Direito sem Papel

Recibo de peticionamento eletrônico gera insegurança

Autor

  • Alexandre Atheniense

    é sócio de Alexandre Atheniense Advogados coordenador do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) membro das Comissões de Proteção de Dados Pessoais da OAB-MG e Direito Digital no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

14 de junho de 2013, 14h30

Spacca
Uma das práticas processuais por meio eletrônico mais utilizadas e que pode ser confundida por muitos com o próprio processo eletrônico é a transmissão de peças. A novidade trazida pela Lei 11.419/2006 foi a obrigatoriedade dos tribunais em receberem peças fora do horário de expediente de atendimento presencial e emitirem recibo de protocolo.

Tal inovação não existia na Lei 9.800/1998, que autorizava a transmissão de peças via fax ou outro meio eletrônico, com a posterior juntada dos originais em papel. Naquela época, a boa prática para gerar segurança era o remetente telefonar para o tribunal para averiguar se a transmissão integral da peça havia sido efetuada com sucesso.

O legislador na Lei 11.419/2006 optou por impedir o uso de mensagens eletrônicas com anexo das petições, pois poderiam existir vulnerabilidades na certeza da entrega. Isso acarretaria a responsabilidade do intermediário, ou seja o provedor de e-mails, que poderia não efetuar a transmissão a tempo e modo adequados, sem que o remetente tivesse ciência de alguma irregularidade que pudesse acontecer após clicar o botão “enviar”.

Por esse motivo, a decisão tecnológica mais segura encontrada pelo legislador, foi eliminar a figura do intermediário que faria a entrega da mensagem. Dessa forma, caberá ao interessado autenticar seu acesso no portal de cada tribunal e, em seguida, preencher um formulário eletrônico para posteriormente carregar a peça processual diretamente no sistema, atendendo aos requisitos de formato e tamanho determinado, que são diferentes em cada corte. Para se ter uma ideia dessa diversidade normativa, entre os 92 tribunais existentes no Brasil, já cataloguei mais de 50 normas diferentes para atender aos requisitos necessários para a transmissão de peças. Isso demanda um enorme esforço para que o interessado saiba qual é o padrão adotado em cada tribunal.

A comprovação do sucesso no carregamento da petição decorre da emissão pelo sistema de cada tribunal de um recibo eletrônico de protocolo. Este documento, de suma importância, ao meu ver, tem sido emitido em desconformidade legal. Isso por não garantir a plena segurança de que a peça trafegou eletronicamente da origem ao destino de forma íntegra sem sofrer alteração no seu formato inicial.

Isso ocorre pois os atuais recibos das peças transmitidas gerados pelo tribunal são declarações originadas em formato digital, porém desprovidas de certificação digital para assegurar a identificação do documento recebido, conhecido como hash do documento digital.

Portanto, sem a assinatura eletrônica do responsável pelo tribunal para emitir a declaração do recibo. Este requisito é obrigatório para determinar a aceitação dos documentos natos em formato digital como originais, conforme está preceituado com o artigo 10 da MP 2.200-2 e que deve ser aplicado no artigo 3º e 10º da Lei 11.419/2006 que trata do tema.

O desejável seria que logo após o sucesso da transmissão, fosse possível que o interessado pudesse visualizar a íntegra da peça para conferir se o carregamento foi executado na íntegra com sucesso. Isso não acontece na prática.

A falta de assinatura eletrônica com o uso da certificação digital, não só no recibo de protocolo, mas em todos os atos gerados pelos serventuários, pelos magistrados ou qualquer outro ator processual, gera insegurança com a possiblidade de intervenção humana para fraudar o teor desta peça alterando informações sem deixar vestígio.

Além disso, após examinar os recibos que tive acesso para estudo, não encontrei informações imprescindíveis quanto à segurança da transmissão, ou seja, o tamanho em bits do arquivo recebido pelo Tribunal. Esta informação permitiria ao interessado a certeza que o mesmo volume de dados foi transmitido da origem ao destino. Ou seja se a peça estava no origem com 505 kb, cabe ao Tribunal informar além da data e hora do recebimento o tamanho do arquivo que foi carregado pelo portal. Isto também não se opera.

Horário precisa ser alterado
Outra desconformidade que precisa ser alterada na Lei 11.419/2006 refere-se ao horário limite para a transmissão das peças geradas em formato digital. Está preceituado no artigo 3º, parágrafo único, da Lei 11.419/2006: “Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia.”

Segundo depreende do texto legal, houve alteração das regras e horários para a transmissão de petições, prolongando para até o término das 24 horas do dia em que se findar o cumprimento do prazo processual. O prazo que antes estava limitado ao término do expediente forense presencial, foi adequado ao funcionamento ininterrupto da prestação jurisdicional por meio dos sites dos tribunais.

Nota-se que a inovação tecnológica, entretanto, registrou um erro material no texto legal que precisa ser sanado. Se as peças serão consideradas tempestivas se transmitidas até às 24 horas do seu último dia, isto significa dizer que 24 horas, ou 0h, já deverá ser considerado o primeiro minuto do dia seguinte ao término do prazo. Este mesmo equívoco já foi sanado pela Secretaria da Receita Federal no tocante a regulamentação do imposto de renda quanto ao horário limite da transmissão da declaração por meio eletrônico. O correto seria regulamentar que as peças poderão ser transmitidas até às 23:59:59 do último dia do prazo.

Estamos convivendo com estas desconformidades sistêmicas e normativas que precisam ser sanadas de imediato, para que as práticas processuais por meio eletrônico possam gerar maior segurança para todos atores processuais, reduzindo as vulnerabilidades que podem acontecer sem deixar vestígios no mundo digital.

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