Justiça Tributária

Dia do Contribuinte é o mesmo que o Dia do Saci Pererê

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

10 de junho de 2013, 8h13

Spacca
Caricatura: Raul Haidar - Colunista [Spacca]Pela Lei 12.325, de 15 de setembro de 2010, foi instituído o Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte. Pretende-se com isso promover uma "conscientização cívica a ser celebrada, anualmente, no dia 25 de maio, com o objetivo de mobilizar a sociedade e os poderes públicos para a conscientização e a reflexão sobre a importância do respeito ao contribuinte".

Prevê a lei, ainda, que "os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e pela arrecadação de tributos e contribuições promoverão, em todas as cidades onde possuírem sede, campanhas de conscientização e esclarecimento sobre os direitos e os deveres dos contribuintes".

Pois no mesmo dia em que o Congresso mandava respeitar o contribuinte, discutia-se a criação de 300 novos municípios, ou seja, 300 novas unidades de despesa que vão onerar as mesmas pessoas que deveriam ser respeitadas.

Ao retornar de viagem de trabalho nesse dia, aliás um sábado, certo jornalista encontrou em sua casa comunicado do estado de que está inscrito no Cadin, porque deixara de pagar o IPVA de um veículo que vendeu há mais de 20 anos. Claro que se o IPVA de 20 anos atrás não foi pago, está extinto ante a prescrição legal.

Na mesma semana, o proprietário de um terreno no Butantã, que foi alugado a uma borracharia, foi citado numa execução fiscal onde o município cobra mais de R$ 300 mil a título de multa porque seu antigo inquilino não obedeceu à famigerada lei da “cidade limpa”, que proibia placas publicitárias. Detalhes: a lei já foi considerada inconstitucional por uma sentença e o valor da multa é maior que o do imóvel. Isto é: pela aplicação de lei inconstitucional a Prefeitura quer confiscar a propriedade e a vítima do confisco ainda vai ficar devendo mais da metade do seu valor!

E na véspera da data, uma empresa de transportes viu-se impedida de renovar parte de sua frota e continuar operando, porque a União insiste em manter bloqueados veículos que foram objeto de constrição judicial, embora esteja em dia o parcelamento do débito.

Todas essas situações demonstram que, na prática, o respeito ao contribuinte, apesar da lei, simplesmente não existe neste país. A cada novo dia criam-se novas armadilhas para nos transformar a todos em escravos de uma tributação injusta, vítimas de multas confiscatórias, alvos de uma burocracia dispendiosa e, assim, colocados na condição de presas fáceis da arrogância de autoridades que se julgam inatingíveis e cujos chefes maiores pensam apenas na próxima eleição.

Algo precisa ser feito para mudar esse quadro.

As recentes medidas econômicas relacionadas a isenções ou “desonerações” estão favorecendo o consumo, sem dúvida, mas não podem ser feitas sem os adequados mecanismos de compensação.

Não é possível, legalmente, abrir mão de recursos orçamentários oriundos da receita tributária, sem as cautelas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), cujo artigo 1º, em seu parágrafo 1º, assinala que:

§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Além das despesas de custeio já previstas no orçamento — e isso ocorre em todos os entes da Federação — estão previstos muitos concursos públicos destinados a preencher vagas nas repartições. O serviço publico federal é onde, como regra, se localizam os melhores salários. Realizados tais concursos neste ano e nomeados os aprovados no próximo, podemos prever um aumento expressivo das despesas a curto prazo.

Nós, advogados, não sabemos fazer contas. Mas conhecemos pelo menos alguma coisa de economia doméstica. Quando as despesas de casa aumentam, minha mulher me ensina que só há duas soluções: aumentar as receitas ou reduzir os gastos.

E é assim no governo também. Mas há uma diferença: o aumento de despesas é rápido e o das receitas não. Como já assinalamos em nossa coluna de 7 de novembro de 2011 — clique aqui para ler — a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas não pode ser mais adiada. Trata-se de uma questão de reduzir um pouco a desigualdade social do pais e arrecadar algo para compensar as desonerações concedidas.

