Direito Comparado

Depois de um ano, é momento de uma coluna diferente

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

19 de junho de 2013, 14h04

A coluna “Direito Comparado” completa hoje um ano de existência. Essa efeméride faz-me pedir licença aos leitores e oferecer-lhes uma coluna diferente. Nada de questões de Direito estrangeiro, nada de exame de problemas político-jurídicos internacionais ou a narrativa de aspectos relevantes da vida e da obra de juristas internacionais. O objetivo é mais singelo, embora não menos importante: agradecer aos leitores e assim o fazer por meio do compartilhamento de experiências e pela exposição de algumas curiosidades (ou a satisfação delas) sobre a coluna e sua elaboração.

Primeiro, é o caso de denunciar os culpados pelo nascimento da coluna, parafraseando Saulo Ramos, na abertura de seu best-seller “O Código da Vida”. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, ao lado de Vladimir Passos de Freitas, é pioneiro das colunas da revista eletrônica Consultor Jurídico. Sempre que nos encontrávamos, ele sugeria (com sua habitual veemência retórica) que eu também ocupasse esse espaço (então) incipientemente explorado. Ele estava espantado com o nível de difusão e de leitura de seus textos. A internet era incomparavelmente superior às publicações impressas nesse quesito. O estímulo desse amigo e grande intelectual brasileiro uniu-se ao convite de Márcio Chaer, o publisher da ConJur, um jornalista que se mostrou visionário na criação do jornalismo jurídico e na aposta (totalmente arriscada) na viabilidade econômica de uma revista exclusivamente eletrônica. O convite de Chaer foi prontamente aceito, mas, em razão do início de meu estágio pós-doutoral no Max-Planck-Institut, em 2011, o início da coluna só ocorreu efetivamente em 2012.

A coluna nasceria com o título “Conexão Europa”. Teria sido um grave erro. Passados 12 meses, os leitores perceberam que as questões relativas ao Direito europeu dividem espaço com temas americanos, africanos, asiáticos e da Oceania. Da relevância do Direito produzido em países africanos ao diálogo com o Direito de common law, em tudo e por tudo, a globalização do conhecimento jurídico (e não apenas jurídico) transparece semanalmente nas páginas da ConJur (e desta coluna), como que a desmentir o já ultrapassado eurocentrismo do Direito.

O nome “Direito Comparado”, em alternativa à “Conexão Europa”, foi por mim rejeitado em razão de pundonores técnico-jurídicos. Afinal, eu tinha a consciência de que o Direito Comparado é uma disciplina com estatuto epistemológico e metodologia próprios. Uma coluna semanal, com o estresse para elaborá-la em tão curto espaço de tempo e com o nível de simplicidade que o jornalismo exige, não poderia ser permanentemente fiel aos propósitos de uma província jurídica. Mas, essa objeção foi vencida e, ao cabo de um ano, a recepção dos leitores foi extremamente generosa. Meus receios mostraram-se infundados.

A propósito dessas questões onomásticas, é absolutamente curioso como muitos leitores (em seus comentários escritos aqui ou em contato pessoal) referem-se aos textos da coluna como “artigos”. A causa dessa confusão é talvez explicável pelo excesso de notas de rodapé e pela ordenação dos temas, seguindo uma estrutura um tanto quanto “pandectista”. Sim, a despeito dessas características, os textos não são propriamente artigos. O colunista não os considera assim, até por que os textos são de enorme simplicidade e com ambição intelectual de reduzidíssimas proporções. Quanto às notas de pé de página, alguns amigos censuram-me permanentemente, ao exemplo do grande tratadista do Direito Comercial contemporâneo Gladston Mamede. Infelizmente, não consigo viver sem essas pequenas e incômodas companheiras de literatura. Muito menos do pandectismo, que meu estimadíssimo orientador, o professor Antonio Junqueira de Azevedo, considerava um vício irremediável de seu aluno. Sempre acreditei na força da máxima “Qui bene distinguit, bene docet” (quem bem distingue, bem leciona).[1]

Outra curiosidade: muitos me questionam como eu faço para conseguir temas tão diferentes e variados, que se sucedem (quase) toda semana? Bem, esse é um dos pontos mais difíceis, realmente. Escrever a coluna não é tão complicado quanto obter as “pautas” semanais. Eu faço uma pesquisa em sítios eletrônicos de tribunais, revistas jurídicas, biografias e jornais estrangeiros. Até a véspera da publicação da coluna, essa pesquisa é incessante. Quando há uma decisão relevante de um tribunal estrangeiro ou internacional, é uma dádiva. Mas, isso não é corriqueiro. Além disso, o tema deve guardar conexão com o Direito brasileiro, a fim de que se faça a necessária “comparação” (no sentido vulgar e não necessariamente seguindo-se os métodos do Direito Comparado), de molde a interessar um número maior de leitores.

