Longe de Detroit

Precatórios não tornam São Paulo inadministrável

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21 de julho de 2013, 11h05

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), deixou em pânico as muitas personalidades de seu Conselho da Cidade, afirmando que a cidade se tornará impossível de administrar se tiver que pagar os alegados R$ 18 bilhões em dívidas judiciais vencidas, agora que o STF declarou inconstitucional o obsoleto, imoral e ineficiente expediente de alongar unilateralmente, repetidas vezes e por décadas  (na verdade, calote) suas dívidas reconhecidas em definitivo na Justica.

Essa inadimplência histórica, ainda segundo o prefeito, somente poderá ser resolvida dentro de um limite absoluto de 3% mensal das receitas líquidas, sem prazo final. Sugere que, apos cinco anos, se ainda houver saldo a pagar, a Prefeitura poderia utilizar parte do saldo bilionário de dinheiro depositado por cidadãos que litigam em Juízo, e que ficam parados por anos, vítimas da ineficiência do Poder Judiciário (autorizado a usar parte dos juros para suas despesas). Projeções de especialistas indicam que a Prefeitura de São Paulo levaria de 25 a 40 anos para pagar sua dívida passiva judicial, computando dívida nova grande ou pequena em gestação. Essa variação notável de 25 a  40 anos se deve também aos critérios maiores ou menores desenhados para adesão com desconto por conciliação,  flutuações de receita através de décadas etc. Em qualquer caso, teréamos um cenário pior do que aquele já considerado inaceitável pelo STF. São os mesmos atores tentando sobrevida por fórmulas ultrapassadas e lutando pelo "status quo" falido.

O Poder Judiciário não tem vocação nem estrutura para gerir dívidas, o que poderia ser terceirizado para instituições como o CETIP e BMF. O melhor exemplo disso são os TDAs, títulos da dívida agrária, emitidos para pagamento de desapropriações judiciais para reforma agrária. Esses TDAs alimentavam um mercado bandido, que acabou com a entrada em cena do CETIP, agente do Banco Central do Brasil e que hoje administra um cenário eletrônico transparente impecável.

Sim, é importante vincular uma parte das receitas da Prefeitura para pagamento de precatórios, mas, nessa visão estreita de solução, somente existiriam dois fatores inelásticos de trabalho: limite mensal de desembolso e nada de prazo, quando outras alternativas paralelas e não excludentes já foram estudadas exaustivamente.

Preliminarmente, sabe-se que a dívida é maior do que R$ 18 bilhões, pois os entes públicos calculam o que devem pelos índices mais baixos existentes no mercado, e sem juros, muitas vezes. Para receber, é desnecessário dizer que são os índices maiores, juros extorsivos, multas confiscatórias e penhora online em qualquer atraso do contribuinte. Dois pesos e duas medidas, e o STF já declarou que as dívidas judiciais públicas ativas e passivas devem ser corrigidas pelos mesmos critérios de inflação e juros.

A Prefeitura de São Paulo não tem pagado adequadamente seus precatórios, nem tampouco cobrado com eficiência sua dívida ativa — impostos em atraso, dezenas de vezes superior aos precatórios. As duas moedas "podres" ativas e passivas deveriam ser definitivamente compensáveis, criando um mercado secundário para os credores e quitando grande parte do colosso contábil improdutivo. Isso já foi feito no Rio de Janeiro e em outras jurisdições com sucesso. No limite, a cobrança ou mesmo a própria dívida ativa poderiam ser leiloadas e terceirizadas (mudanças legislativas, se necessário, que sejam feitas. Quando é para autorizar calote inconstitucional, tudo acontece em um passe de mágica).

Precatórios contra a Prefeitura poderiam ser usados como moeda para pagar contribuição para aposentadoria de funcionários, compra de imóveis ociosos, investimentos em fundos de infraestrutura, financiamento da casa própria, empréstimo consignado e outras operações de bancos estatais, multas de trânsito e de outras naturezas, ISS de novos projetos que ofereçam empregos e reurbanização etc., tudo isso sem afetar o atual fluxo de caixa.

A combinação dessas opções pouco a pouco baixará e liquidará o estoque de divida publica judicial.

Enfim, pensar somente com ideias pré-históricas de reestruturação de dívidas publicas — calote forçado e moratória — não levará nossa cidade a lugar algum.

A União poderia e deveria premiar uma reestruturação profissional (é urgente consultar o mercado financeiro, que no passado reestruturou a "impagável" dívida externa brasileira, quitada com orgulho pela administração Lula) da dívida paulistana, garantindo uma possível emissão de títulos de dívida e projetos prioritários de infraestrutura.

São Paulo é uma cidade efervescente, moderna, com enorme potencial e pessoas físicas e jurídicas do bem, que estão nas ruas apoiando mudanças estruturais e culturais.

Não será com ideias comprovadamente mal sucedidas, pequenas, míopes, que resgataremos o "non ducor duco".

São Paulo não é a falida Detroit, cidade hoje de 700 mil habitantes, que perdeu 25% de sua população na última década (ou seja, uma base tributária decrescente), deve 20 bilhões de dólares e afundou na incompetência e corrupção. Parou na história, sem se abrir a novas ideias e iniciativas, e agora falam até em vender as obras de arte de seu museu para pagar os credores.

Ainda há tempo para São Paulo, mas com a mente aberta, conversando sem preconceitos ideológicos e eleitorais, e trazendo à mesa profissionais de finanças e de recuperação judicial do Brasil e de outros países. Se o mundo público não tem dinheiro nem pode aumentar a tributação, é preciso acessar o mercado privado, cujos bancos começam a ficar com muito dinheiro "empoçado" por falta de bons projetos e riscos aceitáveis.

Na verdade, o problema é muito mais que financeiro. Precisamos criar um novo modelo de administração de cidades, estimulando e direcionando créditos legítimos para poupança e projetos de infraestrutura saudáveis e seguros. Agenda positiva e sem rancor. Agentes públicos devem pagar pessoalmente por gestão irresponsável, desapropriações sem orçamento, aumentos para funcionários da ativa, esquecendo inativos e pensionistas etc. Pagar civil, criminal e eleitoralmente.

Certamente existem grandes investidores e empreendedores nacionais e internacionais, públicos e privados, interessados na cidade de São Paulo, mas com um discurso de renovação de calote, sem prazos e garantias, quem irá se habilitar?

O credor de dinheiro público é também credor de saúde, transporte, segurança e educação públicos e tem o direito de escolher o destino de seu dinheiro para novas despesas e investimentos. Ele, credor, já comprou e paga por esses serviços há anos e recebeu muito pouco de seu devedor público de dinheiro vivo, que precisa recuperar seu crédito e confiança dos munícipes eleitores e contribuintes. Certamente não será via novo calote.

Uma informação curiosa, que retrata bem, de outro lado, como a má gestão é implacável: tanto o governo do estado de São Paulo quanto a Prefeitura da capital têm sede em imóveis de propriedade original do grupo privado Matarazzo, do qual fui um dos comissários judiciais da maior concordata da época.

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