Fantasmas de 64

Professora da USP teme estado de sítio com protestos

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23 de junho de 2013, 17h42

A professora de Direito Penal de Universidade de São Paulo e conselheira da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil Janaína Paschoal critica a falta de foco e liderança entre os manifestantes que saíram às ruas nas últimas semanas com um pauta difusa de reivindicações. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ela demonstra sua apreensão sobre o atual quadro, agravado pela violência, culminar em um estado de defesa e de sítio.

Suas opiniões causaram polêmica entre os professores das Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. “A manutenção dos protestos, com a mesma frequência e natureza, implica cavar uma cova para a democracia. É hora de recuar, até por estratégia", escreveu em um rede interna, na última quinta-feira (20/6), na carta “Apelo a todos os franciscanos”.

Sem citá-la nominalmente, Janaína faz menção a Nina Cappello, aluna de Direito da USP, uma das articuladoras do Movimento Passe Livre: "Os protestos que tomaram conta do país também se iniciaram aqui. Uma das líderes conhecidas é aluna da casa. Quero crer que ela não objetive ser lembrada como a jovem que trouxe de volta a ditadura".

"A insinuação de que uma de nossas alunas poderia ser responsabilizada pela volta da ditadura é um completo nonsense", disseram 20 professores, que acharam a visão da colega exagerada. “Rogo a Deus estar errada. Quero estar vendo fantasmas”, respondeu.

Na entrevista, a professora também concorda que a polícia atue nas manifestações, mas se junta aos que são contra a PEC 37 ou temem que os condenados no processo do mensalão demorem a ser punidos.

Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha de S.Paulo

Que balanço a senhora faz dos protestos?
A redução no valor das tarifas chancelou um certo modo de agir. Não é quebrando e queimando ônibus que se conquista as coisas. Manifestações são sempre bem-vindas. A questão é que elas vêm em um crescendo de violência que pode desembocar em uma situação de convulsão social.

Quais são os maiores problemas?
Uma onda de protestos sem foco e sem liderança, e com atos de violência, pode ensejar uma situação de estado de defesa e de sítio. Já vimos esse filme em 1964, é o que mais me preocupa. Meu temor é de chegarmos a um acirramento, a uma quase irracionalidade.

Não me agrada a forma como os protestos estão se desenrolando. São todas bandeiras legítimas, mas tocam em temas complexos, e as autoridades precisam de tempo para dar uma resposta.

Os protestos deveriam parar?
O Brasil está entrando em uma espiral que pode não ter volta. Agora precisamos de paz. Não dá para ter protestos todos os dias. Faço um apelo para que os pais peçam aos filhos para que fiquem em casa.

E se a violência cessasse?
O problema é que parte da sociedade já não vê um carro incendiado como violência. Na USP, muitos professores classificam esse tipo de ato como "direito à resistência", como se a causa justificasse tudo.

Se jovens da periferia tivessem tomado a Paulista, ninguém acharia exagero a PM tomar providências. Mas quando um menino de classe média quebra e bota fogo em tudo, o tratamento é diferente. Ninguém tem carta branca para delinquir. A questão é você acreditar que tem direitos que os outros não têm. A ideia do "território livre" na USP nada mais é do que isso.

O que pensa da violência enquanto forma de resistência?
Resistência e manifestação devem ser feitos através da palavra. Não acredito no direito de pegar em armas. Crime político é ser perseguido pelo que se fala e pensa.

E a polícia?
Não dá para querer a polícia longe das manifestações e desarmada. O problema é que as instituições de defesa são vistas como coisas ruins e desnecessárias para a manutenção da democracia.

Qual seu nível de empatia com relação às bandeiras em questão?
Algumas dores me sensibilizam mais que outras. Não fiquei indignada com o aumento da passagem. Mas sou contra a PEC 37, e junto-me ao coro dos revoltados com a fala do ministro Dias Toffoli, de que os condenados no mensalão só serão presos daqui a dois anos.

E o caráter apartidário dos protestos?
A revolta contra os partidos tem sua razão de ser. Mas considero que é preciso aprimorá-los, não acabar com o sistema democrático.

Onde os manifestantes erram?
Enquanto houver saques e violência, o movimento deveria ser suspenso por quem os convoca. Entendo que isso parta de uma minoria, mas não tratar deste tema significa uma aceitação tácita.

Como enxerga as redes sociais?
Se não indico texto digitalizado e curto ao alunos, dificilmente será lido. Querem pílulas. Redes sociais não são ruins, mas não podemos abrir mão de livros. Quem não lê acredita só no mensageiro.

 

 

 

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