Presídio Central

Fórum contesta governo brasileiro na OEA

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3 de junho de 2013, 11h47

O Presídio Central de Porto Alegre não sofreu nenhuma transformação substancial que viesse a melhorar as condições de habitabilidade, segurança, alimentação e de saúde dos presos. Pelo contrário, ainda houve registro de aumento da massa carcerária, de janeiro para cá, quando foi denunciado à Comissão de Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A avaliação, em tom pessimista, partiu dos representantes das entidades que formam o Fórum da Questão Penitenciária do Rio Grande do Sul e consta na réplica à resposta apresentada pela União ao pedido de informações feito pela Comissão. O órgão pediu ao Estado brasileiro informações que estava fazendo para manter a integridade física e assegurar os direitos dos 4,5 mil presos que cumprem pena neste que foi considerado o pior presídio do Brasil pela CPI do Sistema Carcerário.

As providências adotadas pelo governo foram classificadas como ‘‘evasivas’’.

A réplica formulada pelo Fórum — documento com 63 páginas, incluindo laudos técnicos — tomou como base o que foi apurado na visita feita nos dias 16 e 24 de maio ao Presídio Central. Em ambas as visitas, signatários e técnicos do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) e do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do RS (Ibape/RS) puderam confrontar o relatório enviado em janeiro ao CIDH com aquele emitido pelo governo, rebatendo item por item.

O diretor de Assuntos Constitucionais da Associação dos Juízes do RS (Ajuris), juiz Gilberto Schäffer, identificou a falta de agenda e de um cronogramas de obras de melhorias por parte do governo brasileiro. ‘‘Em termos práticos, o governo não sinaliza um comprometimento efetivo para resolver a situação, mesmo sendo um dos grandes responsáveis pela questão prisional. Tem de haver planejamento, redimensionamento, da questão do encarceramento, de modo geral, pois o Brasil tem 550 mil presos para um sistema estruturado para abrigar 150 mil detentos. Temos um grave problema, que é reprodutor da própria criminalidade’’, discorreu.

O próximo lance, agora, está com a Comissão de Direitos Humanos, que vai analisar as respostas encaminhadas pelo Forum e decidir se defere ou não as medidas cautelares, em face da situação de perigo iminente. ‘‘A Comissão vai analisar se as medidas que o Brasil se propõe para sanar os problemas do Central são suficientes ou insuficientes. Vamos aguardar. Independente disso, entendemos que o fato principal, para nós, é a mobilização social que está por trás disso.’’

O vice-presidente administrativo da Ajuris, juiz Eugênio Couto Terra, no entanto, vai mais longe: acredita que a Comissão virá a Porto Alegre constatar in loco a situação, para tentar a conciliação. Terra explicou que a Comissão não tem o poder de sancionar.

‘‘Ela pode tentar uma fase de mediação, emitir uma Recomendação. E se esta Recomendação não for acatada, a Comissão pode encaminhar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Esta, aí, sim, pode abrir um processo e impor uma sanção ao Estado brasileiro’’, explicou.

Infraestrutura precária
Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (31/5), os especialistas que acompanharam a visita para colher subsídios para embasar a réplica comentaram os principais pontos, em suas respectivas áreas.

Gilberto Schäffer, por exemplo, admitiu, que houve melhora na parte de cozinha, mas esta a mudança não surtiu efeito prático. Isso porque a comida continua sendo produzida em panelões, três ou quatro horas antes de ser servida, e é deixada na porta das galerias. A partir deste ponto, ninguém sabe o destino da comida, nem se todos os presos foram servidos, porque o Estado não entra lá. Resumindo: a estrutura continua péssima. A superlotação e o autogerenciamento no sistema carcerário permanecem intocados. As facções criminosas continuam dominando as galerias.

O vice-presidente Cremers, Fernando Weber Matos, também não viu mudanças significativas na parte de saúde. Pelo contrário, com quebra do aparelho de raios-x, a situação tende a piorar, pois o Estado deixa de detectar tuberculose no momento da admissão dos presos, por exemplo.

Quando lá esteve, Matos contou 4.445 detentos. Junto com os cerca de 600 servidores que atuam no complexo, esta pequena cidade em ambiente fechado funciona como uma ‘‘usina’’ de disseminação de doenças.

Conforme o médico, este ambiente propicia a disseminação de doenças infecto-contagiosas — como tuberculose, a AIDS e as hepatites A, B e C, pelo compartilhamento do uso de seringas contaminadas. Isso sem falar nas verminoses, dermatites e diarreias, causadas pelo esgoto cloacal, que ainda corre a céu aberto, constatou.

O especialista alertou que as doenças, transmitidas pelo contato físico e pela respiração, não ficam restritas à massa carcerária. ‘‘Temos 12 mil visitas/mês, aproximadamente: mulheres, crianças e parentes de maneira geral. Então, veja, que o presídio não se resume a 5 mil pessoas possivelmente doentes. Mas, com certeza, os trabalhadores e visitantes se constituem em vetores de doenças para a sociedade.’’

Unidade de Saúde
De tudo o que viu, a única boa notícia é que a Prefeitura de Porto Alegre assumiu a questão do atendimento médico, criando uma Unidade Básica de Saúde nas dependências do presídio. O problema, encerrou o especialista, é que a equipe ainda é muito pequena. São uma equipe e meia, quando deveria ser oito. Afinal, os Ministérios da Saúde e da Justiça recomendam uma equipe de saúde para cada grupo de 500 detentos.

O parecer técnico do presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do RS (Crea), Luiz Alcides Capoani, não diferiu muito do anterior, feito em 2012. ‘‘Houve apenas mudanças paliativas’’, anotou.

Marcelo Suarez Saldanha, presidente do Ibape/RS, observou que foi feita uma ligação na rede de esgotos, mas este continua circulando a céu aberto no pátio que recebe visitantes, expondo todos a doenças. ‘‘Na prática, o sistema esgotos do Central entrou em colapso. Não tem intervenção tópica que surta efeito. O esgoto do pavimento de cima cai na cela debaixo’’, comprovou.

O sistema de elétrico não foge à regra. Persiste o risco de incêndio e de eletrocução. Além disso, Saldanha apontou a falta de um plano de incêndio específico para presídios, já que neste tipo de estabelecimento não pode haver rota de fuga, nem saída de emergência. A seu ver, o Central permanece em estado crítico, pela depauperação progressiva das condições de habitabilidade. ‘‘É irrecuperável para o propósito para o qual foi criado’’, decretou o técnico.

Clique aqui para ler a resposta do governo brasileiro.
Clique aqui para ler a réplica do Fórum.
 

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