A tributação indireta no Brasil (IPI, ICMS, Cofins etc) precisa ser revista. Não por acaso a primeira coluna aqui publicada tratava de uma simplificação do sistema, onde era proposta a eliminação do IPI, dando-se mais ênfase ao ICMS.

Enquanto no Brasil a renda e os lucros são tributados em menos de 20% e as mercadorias, bens e serviços em cerca de 45%, nos países mais desenvolvidos tais percentagens são diferentes, com 38% sobres lucros e rendas e o máximo de 33% nas mercadorias.

A tributação indireta acaba atingindo os mais pobres, aquelas pessoas cuja renda destina-se basicamente ao consumo. Isso nos leva também à conclusão de que todo o sistema tributário deve ser revisto.

Não tem sentido, por exemplo, deixar à margem do IPVA os aviões e os barcos, tributando apenas os terrestres. Aliás, esse imposto talvez devesse ser extinto, uma vez que sua estrutura jurídica o torna confuso, além de representar um transtorno para o contribuinte e sem grande repercussão na arrecadação. A respeito disso, já escrevemos neste espaço em 21 de novembro de 2011 clique aqui para ler — sustentando a tese de que o IPVA representa uma bitributação em relação ao ICMS que se paga quando da aquisição e não é de fato um imposto sobre propriedade, mas sobre o consumo.

Um novo sistema tributário é indispensável para que possamos enfrentar o desafio que nos oferece a oportunidade de crescimento deste século.

Com uma carga tributária que se aproxima dos 40% do PIB, resta à sociedade brasileira muito pouco para investir. Não há a maior dúvida de que o investimento mais sadio é aquele que resulta da poupança das pessoas ou do lucro não distribuído das pessoas jurídicas. E são estas, sem dúvida, as que possuem maior possibilidade de alavancar o crescimento econômico do país.

Assim sendo, não basta criar uma data comemorativa e dizer que naquele dia o contribuinte será respeitado. Tem-se a impressão que se houver respeito será somente num único dia, sendo os 364 restantes dias de tortura, de perseguição, de humilhações ao contribuinte.

O que vemos hoje nas repartições fazendárias, como regra, não é exatamente um ambiente de respeito. Boa parte dos funcionários não nos atendem adequadamente, ao que parece por se sentirem desmotivados ou acomodados. Há, ainda, repartições onde se colocam cartazes advertindo que constitui crime desacatar funcionários. Além do mais, mesmo com o advento da informática, há inúmeros casos de exagerada demora no atendimento e até negligência explícita de servidores.

Quando se fala em respeito ao contribuinte, isso implica também em respeito ao advogado que o representa. Há inúmeros casos em que o advogado não é bem recebido e nem vê seus direitos reconhecidos.

Um exemplo disso é a negativa de vista de autos de processo administrativo fora da repartição, assegurado pela Lei 8906 e que algumas autoridades insistem em ignorar, obrigando o advogado a recorrer ao judiciário.

O Estatuto da Advocacia (lei 8906/04 em seu artigo 7º, inciso XV diz:

“Art. 7º – São direitos do advogado:…

XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;”

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 77.507 (RTJ 71, págs. 522/523) decidiu:

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – VISTA DOS AUTOS – Ressalvadas as exceções previstas em lei, tem o advogado direito à vista de processos disciplinares fora das repartições ou secretarias.

Ora, se a Lei 8.906 — que é uma lei especial e vigora nesse sentido — garante que a retirada dos autos é direito (prerrogativa) do advogado, não existe razão para que a autoridade o ignore. Assim agindo, não respeita o direito do contribuinte, de quem o advogado é representante.

Por todas essas e muitas outras razões, o tal Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte não significa muita coisa ou mesmo nada. Trata-se apenas de uma lei sem sentido, tão importante quanto a que criou o Dia do Saci Pererê, que se comemora em 31 de outubro.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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