Estratégia nacional

Via administrativa é opção para conflitos repetitivos

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3 de maio de 2013, 7h00

A judicialização de questões das mais ínfimas às mais relevantes é resultado do ideário de que o Poder Judiciário é o único responsável para solucionar conflitos de interesse. O Poder Executivo soluciona milhares de demandas administrativamente por órgãos colegiados integrantes da estrutura dos Ministérios (Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, Conselho de Recursos da Previdência Social do MPS, etc…). Mas essa atuação é insuficiente. Daí o recurso persistente dos cidadãos ao Poder Judiciário.

As questões de natureza previdenciária (INSS), habitacional (CEF) e os executivos fiscais respondem pela maioria significativa das demandas perante a Justiça Federal. É possível que a baixa efetividade da solução de conflitos na esfera administrativa tenha levado ao recurso dos cidadãos ao Poder Judiciário. Mas esse já ultrapassou o limite de responder às demandas da sociedade com a celeridade que seria desejada. E daí vem promovendo a busca de aumento da infraestrutura para solucionar os conflitos sob análise.

Parece óbvio que estamos em um ciclo vicioso: temos cultura de judicialização de conflitos, gerada pela ausência de resposta do Poder Executivo às demandas sociais e por fim ajuizamento de ações judiciais. E a trajetória é geométrica.

O demandado na Justiça Federal é a União, suas autarquias e fundações. Estamos no momento de repensar esta problemática e tentar solucionar os conflitos. E a via adequada não é aumento da infraestrutura judicial, pois estamos apenas alimentando o ciclo. O Poder Judiciário está tentando dar resposta às demandas pela via condizente com sua finalidade institucional. E não há críticas consistentes contra essa atuação.

O alvo da questão é a raiz dos conflitos. Conflitos existem e sempre existirão. A União é parte adversa como qualquer outra. Deve resistir a investidas sem fundamento. Mas pode e deve realizar filtros na prevenção de demandas repetitivas. Caso das questões previdenciárias que somam a casa de milhões de conflitos. A grande maioria seria desnecessária. Poderiam ter solução célere no âmbito do Poder Executivo, com utilização da infraestrutura material e humana existentes. O Executivo detém quadros altamente qualificados no âmbito da AGU, Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Ministério do Planejamento, Banco Central etc… O problema está na baixa efetividade na alocação desses recursos humanos e materiais disponíveis. Os da AGU atuam prioritariamente na defesa judicial da União. Os da Receita atuam majoritariamente na fiscalização tributária. A CGU atua na fiscalização da aplicação das verbas públicas. A atuação preventiva e de solução de demandas é de baixa efetividade.

Imaginemos a alocação dessa mão de obra altamente qualificada na detecção e solução de conflitos como estratégia institucional. Da mesma forma como agem nos debates administrativos e judiciais.

Falta a interlocução dos agentes e a utilização dessas inteligências institucionais na solução dos conflitos pela via administrativa. Caso aconteça, será o grande salto rumo ao aprimoramento da máquina pública que tanto almejamos: voltada para prevenir demandas, solucionar conflitos com celeridade e aumentar a eficiência do gasto público. O aumento da infraestrutura do Poder Judiciário leva ao aumento da estrutura administrativa para fazer frente a esse agigantamento. Criação de novos órgãos ou entidades, estrutura material e humana. E daí os conflitos seguem a mesma trilha. Um ciclo vicioso que devemos combater a todo custo. Repensar o funcionamento da AGU, da Receita Federal e da Controladoria Geral da União e de outros órgãos da Administração Federal irá trazer aprimoramento, economicidade, eficiência e eficácia à maquina federal.

As soluções não vêm como mar de rosas. Em um estalo. O Poder Executivo detém competência para tentar resolver a questão, juntamente com o Poder Legislativo e Poder Judiciário. Detemos os recursos materiais e humanos para amenizar esse ciclo vicioso e crescente de judicialização como única forma de solução de conflitos. A arbitragem não decolou. Daí novo repensar.

O Poder Judiciário não é detentor da prerrogativa de solucionar conflitos. O Poder Executivo pode fazê-lo por meios de órgãos administrativos.

