Restrição Portuária

Criação de UCs sem estudo afeta expansão de município

Autor

  • Karina Pinto Costa Mekhitarian

    é advogada mestre em Direitos Difusos e Coletivos com foco em Direito Ambiental pela PUC-SP professora de Direito Ambiental na graduação da Fadisp e no curso de pós-graduação do Senac-SP. É coordenadora da área de Meio Ambiente do escritório Pinheiro Pedro Advogados e atua na área de consultoria de sustentabilidade e contencioso ambiental.

5 de junho de 2013, 8h20

Diante da recente aprovação da nova Lei dos Portos, um ponto fulcral que precisa ser analisado pelo setor de logística portuária trata das restrições ambientais envolvendo a criação de espaços territoriais especialmente protegidos no litoral brasileiro, ou seja, as conhecidas Unidades de Conservação (UCs).

Isto porque, com fundamento na Constituição Federal Brasileira, qualquer ente da federação possui competência para instituir UCs mediante simples edição de Decreto, não havendo necessidade de ser criada por Lei (instrumento legal mais restritivo e formal).

Se para criar existe uma facilidade, após sua efetiva criação, para o Poder Público fazer qualquer alteração ou supressão de limites na UC o procedimento é bem diferente.

Ocorre que se uma UC tiver sido instituída com falha técnica na delimitação da sua zona núcleo, pois introduziu divisas e limites que acabaram expandindo a área originalmente estudada, interferindo indevidamente em área marítima de jurisdição federal e afetando a expansão portuária de uma região, o texto da norma está eivado de vício material.

No entanto, para que o equívoco seja corrigido e haja redução dos limites da UC, com base na Constituição Federal de 1988 e na Lei Federal 9.985/00 — instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) —, “só pode ser feita mediante lei específica”, ou seja, por meio de um procedimento demorado que exigirá análise e aprovação do Poder Legislativo.

Neste cenário, o que se observa ao longo das últimas décadas é a criação de centenas de UCs ao longo do país, muitas delas situadas em locais estratégicos do litoral brasileiro para implantação de empreendimentos logísticos ligados ao setor portuário (exemplo: portos, terminais portuários privados para armazenamento e escoamento de produtos, estaleiros, estações de transbordo, entre outros).

Não resta dúvida que existe um total descompasso da própria Administração Pública envolvendo posicionamentos distintos sobre a matéria, de um lado os ambientalistas preservacionistas que incentivam a criação cada vez mais das UCs sem se preocupar com as consequências, e de outro lado os que colocam o homem no centro das preocupações do desenvolvimento sustentável, como reza o Princípio 1 da Carta de Princípios da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (“ECO-92”).

Em função da celeuma que gira em torno do assunto na prática, importante a análise da legislação ambiental aplicável à matéria para alertar dos conflitos de normas e interesses públicos que possam surgir em face das restrições ambientais oriundas da criação de UCs e do desenvolvimento e incremento da logística portuária brasileira nos mesmos espaços territoriais.

A partir dos dispositivos constitucionais sobre o meio ambiente, incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (artigo 225, parágrafo 1º, III).

A Lei Federal 9.985/00, regulamentou mencionado dispositivo constitucional e instituiu o SNUC, estabelecendo critérios e normas para criação, implantação e gestão das UCs.

As UCs integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas: as Unidades de Proteção Integral (objetivo de preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais) e as de Uso Sustentável (objetivo de compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais).

O SNUC é constituído pelo conjunto das UCs federais, estaduais e municipais e tem, entre diversos objetivos, o de contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais.

Consideradas as restrições impostas nas normas Legais mencionadas e demais aplicáveis, entende-se, portanto, que pela característica da atividade, porte e impacto ao meio ambiente causado por empreendimento portuário, haverá conflito direto e restrição à implantação de projeto existente caso esteja localizado nas proximidades ou no interior de uma UC, ainda mais se for de uso integral.

Além dos objetivos próprios de cada tipo de UC previstos na Lei do SNUC, quem vai estabelecer as regras de uso e restrições da zona núcleo da unidade é o plano de manejo. A esse respeito, ressalta-se que a grande maioria das UCs criadas não saíram do papel, pois, apesar da lei determinar elaboração desse plano pelo Poder Público no prazo de cinco anos, a partir da data de sua criação, na prática, isso ocorre com menos de 10% das unidades instituídas.

O fato é que o litoral brasileiro é um dos poucos setores viáveis para aposição de atividades de logística de abastecimento e escoamento, essenciais para a economia nacional, ao passo que as restrições inerentes as UCs obstruem a possibilidade de desenvolvimento socioeconômico da região afetada e a disposição de infraestrutura essencial à qualidade de vida da população.

Sem falar da necessidade estratégica do país quanto à adequação e ampliação das instalações de apoio à produção, exploração e escoamento de petróleo nas bacias petrolíferas offshore brasileiras, especialmente as destinadas ao atendimento das demandas decorrentes das novas descobertas de petróleo da bacia de Santos e das áreas do chamado “pré-sal”.

Sendo assim, a criação de UCs sem estudo técnico adequado quanto à sua funcionalidade ambiental e demais interesses públicos estratégicos envolvidos, acabam prejudicando a expansão socioeconômica do município e a possibilidade de implantação de projetos de interesse público relevante, restringindo, assim, o próprio desenvolvimento sustentável.

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  • é advogada, mestre em Direitos Difusos e Coletivos, com foco em Direito Ambiental, pela PUC-SP, professora de Direito Ambiental na graduação da Fadisp e no curso de pós-graduação do Senac-SP. É coordenadora da área de Meio Ambiente do escritório Pinheiro Pedro Advogados e atua na área de consultoria de sustentabilidade e contencioso ambiental.

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