratar de forma descortês vítimas de violência doméstica e influenciar na vontade de cada uma induzindo-as à desistência dos processos, o juiz Roberto Andrés Itzcovich, da 3ª Vara da Comarca de Barcarena, no Pará, recebeu pena de censura pelo Tribunal de Justiça do estado. O juiz ainda foi condenado por negligência, por não promover sessão do Tribunal do Júri durante três anos.

Itzcovich ainda foi acusado de causar constrangimento às vítimas de violência doméstica por reunir todas ao mesmo tempo em um único ambiente para esclarecer os termos da Lei Maria da Penha e as consequências de dar prosseguimento às ações. Mas, ao analisar essa acusação, o Pleno do TJ-PA constatou que não houve violação.

De acordo com o Pleno, não há “inviolabilidade da vida privada das ofendidas até porque as explicações coletivas e/ou genéricas, sem adentrar no mérito da causa, feitas antes da denúncia e da formalização da ação penal, não se confundem com a audiência individual que ele efetivamente realizava do caso perante o representante ministerial”.

Porém, ao analisar os autos, o relator do processo disciplinar, desembargador Leonam Godim da Cruz Junior, afirmou que nessas reuniões de esclarecimento o juiz violou o artigo 3º do Código de Ética da Magistratura, que diz: "A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas".

De acordo com o processo, durante as audiências preliminares, o juiz sugeria às vítimas a desistência da ação. Segundo o depoimento da promota de Justiça Vyllya Costa Barra Sereni, que acompanhou uma dessas audiências, o juiz, ao sair da sala de audiência, passou a conversar com algumas mulheres que estavam no corredor, afirmando que as ações não iam dar em nada e que elas deveriam desistir. Outro depoente confirmou o relato, afirmando também que o juiz se dirigia às vítimas dizendo que elas poderiam desistir do processo, não representando contra o agressor. Segundo o depoente, após o juiz sugerir a desistência do processo, quase a totalidade das vítimas desistiam.

“É possível constatar a inobservância do artigo 3º do Código de Ética da Magistratura Nacional, pelo juiz processado, na condução da audiência com as vítimas de violência doméstica, de certa forma influenciando as ofendidas à renúncia do direito de ação, maculando o princípio da autonomia da vontade que, em linhas gerais, é o poder dos indivíduos de suscitar, mediante manifestação de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica”, concluiu o relator Leonam Godim da Cruz Junior.

Negligência
No Procedimento Administrativo Disciplinar, o juiz Roberto Andrés Itzcovich foi acusado de não promover sessões do Tribunal do Júri na comarca durante três anos. O juiz se defendeu alegando que a falta de sessões começou antes de ele assumir a titularidade da Vara. Ele juntou documentos comprovando que, por exemplo, de 2000 a 2006, não houve uma única sessão.

Para o desembargador relator, “tal circunstância relativa aos anos anteriores sem sessão do júri não afasta a responsabilidade do magistrado requerido de seu múnus; vez que as atribuições genéricas da função são individualizadas por cada um dos membros do poder jurisdicional, dentro de seu controle subjetivo de praticar os atos, de forma que não estamos julgando a responsabilidade dos outros magistrados que passaram na vara sem reunir o Conselho de Sentença, mas do processado”.

Além disso, o juiz, em sua defesa, alegou que a falta de sessões desde que assumiu a Vara ocorreu em razão do período eleitoral e da precária estrutura física da sala do fórum destinada às sessões. Segundo Itzcovich, as sessões só puderam voltar a ser feitas após uma reforma no local.

Contudo, documentos apresentados por membros do Ministério Público mostram que a revogação das sessões de julgamento pelo Tribunal do Júri “teve como justificativa a necessidade de serviço e/ou atualização dos endereços dos réus pelo Ministério Público, sem que fosse pela precária estrutura física do salão do Tribunal do Júri ou quaisquer outros casos de força maior”.

Diante do caso, o desembargador relator concluiu ser “indiscutível a reiterada negligência do processado no cumprimento do dever, por ter deixado de realizar sessões do Tribunal do Júri durante aproximadamente três anos depois de assumir a titularidade da 3ª Vara Penal da Comarca de Barcarena; assim como, o seu procedimento incorreto no exercício da função judicial referente a sua conduta na reunião com as vítimas de violência doméstica, merecendo a devida censura”. A maioria do Pleno da corte, no entanto, não concordou com o entendimento e afastou a punição do juiz nesse quesito.

Clique aqui para ler a decisão.

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