Uma das justificativas dos Estados constitucionais é a solução de conflitos. Se o Estado é o maior acionado então há possível desvirtuamento da sua missão de ser agente solução. No caso do Brasil, o Estado encontra-se na condição de agente indutor de conflito. A quantidade e a similitude das matérias sob apreciação judicial com o Estado acionado respaldam a afirmação. Pode ser atribuído à falta de planejamento estratégico. Estratégia nacional de prevenção e solução de conflitos.

Desjudicializar para resolver. Eis a questão.

O engendramento, a discussão, a criação, a implantação e a execução de uma estratégia nacional de solução e prevenção de conflitos é o que nos falta. O presidente da República pode dispor a respeito no âmbito do Poder Executivo Federal. Solucionar para resolver e/ou prevenir conflitos. Nesse contexto, ouso sugestões.

O Poder Judiciário especializou-se e aumentou de forma significativa sua estrutura para atender às demandas nos Juizados Especiais Federais. As questões de natureza previdenciária respondem de forma significativa nas estatísticas. E são demandas repetitivas. O pior é que dizem o óbvio que o INSS reluta em entender. Então o Judiciário diz ao Executivo (INSS) centenas de milhares de vezes o que deve ser feito. E as mesmas questões sucedem dia a dia, ano após ano. As contestações da União sucedem e as sentenças também. Um processo mecânico, repetitivo. Com custos elevadíssimos.

A estrutura da Administração não deve voltar-se para contestar demandas cujo direito do cidadão salte aos olhos. O reconhecimento administrativo do direito deve ser objetivo. Mas a culpa não é dos servidores. Falta disposição legal e regulamentar que aparelhe a tomada de decisão administrativa rápida e eficaz para solução de conflitos repetitivos.

O Poder Judiciário está à frente do Poder Executivo na questão de soluções repetitivas. Temos as Súmulas Vinculantes e os Recursos de natureza repetitiva como forma de racionalizar o julgamento de demandas após os casos paradigmas. No Executivo há a mesma possibilidade. O titular da AGU pode editar Súmula Administrativa e o presidente da República pode adotar medidas que obrigue toda a Administração Pública Federal. Decreto, aprovação de parecer normativo.

Então o ponto nodal parece estar na detecção de demandas repetitivas. A partir daí vem a necessidade de debate sobre o tema até a adoção de solução administrativa que isonomize solução.

Mas é possível avançar mais. Quem sabe a criação de Câmaras Administrativas que sejam competentes para deliberar de forma colegiada sobre demandas repetitivas.

Imaginemos um colegiado interdisciplinar: AGU, MPOG, CGU, Receita Federal, etc… para solução de conflitos setoriais. Cada órgão opinaria na medida da sua competência institucional.

O caso seria instaurado após o órgão demandado detectar a repetição de demandas. Instaurado o caso líder, a deliberação sobre o assunto teria prazo máximo (30, 60 dias por exemplo). Tomada a decisão na esfera administrativa ela seria submetida como proposta de solução dos conflitos semelhantes. Acatada a solução, o Poder Judiciário daria sentença aplicando o direito à espécie. Dispensada inclusive citação da União. A citação seria para cumprimento da sentença. Seria o caso de reconhecimento do pedido nos moldes da proposta da Administração. Daí a desnecessidade de citação para contestar a ação. Não acatada a proposta da União o caso poderia ter seguimento normal nos moldes atuais. A proposta é exemplificativa.

Essas e outras questões poderiam ser objeto de uma estratégia nacional de solução e prevenção de conflitos. Não há Lei dispondo sobre o assunto.

A institucionalização de uma estratégia nacional de prevenção e solução de conflitos na esfera administrativa traria resultados inesperados a médio e longo prazo. Seria caminho para deter a judicilização como única forma de solução de conflitos.

Arnaldo Godoy, no seu Domesticando o Leviatã: Litigância Intragovernamental e Presidencialismo de Articulação Institucional, traz luzes sobre o tema.

A União poderia dar o chute inicial nesse sentido. A estrutura administrativa existente pode ser utilizada para essa tarefa.

Aos que decidem. Vamos repensar o modelo atual que alimenta a judiciliazação das questões.

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