Justiça Comentada

Separação de poderes e efeitos vinculantes e erga omnes

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7 de junho de 2013, 8h02

Spacca
No último dia 16 de maio, o Supremo Tribunal Federal retomou importante julgamento sobre a extensão dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade proferida pela própria Corte em sede de controle difuso de constitucionalidade.

Trata-se de Reclamação (Rcl 4.335/AC, relator ministros Gilmar Mendes), em que se pretende a ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos no HC 82.959/SP, com o consequente reconhecimento de efeitos erga omnes.

A grande questão desse julgamento é a análise da transcendência dos efeitos do controle difuso, afastando a manutenção de seus tradicionais efeitos intrapartes, que ocorre com a possibilidade de ampliação dos efeitos por resolução do Senado Federal, em virtude da norma prevista no artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.

No Brasil, a Constituição Federal previu um mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo STF, autorizando que o Senado Federal, por meio da espécie normativa resolução, possa suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional incidentalmente por decisão definitiva de nossa Corte Suprema.

Trata-se de mecanismo inserido em nosso ordenamento constitucional em 1934, por patente necessidade de conceder maior eficácia ao controle difuso de constitucionalidade no Brasil, uma vez que, por não adotarmos a teoria dos precedentes judiciais, não raras vezes as decisões incidentais de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos pelo Supremo Tribunal Federal acabavam não sendo seguidas pelos demais órgãos judiciais e administrativos.

A declaração de inconstitucionalidade é do STF, com efeitos intrapartes e retroativos (ex tunc), mas a suspensão é função do Senado, com efeitos erga omnes e não retroativos (ex nunc).

Sem a declaração de inconstitucionalidade, o Senado Federal não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional, porém a tarefa constitucional de ampliação desses efeitos é sua, no exercício de sua atividade legiferante, concretizando a suspensão da eficácia do ato.

A partir da EC 45/2004, nas questões constitucionais de repercussão geral, o STF analisando incidentalmente a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo poderá, imediatamente, e respeitados os requisitos do artigo 103-A da Constituição, editar súmulas vinculantes, que deverá guardar estrita especificidade com o assunto tratado, permitindo que se evite a demora na prestação jurisdicional em inúmeras e infrutíferas ações idênticas sobre o mesmo assunto.

Importante, porém, perceber que a edição de súmulas vinculantes como verdadeira ponte entre o controle difuso (efeitos intrapartes) e o controle concentrado (efeitos erga omnes) exige requisitos materiais e formais, somente podendo ser editada pelo voto de dois terços dos membros do STF — ou seja, oito ministros.

Na presente hipótese, foi exatamente o procedimento do Supremo Tribunal Federal, que editou a Súmula Vinculante 26 (“para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”), por ampla maioria qualificada de seus membros (dez Ministros).

A adoção dos mecanismos da repercussão geral e das súmulas vinculantes, obviamente, acaba tornando menos necessária a aplicação do artigo 52, inciso X, pois declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, com repercussão geral, a Corte Suprema poderá editar Súmula sobre a validade, a interpretação e a eficácia dessas normas, evitando que a questão controvertida continue a acarretar insegurança jurídica e multiplicidade de processos sobre questão idêntica.

Tal hipótese, porém, não permite o afastamento integral de possibilidade constitucional de atuação do Senado Federal. Como bem destacado pelo ministro Ricardo Lewandowski, “o sistema de freios e contrapesos, próprio à separação de Poderes, não teria o condão de legitimar a ablação de competência constitucional expressamente atribuída a determinado poder. Nesse sentido, suprimir competências de um poder de estado, por meio de exegese constitucional, colocaria em risco a própria lógica desse sistema”.

A nova permissibilidade jurídica discutida na referida reclamação não desrespeitaria somente o Poder Legislativo (Senado Federal). Desrespeitaria frontalmente as limitações constitucionais referentes ao exercício do controle concentrado, com efeitos erga omnes e vinculantes, pelo Supremo Tribunal Federal.

Haveria verdadeira subversão constitucional, pois todas as regras de freios e contrapesos previstas pela Constituição Federal para limitação do poder do Supremo Tribunal Federal em interpretar a Constituição abstratamente, vinculando todos os órgãos da administração e os demais órgãos do Poder Judiciário (legitimidade taxativa, pertinência temática, cláusula de reserva de plenário, quórum qualificado para modulação dos efeitos, quórum qualificado para edição de súmulas vinculantes etc.) estariam sumariamente afastadas caso a Corte pudesse ampliar automaticamente, de ofício e sem quórum qualificado, os efeitos intrapartes para erga omnes.

Portanto, não nos parece possível, sob pena de desrespeito aos artigos 52, inciso X, e 103-A, que a Constituição Federal permita ao Supremo Tribunal Federal aplicar a transcendência dos motivos da declaração de inconstitucionalidade difusa para atalhar a necessária edição de súmulas vinculantes ou afastar a necessidade de atuação do Senado Federal.

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