PEC 37

MP começou a ultrapassar limites da legislação

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24 de junho de 2013, 14h26

Não se está entendendo muito bem quais são os problemas fundamentais do conflito sobre a denominada PEC 37, ou seja, a regulamentação dos atributos da Polícia Judiciária e do Ministério Público. Os advogados, num sentido bem pragmático, relacionam-se profissionalmente com uns e outros, fazendo-o dentro ou fora da ditadura. Exemplo típico pode ser encontrado na transmigração do golpe militar de 1964. A história do Brasil demonstra satisfatoriamente quem, quando e quantos usaram os arreios da horrenda figura do militarismo torturador.Existe, no subsolo da disputa, um inconformismo enorme dos criminalistas quanto a métodos usados pelo Ministério Público, a partir de certa data, para otimizar as ações penais. Em outros termos, aquela instituição, respeitada em muitos aspectos, começou a ultrapassar limites básicos inscritos em legislação concreta e vertendo no todo, pois o Estado-Acusação precisa ter comportamento eticamente adequado. Não se lhe permite conduta ilícita ou imoral. Battaglini, a seu tempo, lá atrás, já advertia contra o risco de se transformar o mocinho em bandido também. Dentro de tal contexto, os métodos usados pelo Ministério Público a partir de passado recente vêm sendo aperfeiçoados em típica espionagem, sem exceção da chamada interceptação telefônica e ambiental, em confraria com empresas privadas, sem atenção qualquer às prerrogativas do advogado. Guardando ciosamente tais conquistas nos escaninhos impermeáveis, a instituição não mostra — pois a divulgação prejudica a eficácia — a série grande de comportamentos desenvolvidos na tarefa de espiolhar intimidades, munidos os perscrutadores de instrumental adquirido a peso de ouro em contratos ajustados com sociedade comercial que domina seguramente o mercado consistente na obtenção de dados sobre a vida do cidadão. A luta contra a corrupção é pedra de toque nas manifestações e passeatas multiplicadas no país. O povo quer mudanças, numa salutar demonstração de rebeldia ao dito statu quo vigente. Faz-se assim, elogiando-se a tendência popular. Tal recomposição, entretanto, precisa realizar-se com extrema prudência, porque as extravagâncias atingem também o polo contrário ao comportamento estético. Isso aconteceu em 1964. Quem ainda vive sabe muito bem disso, sucedendo o mesmo, inclusive, em muitos países que passaram pela experiência, agora ou nos séculos passados, bastando lembrar a Revolução Francesa, sabendo-se que aquilo tingiu de sangue a Praça da Bastilha, com Madame Guilhotina decapitando, sem dó, Danton, Robespierre, Saint-Just e outros. Os revolucionários da época tinham cabeleira profusa. Danton, encarcerado, quis recusar o barbeiro. Foi aviltado até nisto porque a lâmina ferrugenta se enredaria nas capilosidades do justiçado. Isso não aconteceria hoje porque a maioria dos heróis é calva. Sinal dos tempos. Marat teve sorte — ou azar. Foi desventrado por Charlotte Corday. Sempre há mulher na parada.

Tocante à PEC 37, esta não está em jogo. Pode ser refugada sem grandes danos, pois aos criminalistas isso não faz mossa. Pretendem estes, sim, que seus contatos telefônicos tenham a inviolabilidade garantida, suas consultas preservadas, suas gavetas mantidas intocadas e, enfim, que suas prerrogativas sejam observadas. Fixados tais parâmetros, postos irredutivelmente dentro das garantias e direitos individuais, pouco importa qual monstro está do lado de lá, porque as armas são iguais, a liça é bem conservada, não há deslealdade e há juízes mantendo o equilíbrio. O moço, a jovem, o quarentão, o estudante universitário, enfim, sabem alguma coisa do todo, mas não conhecem os subterrâneos do contraditório penal. Hão de sabê-los quando estiverem, por hipótese, a trocar sussurros com seus amores, inocentes embora, vendo-os depois gravados num bunker qualquer e postos impiedosamente a público. Dir-se-á que isso não acontece, mas a desgraça sucede a culpados, com razão, e a inocentes também, sem razão qualquer. O que os criminalistas pretendem não diz com a PEC 37. Esta que se lixe. Há, no submundo da investigação paranoica, alguma coisa podre a exalar cheiro ruim junto às janelas da cidadania. O que os advogados criminais brasileiros exigem — e daí o seu pavor — é que não se irmanem uns e outros montando “aparelhos” secretos de interceptação, violentando-se a privacidade de muitas criaturas, com ou sem autorização do Poder Judiciário e, se autorização houver, pior ainda, porque o juiz se transforma, também, em beleguim de baixa estirpe. Não se entenda mal, portanto, a perplexidade dos advogados quanto à lei nova proposta. Querem a observância estrita da legalidade e exigem do Estado-Acusação, mais do juiz a fiscalizá-lo, honestidade absoluta na concretização dos propósitos de restauração da plenitude da moralidade na nação brasileira. Se for este um país em que a bandidagem impera, não se pode combatê-la com instrumental igual, porque, em nome da restauração dos princípios éticos, a beca e a toga se integrarão na família dos meliantes.

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