Jurisdição eficiente

Reorganizar Justiça seria melhor que criar TRFs

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10 de junho de 2013, 19h41

A Emenda Constitucional 73/2013, que cria quatro tribunais regionais federais, não foi a medida mais barata para resolver o problema de abarrotamento nessa esfera do Judiciário. A conclusão está em nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada nesta segunda-feira (10/6). De acordo com o estudo, a criação de tribunais resultará em gastos adicionais de R$ 922 milhões para o Judiciário, mas aumentará a ociosidade de juízes e não resolverá todos os problemas de produtividade da Justiça Federal.

O Ipea afirma que seria mais proveitoso, tanto do ponto de vista financeiro quanto da eficiência, realocar as seções judiciárias. A sugestão é a transferência de juízes e processos entre tribunais mais e menos produtivos. A EC 73 cria quatro tribunais regionais federais com o intuito de desafogar a segunda instância da Justiça Federal. Os novos TRFs ficarão em Manaus, Curitiba, Salvador e Belo Horizonte.

A pesquisa do Ipea leva em conta o impacto desses tribunais com base em dados de 2011 publicados pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) e pelo relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça. A pesquisa afirma que, com os novos TRFs, as despesas de funcionamento da Justiça Federal aumentarão em 60% e serão necessários 55 juízes, que herdarão acervo de 297.871 processos.

Reflexos nos tribunais
Na quantidade de casos pendentes, o maior impacto será no TRF da 1ª Região. Com a saída de Minas Gerais, Bahia, Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia dessa área de abrangência, o estoque cairá quase 60%, de 390 mil para quase 156 mil ações. No TRF–4, que não responde mais por Paraná e Santa Catarina e ficará restrito ao território do Rio Grande do Sul, a queda também será expressiva (46,7%), de pouco mais de 80 mil para 37 mil processos.

O estudo afirma que, ao contrário do que vem sendo alegado, o congestionamento ds tribunais decorre da perpetuação de problemas do sistema judiciário do passado, e não do aumento repentino da demanda pela Justiça. Por conta disso, o Ipea afirma que, levando em conta apenas os TRFs 1 e 4, vai haver quedas sensíveis nas taxas de congestionamento.

No caso da 1ª Região, a taxa cairá de 89% para 73%. Já em relação à 4ª Região, o declínio vai resultar em ociosidade: a taxa de congestionamento sai de 29% e vai para -57%. Nas demais regiões, afirma o Ipea, as mudanças nos acervos de processos serão pouco significativas.

Demandas divergentes
Pelos cálculos do Ipea, os quatro novos TRFs já nasceriam com demandas e responsabilidades muito discrepantes. Enquanto o  TRF–7, de Minas Gerais, já começaria com aproximadamente 159 mil casos à espera de análise, o TRF–9, com abrangência no Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, herdaria somente 18,7 mil ações. Como a Constituição veda tribunais com menos de sete integrantes, o número de julgadores seria maior que a proporção fixada pelo critério da taxa de demanda na corte federal do Norte do país.

O TRF–6, que abarca Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, nasce saudável do ponto de vista da eficiência, com baixo congestionamento e julgando mais processos do que recebe. Mas a corte de origem, o TRF–4, ficará com estrutura superior ao necessário para atender apenas à demanda gaúcha. "A distorção é tamanha que, mantida a produtividade, a redução instantânea da carga de trabalho resultaria em taxas de congestionamento negativas, que implicariam em ociosidade absoluta", diz o estudo. No longo prazo, o documento ainda prevê a necessidade de remover 47 desembargadores dos TRF–1 e TRF–5 pela alteração de carga de trabalho.

Alternativas de reestruturação
A sugestão do Ipea é realocar os estados entre as regiões, com respeito à contiguidade territorial. Bahia seria incorporada à 2ª Região; o Mato Grosso do Sul seria incorporado ao TRF–4, enquanto Goiás e Minas Gerais migrariam para o TRF–3. Essa possibilidade custaria, segundo a nota técnica, R$ 878 milhões a menos que os novos TRFs, com desempenho agregado semelhante. Já em um cenário de realocação de magistrados e servidores entre nove TRFs, sem criação de nenhum novo cargo, as despesas seriam de R$ 335 milhões a menos que o previsto na emenda. 

“Em suma, o que a EC 73 faz é reproduzir ou multiplicar a ineficiência através da criação de novos órgãos, embora seus defensores invoquem o princípio teórico, porém pouco atraente, de que um novo tribunal seria mais eficiente que aquele que lhe deu origem”, ressaltam os pesquisadores.

Veio tarde
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) criticou o estudo do Ipea. Em nota, disse que "o trabalho poderia ter sido apresentado antes", ainda quando a hoje Emenda Constituicional 73 era a Proposta de Emenda à Constituição 544. A Ajufe relembra que a PEC ficou mais de dez anos em trâmite no Congresso Nacional e inclusive já foi debatida pelo CNJ.

Os juízes federais também criticam a metodologia usada pelo Ipea. Segundo a entidade, o estudo deveria ter usado os dados dos processos distribuídos nos últimos anos, e não somente os de 2011. A associação também alega que os pesquisadores partiram da hipótese simplista de que as novas cortes reproduzirão as mesmas estruturas de funcionamentos do TRFs já existentes.

A Ordem dos Advogados do Brasil não falou sobre o estudo, mas elogiou a aprovação da EC 73 e a consequente criação dos tribunais. O presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coelho, disse que esteve com o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Felix Fischer, e explicou suas demandas: “Pugnamos por tribunais mais enxutos, tribunais modernos, que já pensassem no processo sem papel e que venham a colaborar com a Justiça mais próxima da  população, sem gastos excessivos”.