Outra curiosidade: os títulos. Quase sempre, eles são alterados pelo pessoal da redação, de modo a que se ajustem aos limites de caracteres e ao estilo jornalístico. Perde-se, muitas vezes, em sentido ou no que exatamente o autor pretende expressar com o título original. Mas, é uma necessidade imperativa do meio escolhido para divulgar o pensamento. Alguns leitores não compreendem essa necessidade e se ressentem de que o título não foi muito fiel ao texto. Fica essa anotação, que é necessária. Mas, também, o reconhecimento do trabalho incansável dos jornalistas da ConJur, especialmente o Marcos de Vasconcellos, o Alessandro Cristo, a Aline Pinheiro e o Leonardo Léllis, que recebem os textos nos horários mais inconvenientes e têm a paciência de relê-los, formatá-los e publicá-los.

A coluna, por razões que não se podem qualificar de racionais, terminou por se dividir em três grandes áreas de interesse: (a) análise de inovações legislativas ou jurisprudenciais estrangeiras; (b) descrição ou debate sobre temas jurídico-políticos estrangeiros ou internacionais, que guardem paralelismo com o Brasil e sua realidade; (c) exposições de caráter biográfico ou bibliográfico, que envolvam a vida ou a obra de grandes juristas, mesmo os menos conhecidos.

Alguns temas, como religião, discurso do ódio e nacionalismo, em regra, incendeiam as discussões dos leitores e possuem grande repercussão nas redes sociais. É natural que seja assim, embora não se constitua em objetivo do colunista.

Diferentemente, as colunas “biográficas” ou “bio-bibliográficas” atendem a um propósito deliberado: expor as “inexoráveis relações” (como gosta de qualificar o amigo e ilustre colunista Lenio Luiz Streck, campeão de audiência da ConJur) entre a vida dos juristas e seus escritos. Há preços a pagar por certas escolhas na vida pública. Nesse aspecto, é muito bom que o público brasileiro conheça essas opções de cientistas do Direito e seu impacto em sua produção intelectual. As “cláusulas gerais”, hoje tão incensadas por grande parte da dogmática, têm fortes ligações com o fascismo e o nacional-socialismo. Seu desenvolvimento no Brasil, a partir dos anos 1970, não foi desconectado do regime de força de 1964-1985. Não é sem causa que a hoje popularíssima “função social da propriedade” ganhou status constitucional (com esse nomen iuris) graças à Constituição de 1967-1969.

Por outro lado, a coragem de sacrificar carreiras bem-sucedidas e de se aliar aos perseguidos é uma nota de tal nobreza que merece ser enaltecida, como se fez na coluna Os juristas que não traíram a História. É gratificante difundir que Hans Carl Nipperdey, Heinrich Lehmann, Hans Planitz, Godehard Josef Ebers, e Albert Aloysius Egon Coenders, todos catedráticos da Universidade de Colônia, arriscaram suas vidas e arruinaram suas docências universitárias ao assinarem uma petição dirigida ao governo prussiano em favor de Hans Kelsen, quando ele foi afastado de suas funções pelo regime nazista. Nipperdey e Lehmann são relativamente bem conhecidos no Brasil pela coautoria do Tratado de Direito Civil alemão, juntamente com Ludwig Ennecerus. É outra coisa ler seus escritos e saber que, diversamente do famoso Karl Larenz, este profundamente comprometido com o nacional-socialismo, eles não traíram sua honra. Nem a História.

A estampa semanal de “Direito Comparado” teve ainda o efeito de criar novas e impensáveis relações de amizade. A força da internet é realmente ilimitada. Em diversas cidades, em diferentes auditórios e mesmo em locais de trabalho, encontra-se alguém que leu (ou lê) as colunas. Sem falar nos e-mails recebidos dos leitores. Tenta-se responder a todos. Muitas vezes, não é possível. E por aqui ofereço meus sinceros pedidos de desculpa. As discussões surgidas nos comentários são sempre ricas. As mensagens dos leitores também servem de estímulo.

O balanço deste um ano é muito positivo. O objetivo de celebrar esse momento, creio, está alcançado. Encerro esta coluna, diferente e especial, com menos caracteres e com mais esperança de prosseguir nessa formidável (ou seja, bela e assustadora, no sentido clássico da palavra) jornada de difusão e de debate do conhecimento jurídico. A todos, indistintamente, deixo registrado meu agradecimento sincero.


[1] E por falar nelas: a fonte do axioma encontra-se em 2 Co Inst. 470.

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  • Brave

    é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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