Financiamento democrático

É preciso impedir doação de empresas para partidos

Autor

  • Carlos Neves Filho

    É advogado mestre pela Faculdade de Direito de Lisboa e professor de Direito Eleitoral. coordenador da Pós-Graduação da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-PE e vice-presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. Autor da obra “Propaganda eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda politica” (BH: Editora Fórum 2012).

17 de junho de 2013, 11h59

Um novo debate sobre financiamento eleitoral, fora da histórica dicotomia público e privado, foi provocado pela OAB, com a interposição da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650, o que levou o Supremo Tribunal Federal, por meio do ministro Luiz Fux, ao agendamento de audiências públicas, nos dias 17 e 24 de junho de 2013, dada a complexidade e interdisciplinaridade da matéria.

Independentemente da constitucionalidade ou não de normas que tratem de financiamento de campanhas, apontados na referida ação, o debate acerca do tema irá tomar outros contornos.

Primeiro, o Brasil terá que se debruçar sobre o tema, o que já será válido, pois o nosso sistema de financiamento político é misto e obscuro — e falo do sistema legal, pois o outro (caixa dois) deve ser tratado na seara criminal.

No Brasil o financiamento é misto, pois envolve tanto financiamento público, por via de repasse de verbas do Orçamento da União ao Fundo Partidário, que alimenta os partidos, na proporção do tamanho de suas bancadas no Congresso Nacional; quanto financiamento privado, por meio de doações de pessoas jurídicas, limitadas a 2% do faturamento e doação de pessoa física no limite de 10% dos rendimentos, ambos referentes ao ano anterior.

E é obscuro, pois a população não sabe ao certo quem financia as campanhas: de um lado, não sabe que há financiamento público, e se há, como ele é dividido entre os partidos e candidatos; do outro, não sabe que empresas financiam, o volume  de dinheiro e a quem é destinado.

Mas a alteração defendida por alguns, de exclusividade do financiamento público, não trará melhorias — mais das vezes, tem levado à estatização dos partidos políticos, manutenção dos grupos dirigentes no poder e difícil acesso a pequenos partidos, já que a distribuição dos recursos do fundo público é vinculada ao número de cadeiras obtidas no Parlamento — em 170 democracias estudadas pelo IDEA Internacional, nenhuma adota o financiamento público exclusivo. [i]

Atrelar a forma de financiamento às mudanças no sistema eleitoral, como pretendem outros (chegam a argumentar que “só pode haver financiamento público exclusivo com sistema proporcional de lista fechada”), não tem sustentação teórica, nem empírica — não há prova de que os sistemas eleitorais são melhores ou piores por conta da sua forma de financiamento.

Em verdade, deve-se avançar no debate acerca do controle e do acesso democrático aos financiamentos políticos (de partidos e candidatos), propondo-se uma verdadeira modificação no sistema vigente, permitindo a junção do financiamento público com doações de pessoas físicas, e, afastando, em definitivo, a participação privilegiada das empresas no processo.

A vedação total à doação de pessoas jurídicas como se defende, já chega a 42% dos países do continente americano, e ocorre em outros países que adotam o sistema misto de financiamento, a exemplo de Canadá, México, Bélgica, Grécia, Israel, Paraguai, França e Portugal, entre outros.

Na França, por exemplo, desde 1995, as pessoas jurídicas, de direito privado e público, não podem fazer doações a partidos e candidatos, sendo vedadas também doações in natura, como fornecimento gratuito, ou a preços reduzidos, de bens, serviços e outras vantagens. [ii]

Mas, o atual sistema vigente no Brasil tem levado a uma dupla concentração perigosa: de um lado, poucas empresas doadoras, ligadas a setores que dependem diretamente de gestões públicas; e, de outro, poucos candidatos dos partidos que estão no poder (em alguma esfera, ao menos).

Diante de tal constatação, há de ser modificado o sistema de financiamento, para coibir a intromissão institucionalizada (o que não quer dizer constitucional) do poder econômico nas eleições ou, ao menos, reduzir os riscos à representação política, maculada pela desproporção entre o valor da participação de um eleitor e o valor da participação de um grupo de empresas no processo eleitoral.

