Impactos da corrupção

Como PEC 37 impactará negativamente na economia

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  • Luciano Coelho Ávila

    é professor de Direito Constitucional da Fundação Escola Superior do MPDFT (FESMPDFT) em Brasília; especialista em Direito Processual Civil pela FESMPDFT/UFSC; mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); promotor de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

11 de junho de 2013, 7h29

São recentes os estudos científicos e estatísticos sobre os impactos negativos da corrupção para a economia do país, segundo esclarece Pedro Petronillio Hernandes, para quem “a análise do fenômeno com aporte da racionalidade econômica tem trazido sério avanço, pois nela os agentes respondem a incentivos.”

Kimberly Ann Elliot assinala que a corrupção é uma das mais dramáticas mazelas que assolam o mundo globalizado, enfraquecendo a legitimidade política, provocando desperdício de recursos, afetando o comércio internacional e o fluxo dos acontecimentos. A corrupção é também maléfica porque se trata de um instrumento que modifica os mercados, criando vantagens desiguais entre os empresas competidoras e investidores.

Para Roberto Abdenur, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, a corrupção é fator subjacente a múltiplas distorções na economia. Leva à redução de receita e ao aumento do gasto público. Causa prejuízos à sociedade, priva os mais pobres de políticas públicas e agrava as desigualdades sociais. Fortalece a cultura da leniência e a conivência com situações de transgressão (Folha, Tendências/Debates, 18/10/2012).

Miriam Leitão enfatiza que a sensação das pessoas no Brasil é de que a corrupção está aumentando. Segundo a renomada economista, “a doença invade a economia: o governo é o maior comprador, há casos de superfaturamento e de inexplicáveis aditivos aos contratos. Se isso se generaliza, a economia vai ficando menos produtiva, menos eficiente e mais corrompida.”

Levantamentos mais recentes[1] trazem simulações de quanto a União poderia investir em diversas áreas econômicas e sociais, caso a corrupção fosse menos elevada no Brasil. Confira-se.

Na área da educação, o número de matriculados na rede pública do ensino fundamental saltaria de 34,5 milhões para 51 milhões de alunos, um aumento de 47,%, que incluiria mais de 16 milhões de jovens e crianças.

Na área da saúde, a quantidade de leitos para internação nos hospitais públicos, que hoje é de 367,3 mil, poderia crescer 89%, o que implicaria em 327 mil leitos a mais para os pacientes.

No setor de habitação, o número de moradias populares também cresceria consideravelmente. A perspectiva do PAC é atender a 3,9 milhões de famílias; sem os desvios de recursos da corrupção, outras 2,9 milhões de famílias poderiam ser beneficiadas, um acréscimo de 74,3%.

No tocante ao saneamento básico, a quantidade de domicílios atendidos, segundo a estimativa atual do PAC, é de 22,5 milhões. O serviço poderia crescer em 103,8%, somando mais 23,3 milhões de casas atendidas com serviços de coleta de esgotos. Isso diminuiria os riscos à saúde da população e os índices de mortalidade infantil.

Na área de infraestrutura, os 2,5 mil km de ferrovias (metas do PAC), seriam acrescidos de 13,2 mil km, um aumento de 525% para escoamento de produção. Os portos também sentiriam a diferença, com a ampliação do número de 12 que o país possui na atualidade para 184, um incremento de 1.537%. Além disso, o montante absorvido pela corrupção poderia ser utilizado para a construção de 277 novos aeroportos, um crescimento de 1.383%.

Outro dado impressionante sobre o impacto da corrupção na economia foi divulgado recentemente por analistas econômicos: a cada US$ 1 bilhão que se esvaem pelos ralos da corrupção, o prejuízo à atividade econômica como um todo é da ordem de R$ 3 bilhões. O cálculo econômico leva em conta não apenas o valor efetivamente desviado por força do ato de corrupção, mas também o que se deixa de produzir em atividades econômicas que se realizariam em torno do investimento em obras, estradas, portos, escolas, hospitais, etc.

Considerando que as estimativas mais recentes da Federação das Industrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Controladoria Geral da União (CGU) apontam para uma média anual que varia entre R$ 70 a R$ 80 bilhões desviados em virtude da corrupção no Brasil, conclui-se que o prejuízo como um todo para a economia do país acaba sendo da espantosa ordem de R$ 210 a R$ 240 bilhões por ano. Este é o verdadeiro custo econômico da corrupção no Brasil, que contribui decisivamente para emperrar o processo de desenvolvimento econômico do país e para manter o sistema tributário nacional como um dos mais onerosos e complexos do mundo. Como num círculo vicioso, quanto maiores os índices de corrupção, mais elevadas se tornam as necessidades arrecadatórias do Estado, com impacto direto no bolso do contribuinte, que acaba, em última análise, por financiar o custo da corrupção no Brasil.

Para que se tenha em mente a que ponto a corrupção pode levar a economia do Estado, o vice-presidente da Associação de Integridade e Transparência de Portugal, Paulo Morais, chegou a denunciar a poucos dias que a profunda crise econômica deflagrada em Portugal nos últimos anos era fruto da corrupção e não dos alegados excessos dos portugueses.[2] Segundo Morais, a verdadeira explicação para a crise em Portugal está nos fenômenos de corrupção na administração central e local, que têm permitido a "transferência de recursos públicos para grandes grupos econômicos".