Marcus Vinícius disse esperar que a lei que regulamentará a questão crie TRFs com "uma estrutura enxuta, que represente o mínimo de gastos possível".

Clique aqui para ler o estudo do Ipea.

Leia a nota da Ajufe:

A Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe, entidade de classe de âmbito nacional da magistratura federal, tendo em vista a nota técnica apresentada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA acerca da Emenda Constitucional nº 73, de 2013 (EC 73), que cria quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs), vem a público apontar algumas inconsistências no trabalho apresentado, manifestando-se nos seguintes termos:
 
1. A Nota Técnica do IPEA foi elaborada a partir de números de processos acumulados na Justiça Federal no ano de 2011, quando a metodologia mais adequada para dimensionamento dos novos TRFs deveria pautar-se nos dados dos processos distribuídos nos últimos anos. Suas conclusões, por isso, partem do cenário mais congestionado e ineficiente, e não da distribuição mais equânime dos TRFs na Federação brasileira.

2. A Nota Técnica dos pesquisadores do IPEA parte de hipótese simplista ao inferir que os novos tribunais meramente replicarão as antigas estruturas dos atuais tribunais regionais federais, dimensionadas e criadas em função da “lógica do papel”. O número médio de servidores existentes nos atuais Tribunais Regionais Federais (TRF1, TRF2, TRF3, TRF4 e TRF5) é de 38 por desembargador e, nos novos Tribunais (TRF6, TRF7, TRF8 e TRF9), esse número é de apenas 26. Em termos percentuais, a diferença entre o número de servidores dos atuais Tribunais relativamente aos novos é de 33%. O custo da estrutura gerencial dos novos tribunais regionais federais é 15% inferior ao custo dos antigos.

3.Há confusão entre a unidade de análise “número de processos” com a unidade de análise “recursos processuais” quando os técnicos do IPEA consideram que “[o]s casos novos dos tribunais (2ª instância) compõem-se não só de processos advindos do primeiro grau, mas também de uma parcela substancial de recursos originários do próprio tribunal (tipicamente incidentes recursais, como agravos e embargos, além de outras ações de sua competência originaria, como revisões criminais e ações rescisórias). Esta parcela não é residual, podendo atingir valor expressivos (mais de 50% do total de recursos)”.

4. A demanda quantitativa de processos impetrados nos tribunais regionais federais decorrentes de sua competência originária (CF, art. 108) tende a ser inexpressivo quando se trata de análise de fluxos globais. Sobre o quantitativo de processos originados de competência delegada, é possível estimar que o volume de recursos que sobem para os TRFs se situa, de acordo com estudos do Conselho da Justiça Federal, em torno de 10% da carga gerada pela primeira instância da Justiça Federal. Houve, portanto, falta de compreensão sobre a efetiva composição que aflui para o segundo grau da Justiça Federal.
 
4. Com base em análise superficial daquilo que seria produtividade média anual de desembargadores, os técnicos do IPEA fixam o número que entendem ideal para os novos tribunais: 14 (6ª Região), 20 (7ª), 14 (8ª) e 7 (9ª). Os resultados, porém, subestimam o número de desembargadores necessários para o TRF6 (PR, SC e MS) enquanto superestimam o número para o TRF8 (BA e SE). Calculando-se a média de processos que subiram da primeira instância para os tribunais entre 2008 e 2012, de acordo com os mesmos dados publicados pelos CJF, o TRF6 teria demanda projetada de 63.164 anuais, enquanto o TRF8 teria 22.350. Como como explicar que dois tribunais com demandas tão diferentes devam ter a mesma estrutura?

5. Os técnicos do IPEA utilizam os dados da Tabela 2 do estudo para fazer a maioria das projeções e tirar suas conclusões sobre os novos TRFs. Chama a atenção, porém, as grandes disparidades na carga de trabalho prevista para os novos tribunais. Com efeito, enquanto o TRF7 possuiria uma carga de cerca de 200 mil casos, o TRF9 contaria apenas com 27,5 mil casos, afirmando os técnicos que “[e]m particular, o TRF9 trabalharia com uma carga extremamente reduzida, dada a obrigação constitucional de um mínimo de sete desembargadores; caso contrário o tribunal deveria ter somente dois desembargadores.” Os dados apontam para uma conclusão técnica de que a solução eficiente calculada para o TRF9 deixaria 27.500 processos, mais tudo o que afluirá a cada ano futuro, a cargo de apenas dois desembargadores. Em outros termos, cada desembargador teria 13.750 para julgar anualmente!

6. Quando os técnicos do IPEA dizem que “a bem-sucedida experiência do TRF4 no uso de recursos tecnológicos demonstra o potencial destes instrumentos na promoção do acesso e melhoria da eficiência judicial”, ignoram que o processo eletrônico foi implantado em 2010 no TRF4. Entretanto, de modo paradoxal, o número de julgamentos até 2012 vêm em decaindo progressivamente, a taxas anuais, respectivamente de 3% e 7%.

7. O trabalho do IPEA poderia ter sido apresentado anteriormente, ao longo dos mais de 10 anos de tramitação da PEC 544 na Câmara dos Deputados , e discutido tecnicamente, confrontando-se dados corretos da Justiça Federal, que se podem colher no sítio do Conselho da Justiça Federal.

8. O debate é sempre bem-vindo e a Ajufe está pronta a fazê-lo, porém, com absoluto respeito à vontade soberana do Congresso Nacional, que, corretamente, promulgou a EC 73.

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