É gritante a forte interferência econômica na política brasileira — para ficar num único exemplo: R$ 1 bilhão foram doados nos últimos dez anos, apenas por 10 empresas (cinco construtoras), conforme levantamento feito pela Folha de S.Paulo.[iii]

Por outro lado, não há que se falar em fragilização da política, pois, em um ambiente de financiamento misto (público e privado), a implementação de restrição de doações por pessoas jurídicas deve ser acompanhada de ampliação do financiamento público, bem como da contenção dos gastos de campanha e de ampla mobilização partidária por doações de pessoas físicas.

É democrático esse sistema de financiamento, pois um candidato de um partido minoritário pode atrair grande número de pequenos doadores e virar o jogo político, o que seria extremamente difícil num ambiente estratificado do financiamento público (partidos com bancadas maiores recebem mais tempo de TV e dinheiro do público), ou quase impossível na forma vigente hoje no Brasil, onde os partidos no poder, recebem além da maior fatia do financiamento público, a maior parte da doação das empresas privadas.

Por óbvio que a credibilidade da política terá que ser reconquistada, devendo-se inaugurar uma nova fase de participação popular, com atração de simpatizantes, ampliação do número de filiados e consequente aumento da contribuição partidária e do próprio volume de doações eleitorais por pessoas físicas, o que pode se dar com a implantação de democracia interna nos partidos (por Lei, a exemplo de Portugal), permitindo maior interação eleitor-partido, com eleições diretas para escolha de candidatos e membros de órgãos partidários.

Para se obter um financiamento democrático real, que leve a uma verdadeira representação política conforme a vontade (livre) do eleitor, afastando-se as distorções econômicas, tem-se que estabelecer não só a proibição de doações de pessoas jurídicas, mas, principalmente, limites à doação da pessoa física per capita, onde cada eleitor terá um valor máximo de doação estabelecido, como proposto pela OAB na ADI 4.640 e como já ocorre nos EEUU, em Portugal, na França, entre outros.

E, para ampliar o caráter democrático dos financiamentos, tem-se, ainda, que limitar a doação de pessoa física por candidato, afastando-se a fórmula irrestrita do Brasil, onde seria legal (se não fosse inconstitucional) um milionário destinar 10% de sua receita a um único candidato, como seu único doador e definir o rumo eleitoral de uma pequena cidade, que por acaso possua interesse econômico.

Outro debate, urgente, é a necessária fixação por lei de limites de gastos eleitorais, pois a Lei Eleitoral transfere a uma nova lei específica a fixação de limites de gastos eleitorais pelos partidos, e, em não sendo editada, autoriza os próprios partidos fixarem os seus próprios gastos eleitorais, o que causa risco direto à representação política por desproporção entre as candidaturas.

Urge, assim, a modificação do sistema de financiamentos políticos, impedindo a doação por pessoas jurídicas a partidos e candidatos, bem como se deve fixar os gastos igualitários entre os cidadãos (per capita) e por candidato, dentro de uma tentativa de redução dos riscos e dos danos que a interferência (dependência) econômica causa à representação política e à própria Democracia — que é obra inacabada, em busca de mais uma evolução.

 


[i]Regulación del financiamiento político en el mundo: Una visión general a partir de la base de datos de IDEA Internacional”. Instituto Internacional para la Democracia y la Asistencia Electoral 2013. Magnus Ohman. Traducción: Ana Victoria Soto, ISBN: 978-91-86565-74-9. Disponível em: http://www.idea.int/resources/
[ii] TELLES, Olivia. Direito eleitoral comparado – Brasil, Estados unidos, França. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 395.

 

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    É advogado, mestre pela Faculdade de Direito de Lisboa e professor de Direito Eleitoral. coordenador da Pós-Graduação da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-PE e vice-presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. Autor da obra “Propaganda eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda politica” (BH: Editora Fórum, 2012).

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