A esta altura, o leitor atento deve estar se perguntando: e qual a relação entre a aprovação da PEC 37 e a economia do Brasil, provocação que dá título ao presente artigo? A resposta é relativamente simples: ao impedir o Ministério Público, a Controladoria Geral da União, as Receitas Federal e Estadual, o Banco Central do Brasil, o Cade, os Tribunais de Contas e outros órgãos de controle do Estado de investigarem os desvios de dinheiro público de natureza criminosa, referida proposta de emenda à Constituição — que pretende estabelecer um monopólio da investigação criminal a favor das polícias —, representa golpe de morte no já difícil enfrentamento do mal endêmico da corrupção, sobretudo quando cediço que as polícias, historicamente vinculadas e subordinadas ao Poder Executivo, não possuem tradição investigativa nessa seara, encontrando diversas limitações e obstáculos políticos para o pleno exercício de atividades de apuração de crimes relacionados aos atos de corrupção perpetrados pelos mais altos escalões do Poder Público em todos os níveis da federação.

Como lastimável efeito de referida constatação (a de que as polícias não possuem aparato e autonomia suficiente para investigar em toda sua plenitude e extensão os atos de corrupção que impactam negativamente na economia do país), a população carcerária brasileira é formada, quase à unanimidade, por pessoas oriundas das camadas sociais menos abastadas. Os últimos dados revelados pelo Departamento Penitenciário Nacional demonstram que o Brasil possui 513, mil detentos, a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de EUA, China e Rússia. Desse total, cerca de 70% dos condenados cumprem pena por crimes patrimoniais (furtos e roubos), 20% por crimes violentos (homicídios, estupros, latrocínios, etc.), enquanto apenas 0,12% foram condenados por crimes do colarinho branco, a chamada "cifra dourada da criminalidade".

Muito embora as razões dessa seletividade do direito penal repressivo não se devam exclusivamente às polícias, encontrando raízes na própria lei e no sistema judiciário, não há como se negar, com base nos modernos estudos de criminologia crítica (Lola Aniyar de Castro, Nilo Batista, Vera Regina Pereira de Andrade e outros), que a filtragem inerente ao sistema de investigação policial brasileiro desempenha um papel fundamental para a preservação de referido quadro, compelindo as polícias a investigarem quase que exclusivamente a parcela da delinquência denominada de tradicional, etiquetada e estereotipada (estereótipo do criminoso comum difundido como sendo o do homem adulto negro, pobre e sem instrução), em detrimento da outra parcela inserida na cifra dourada da criminalidade, da qual fazem parte os atos de corrupção perpetrados pelas elites políticas e econômicas detentoras do poder, cujos impactos negativos à economia do Estado são infinitamente superiores. A propósito, cabe esclarecer, com a criminóloga venezuelana Lola Aniyar de Castro, que um único caso de crime de desvio de dinheiro público da ordem de R$ 1 bilhão, por exemplo, pode trazer mais prejuízos à sociedade que milhões de pequenos furtos e roubos.

Com a aprovação da PEC 37, o caráter seletivo e estigmatizante das investigações policiais tenderá a se agravar cada vez mais, a prevalecer a lógica de que o Ministério Público somente poderá denunciar criminalmente à Justiça aquilo que a polícia decidir (e puder) investigar no seu juízo discricionário de conveniência e oportunidade.

A livre disponibilidade da investigação criminal nas mãos do Poder Executivo, que facilmente manipulará a polícia, parece mesmo ser o mundo dos sonhos num país que aprendeu a cultuar a impunidade. Pouco parece importar, em tal contexto, os estrondosos malefícios que a “PEC da Impunidade” acarretará à economia do país ao inviabilizar o aperfeiçoamento do sistema de investigações criminais dos prejuízos econômicos (como um todo considerados) resultantes dos atos de corrupção, que ultrapassam a cifra estratosférica dos 200 bilhões de reais ao ano.

Ao proibir os órgãos de controle especializados (Receitas Federal e Estadual, Cade, Banco Central, CGU, Tribunais de Contas, Ministério Público e as próprias CPI’s) de exercerem uma investigação adequada dos desvios criminosos de recursos públicos que deixam de se converter em políticas públicas eficazes para a população e em infraestrutura para o crescimento do país, a PEC 37 em nada contribuirá para minorar os efeitos deletérios da crise econômica que se instalou no Brasil, levando ao quadro atual de estagnação da economia, com baixa do PIB e elevação dos índices inflacionários.

Triste realidade a de um povo cujo parlamento se dá ao luxo de discutir em tom de seriedade uma proposta de mudança da Constituição que caminha na absoluta contramão dos mecanismos de controle da estabilidade e austeridade econômicas rigorosamente respeitados (e até estimulados) pelos países do eixo civilizado e desenvolvido, de que insiste em não fazer parte a República Federativa do Brasil.


[1] Disponíveis em http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/paulo_morais_crise_foi_provocada_pela_corrupcao_nao_pelos_excessos_dos_portugueses.html

[2] Disponível em: http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/paulo_morais_crise_foi_provocada_pela_corrupcao_nao_pelos_excessos_dos_portugueses.html

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