Liberdade de imprensa

Lewandowski suspende decisão que tiraria ConJur do ar

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26 de julho de 2013, 21h51

O presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu a sentença que determinava a retirada do site da revista Consultor Jurídico do ar, caso diversas notícias não fossem apagadas. Em decisão liminar desta sexta-feira (26/7), o ministro viu indícios de que a determinação de tirar o site do ar ofende princípios da liberdade de imprensa, e por isso deve ser suspensa. A decisão desta sexta foi tomada durante o plantão judiciário, quando o presidente do STF é responsável por analisar os pedidos de urgência. O relator do caso é o ministro Luís Roberto Barroso.

A sentença, do juiz Victor Kümpel, da 27ª Vara Cível de São Paulo, atendeu a pedido do autointitulado engenheiro Luiz Eduardo Auricchio Bottura. Ele é um dos nomes mais recorrentes em consultas processuais: é réu em mil ações e autor de outras 980. Ele também ostenta pelo menos 239 condenações por litigância de má-fé. Na notícia pela qual Kümpel havia determinado a retirada da ConJur do ar, Bottura atacou o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), entidade que gerencia e organiza os registros de domínios de sites que terminam com ".br". O pedido de Bottura, atendido pelo juiz Kümpel, é que o NIC.br cancelasse o registro da ConJur e de dezenas de outros sites, como Google, Yahoo, Uol e YouTube. A ConJur é representada pelo advogado Alexandre Fidalgo.

O advogado lembra que a via da censura à imprensa é inconstitucional. "O sistema jurídico oferece a ação de reparação e a ação criminal como os meios processuais constitucionais para a tutela do direito da honra supostamente violada pela atividade jornalística, mas em hipótese alguma a censura, nem mesmo às plataformas de comunicação digital", diz.

Na decisão desta sexta, Lewandowski afirma que a sentença de Kümpel “parece ter ofendido” a decisão do Supremo no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130. Naquela ocasião, o tribunal entendeu que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal por representar um obstáculo à liberdade de imprensa. “Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes de censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de resvalar para o espaço constitucional da prestidigitação jurídica”, dizia o voto do relator, ministro Ayres Britto — hoje aposentado.

Lewandowski também cita voto do decano do STF, o ministro Celso de Mello, em Reclamação ajuizada pelo blogueiro Paulo Henrique Amorim justamente por afronta à decisão na ADPF 130. Nesse voto, Celso de Mello ensinou que “o exercício da liberdade de imprensa não é uma concessão das autoridades, e sim um direito inalienável do povo”. No mesmo voto, o decano afirmou que o exercício concreto da liberdade de imprensa “assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”.

A correção de rumo promovida pelo ministro Lewandowski tem sido comum no STF. O motivo é o desconhecimento, ou resistência, de muitos julgadores de primeira e segunda instância em relação à doutrina e à jurisprudência do Supremo em matéria de dano moral. Para os ministros do STF, é preciso que haja dolo para configurar o dano moral. Se a reportagem limitou-se a narrar fatos — sem desbordar do direito de crítica — ainda que o texto desagrade o personagem da notícia, não há ofensa. Já a primeira e a segunda instância consideram suficiente que o personagem da notícia se diga ofendido. “Com essa noção, caso Hitler ressuscitasse, ele poderia processar todas as pessoas que atribuíram a ele os fatos dos quais ele foi o autor”, afirma o advogado Fabrício de Oliveira Campos. Em sua especialidade, a penal, Campos explica que, para jornalistas ou não, o delito se configura quando a narrativa ou imputação for falsa.

A juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira, da 29ª Vara Criminal da capital paulista, é exceção à essa regra. Ela seguiu o entendimento prescrito pelo Supremo Tribunal Federal ao rejeitar, nesta quinta-feira (25/7), sem julgamento de mérito, mais uma Queixa-Crime de Bottura contra membros da equipe da ConJur movida devido a reportagens que já são alvo de outras ações da mesma natureza. A ConJur foi defendida pelos criminalistas José Luís Oliveira Lima e Rodrigo Dall'Acqua.

Em sua decisão, a juíza ensina a diferença entre a notícia que ofende e a que informa: "A manifestação deliberada pelos querelados não traduziu o animus de ofender, mas sim reproduziram matérias já publicadas. Não se pode olvidar que a liberdade constitui um dos maiores valores do ser humano. Escolher livremente as opções dentro de uma sociedade em que o Estado implemente todos os direitos fundamentais individuais, coletivos e sociais é um modelo que todos almejam. A liberdade de expressão, principio consagrado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e, no caso concreto, as partes bem entendem o sentido amplo aplicado à denominada critica jornalística e, dessa forma, a possibilidade da crítica ser realizada de maneira contundente", resumiu. "O caso é de aplicação do art. 395 do Código de Processo Penal, seja pela inexistência de dolo, seja pelo exercício regular de direito de informar e criticar." O artigo 395 do CPP justifica a rejeição da queixa quando a denúncia é inepta, não há condições para a ação penal ou falta justa causa para a abertura de processo.

O demandante
Dentro dos quase dois mil processos em que Luiz Eduardo Bottura aparece em um dos polos, é possível perceber uma estratégia de atuação. Ele opta por processar aqueles que considera inimigos, desafetos ou obstáculos. A ConJur se tornou um de seus alvos por mostrar, em reportagem, uma “parceria” estabelecida entre Bottura e uma juíza de sua cidade, Anaurilândia (MS).

Bottura também já teve uma empresa de comércio eletrônico com sede em São Paulo. Como não entregava os produtos que vendia, os clientes começaram a reclamar, inclusive na Justiça. Em troca, eram acionados judicialmente pelo então empresário Luiz Eduardo Bottura.

Outra de suas estratégias é, sabendo que suas ações têm pouca chance de prosperar (mas às vezes prosperam, tal qual acontece com a pessoa que aposta toda semana na loteria), entra com inúmeras reclamações disciplinares contra o juiz ou o desembargador que cuida do seu caso. Vai até mesmo ao Conselho Nacional de Justiça. Com isso, obriga o julgador a se declarar impedido de julgar um caso em que Luiz Eduardo Bottura aparece como parte.

Bottura também usa da técnica de rechear suas petições iniciais, que costumam ser longas, passando do milhar de páginas. Uma artimanha é informar o juízo o endereço errado dos processados. Como o acusado jamais será localizado, é dito como “foragido”. 

Segundo informações da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, o autodenominado engenheiro chegou a apresentar petição em processo como se fosse o advogado da parte oposta e juntou em outros processos para complicar a vida da sua vítima. 

Encontrou uma forma peculiar de se vingar do delegado que o prendeu por estelionato e falsificação de documento no Mato Grosso do Sul. O processou, assim como fez com o secretário de Segurança do estado, porque o site oficial do órgão noticiou a sua prisão. Bottura diz que sua prisão foi considerada ilegal e que tem procedimento no Conselho Nacional de Justiça para investigar (0001659-20.2013.2.00.0000).

Só no Supremo Tribunal Federal ele é parte em 66 processos. No Superior Tribunal de Justiça, em 99, e no CNJ é autor de 21 representações. A ConJur foi processada oito vezes por noticiar casos relacionados a Bottura.

Reclamação 16 074

Clique aqui para ler a liminar do ministro Ricardo Lewandowski.
Clique aqui para ler a decisão da juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira.

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