Sem respaldo

Acusar manifestante de quadrilha é opção ideológica

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14 de junho de 2013, 7h00

No Brasil, especialmente no estado de São Paulo, o governo tem uma maneira própria de lidar com manifestações populares: a prisão de alguns manifestantes por crime de dano, combinando-o com o crime de formação de quadrilha.

Foi assim na invasão dos estudantes na reitoria da Universidade de São Paulo, em novembro de 2011, como também foi assim na manifestação na Avenida Paulista contra o aumento das passagens de ônibus, somente citando os casos mais famosos.

Essa opção é politicamente ideológica, não encontrando qualquer respaldo nos princípios regentes do Direito Penal. De início, percebe-se que para os dois crimes, normalmente se verifica a imputação objetiva, vez que não há zelo investigativo a fim de apurar quem praticou o dano, ou ainda (o caso mais estranho), quem na “quadrilha” fazia o quê. Na verdade, denunciam-se todos, jogando tudo no mesmo “balaio”.

Mas, ainda que assim não fosse, a imputação de quadrilha é risível, pois seria o cúmulo da alienação política considerar que centenas de pessoas (por vezes, como no caso da Paulista, milhares) estabelecem-se vínculos estáveis e permanentes para práticas de crimes, quando no caso das manifestações, normalmente, decorre encontro casual, informal, muitas vezes impulsionado pela internet.

Quanto ao crime de dano, deve-se observar caso a caso, porém sempre com a ressalva de considerar “dano” ao patrimônio pelos manifestantes — chamados, por opção política, de “vândalos” — uma questão de ponto de vista. Apropriando-se (impropriamente) do que Slavoj Zizek atribuiu à visão da Filosofia da “visão em paralaxe”. Paralaxe é o fenômeno óptico, consistente da irreal diferença de espaço quando olhado de ângulos diferentes (quando se olha um objeto com o olho direito parece diferente do que quando se olha somente do olho esquerdo).

O crime de dano em casos de manifestações políticas normalmente podem ser atribuídos à visão em paralaxe. Ora, seriam os manifestantes a danificar o patrimônio atirando pedras, ou os policiais a atirar bombas de gás e balas de borracha? Quem começa a ação violenta? Não é raro ler em notícias de grandes portais — “Polícia reage a protestos de vândalos”. Como reage? Qual era a dimensão dos protestos? Não poderia ser “manifestantes reagem à truculência policial”?

Apenas a título de exemplo, observam-se duas matérias do mesmo grande portal: "Manifestantes ateiam fogo em mais de 300 carros em forma de protesto na França” e “ Vândalos ateiam fogo em vagão de trem no Rio”. Percebe-se a diferença de pontos de vista. Mas quando é aqui no Brasil, a opção é usar palavras como “vândalos”, “bandidos”, bem como não busca identificar a justiça na causa de protestos, muito menos soluções.

É evidente que muitas vezes o vandalismo é estatística de minoria. Explico. Se cinco mil pessoas se reúnem, é estatístico que dessas cinco mil haja uma minoria absolutamente dissociada da causa, buscando somente extravasar suas frustações pessoais — vulgo “idiotas”. Se de cinco pessoas, 1% seja idiota, totalizam-se cinquenta idiotas, número absurdamente alto. Mas como já dito, é minoria, e não representa, nem de longe, manifestações sociais.

Nota-se, portanto, no que se refere à manifestações populares, o debate é fundamentalmente político, envolvendo áreas, inclusive, de psicologia coletiva — a massa se sente mais forte para enfrentar a polícia, do que se fossem alguns indivíduos — ou ainda a preparação dos policiais, a opção política do governo de repelir brutalmente qualquer manifestação que o conteste, semiótica (compreendendo-se como “o que se quer dizer indiretamente”, em termos bem simplistas) de manchetes de grandes portais…

O que se percebe, claramente, é que é por demais simplista atribuir aos manifestantes o tipo penal de “dano”, quanto mais formação de quadrilha. Ou alguém pensou em chamar os franceses de “bandidos”?

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